Por: João Vitor Santos | 12 Novembro 2016
Como compreender os solavancos que se vem sofrendo mundo afora, da vitória de Trump nos Estados Unidos ao resultado das eleições municipais do Brasil de 2016? “Estamos sem ar. Precisamos de movimento de descompressão”, constata Bruno Cava, da Uninômade. Talvez uma saída possa ser revisar velhos conceitos, mas que pulsam ainda nos dias de hoje. É nesse sentido que Bruno propõe uma releitura do marxismo, procurando sua pulsação ainda existente. Mas adverte: “Só vale a pena rever Marx se for aquele Marx vivo, que está para além das institucionalidades”. Para ele, essa é uma saída para se metabolizar as derrotas, mas sem ser derrotista. “Precisamos buscar esse ar e, talvez, para isso, necessite um movimento mais tropicalista. É uma crítica sem perder a leveza, como novo ar”, propõe, em alusão ao movimento cultural brasileiro da década de 70, na sua passagem pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Na quinta-feira, 10-11, ele proferiu duas conferências. A primeira, Algumas recepções e (re)leituras de Marx no Brasil, à tarde dentro do IHU Ideias. À noite, outras possibilidades de entradas no marxismos foram apresentadas através da leitura de O Anti-Édipo. Capitalismo e Esquizofrenia, de Gilles Deleuze e Félix Guatarri (São Paulo: Editora 34, 2011), feita por Bruno Cava.
Para Bruno, o marxismo pode ainda servir para entender o mundo de hoje se for envolto nesses novos ares. Afinal, é em Marx que se elabora o problema do capitalismo, colocando-se a pensar sobre ele. Quando se vive, como nos tempos de hoje, a crise desse capitalismo, faz sentido voltar a essa perspectiva para pensar sobre os efeitos da crise do capital. “É uma crise internacional quando passa pela crise de 2008 e todos os desdobramentos que se dão a partir dali. Há um realinhamento do mundo para dar conta dessa crise do capital”, analisa. “É dessa crise que explodem uma série de lutas. Estamos diante de lutas globais abertas em 2010 na Primavera Árabe e que se espalharam pelo mundo até chegar no Brasil de 2013”, completa.
O professor ainda destaca que nesse contexto o marxismo é acionado em várias frentes, até mesmo para constituir a crítica a governos progressistas da América Latina, ditos como alinhados à esquerda, que não conseguem compreender esses movimentos como resposta a um movimento geral pelo próprio capital a partir de sua crise. “A partir dessa crise global, dos ciclos de lutas e dentro da crise capitalista que surgem as três correntes pelas quais se busca Marx”, analisa Bruno. E acrescenta: “entretanto, essas três linhas atingem um impasse e acabam saturadas do ponto de vista de propostas organizativas e políticas”.
A primeira linha de releitura de Marx apresentada por Bruno é a da ideia de comunismo radical, o que chama também de radical polis. Para ele, o equívoco se dá quando quem aderiu a essa corrente acaba preso à ideologia das superestruturas. Isso, inevitavelmente, acaba os jogando para fora das lutas globais. “Não se conseguiu incorporar ao que havia de mais potente no ciclo das lutas”, analisa. Bruno entende que sem fazer a acoplagem ao movimento das transformações “não se faz o marxismo real”.
A segunda linha é o que chama de campo da hegemonia, que se dá a partir de uma leitura de Antonio Gramsci. É nessa corrente que insere a experiência do Podemos, na Espanha. “O Podemos e todas as plataformas que congrega tem origem depois do movimento do 15M, que politizou e fez a política entrar nos mais variados ambientes sociais”, explica. Assim, numa perspectiva gramsciana, o Podemos surge como resposta para enfrentar a crise. “Fica claro que o marxismo acionado ali é o de vertente gramsciana. Busca, nesse discurso da multiplicidade dessas mobilizações, um discurso e plataforma que trouxesse a unidade para ocupar um espaço vazio e, assim, enfrentar a representação. Ou seja, as eleições”, pontua.
Bruno: “Estamos sem ar.
Precisamos de movimento de descompressão”.
(Foto: João Vitor Santos/IHU)
Bruno ainda recorda que os teóricos que pensam o Podemos articulam a experiência que tiveram nos estudos de governos progressistas da América Latina. E, assim, passam de um ciclo insurgente e agora se veem na necessidade de buscar uma ideia de unidade. E aí começam os problemas”. Bruno se refere ao fato de a organização buscar uma narrativa que represente todas, mas, ao fazer isso, acaba impondo uma narrativa de forma verticalizada. “Quando, por exemplo, se fecham num bunker de comunicação, com experts na comunicação e gerando ações em TV, redes sociais e territórios da cidade, acabam não se tornando funcional e incapazes de metabolizar as crises”. Para o professor, dessa forma, a maior potência do Podemos acaba cessada. “Um bunker de narrativa que se pensa de cima para baixo não dá conta da fluidez dos movimentos”, dispara.
A terceira linha é a que chama de nova esquerda, muito próxima, por exemplo, à experiência do PSol nas eleições municipais do Rio de Janeiro. “Houve um fechamento identitário, incapaz de dialogar como antipolítico”, avalia. O resultado foi a contradição que se viu no Rio. O partido que se diz associado às minorias recebe a maioria dos votos da zona sul, da burguesia carioca; e a favela, a periferia, adere massivamente ao discurso de Marcelo Crivella. “A nova esquerda se fechou numa bolha e não soube dialogar. Caiu na guerra de narrativas e acabou isolada”.
Bruno insiste que o marxismo pode, sim, ser uma resposta aos impasses que se vive. “Mas precisa ser vivo, oxigenado. Marxismo sem oxigênio é doutrina morta”, reitera. O professor vai até a vitória de Donald Trump para mostrar que o capitalismo ainda é um problema, mas ele se reconfigura no mundo atual com outros meandros. “Trump é o business man dessa máquina. É preciso entender o funcionamento dessa máquina. Se o vermos só como a explosão do fascismo e da direita, vamos estar reduzindo e mitificando a questão que é mais complexa”, alerta. Daí a importância de ver o empresário estadunidense como um dos movimentos do capitalismo como resposta a sua própria crise.
É assim que o professor chega à formulação de que, às vezes, é preciso colocar o marxismo até contra o próprio marxismo para compreender seus limites e suas possibilidades ainda potentes. “Mas como fazer? Não tenho respostas. Na verdade, são muito mais questões. O que penso é que precisamos desse ar novo, dessa oxigenação. Talvez seja um movimento tropicalista de descompressão”.
Se à tarde Bruno Cava encerra sua fala com a provocação de “tropicalizar” a arejar o marxismo, à noite ele apresenta outra entrada possível para se repensar Marx. Para ele, o Anti-Édipo. Capitalismo e Esquizofrenia, de Gilles Deleuze e Félix Guatarri (São Paulo: Editora 34, 2011) é “uma análise rigorosa do capitalismo” e “inventa um novo rigor para enfrentar o capitalismo”. “O livro é uma verdadeira máquina teórica. É muito poderoso, o texto belíssimo escrito em hyperlinks”, opina.
O professor destaca que a obra traz oxigênio ao marxismo através da crítica que faz a ele, reconstituindo caminhos do próprio marxismo. Ou seja, criticando o marxismo pelo marxismo. “E da mesma forma faz a crítica da psicanálise pela psicanálise. É ai que produz a ideia da esquizofrenia”. A esquizofrenia que se refere é contrária ao movimento, iluminado pelos autores no livro, que separa sujeito e objeto numa hermeticidade característica da modernidade. “Não somos somente sujeito. Somos todos também objetos. Eles demonstram como somos capazes de afetar e ser afetados”, completa. Assim, nesse movimento contínuo se dá a ideia de esquizofrenia. “E a esquizofrenia toca a matéria. Precisamos pensar como trabalhar essa esquizofrenia como objeto para superá-lo”. Movimento que pode se constituir a partir da esquizoanálise, numa outra possibilidade de olhar e pensar o capitalismo.
Graduado e pós-graduado em Engenharia de Infraestrutura Aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA e em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Bruno ainda é mestre em Direito na linha de pesquisa Teoria e Filosofia do Direito. Blogueiro do Quadrado dos loucos e escreve em vários sites; ativista nas jornadas de 2013 e nas ocupas brasileiras em 2011-2012; participa da rede Universidade Nômade e é coeditor das revistas Lugar Comum e Global Brasil. Das suas produções mais recentes, destacamos a tradução que fez de Marx além de Marx: ciência da crise e da subversão, de Antonio Negri (São Paulo: Autonomia Literário, 2016) e organização do conjunto de artigos publicados em A terra treme: leituras do Brasil de 2013 a 2016 (São Paulo: Annablume, 2016).
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A potência de um marxismo tropicalista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU