03 Novembro 2016
Oliver Stone afirma que filmar Snowden – herói ou traidor foi mais difícil do que fazer seus filmes sobre presidentes estadunidenses, Nixon, W e JFK. Diz que isso aconteceu porque os estúdios são controlados por grandes consórcios que recuaram diante da perspectiva de fazer um filme sobre o ativista estadunidense atualmente no exílio na Rússia.
A reportagem é de Kaleem Aftab e publicada por La Jornada, 01-11-2016. A tradução é de André Langer.
Houve tanto drama na produção do filme quanto na tela, garante o diretor, que acaba de completar 70 anos.
Entrevistado durante o recente Festival de Cinema de Zurique, na Suíça, queixou-se de que os estúdios se reuniram com ele e se mostraram interessados, mas que depois puseram a perder. “No entanto, não avisam a gente de que vão mandar o projeto a alguém lá de cima para aprovação; depois, os advogados dos consórcios lhe dizem: ‘isto é demais, não queremos nos complicar, porque temos uma fusão em andamento com outra companhia, e o governo dos Estados Unidos e o Departamento de Justiça precisam aprová-lo’”.
Ele menciona a BMW e a Apple entre as empresas que tentaram impedir as filmagens de Snowden – herói ou traidor. Nosso produtor alemão faz todos os filmes mediante acordos com a BMW, mas rejeitou o projeto porque a empresa disse que era muito arriscado. Ao passo que a Apple acredita que surgiram problemas porque ela foi mencionada como um dos colaboradores no programa PRISM, que é um dos programas clandestinos de vigilância revelados por Edward Snowden que o governo estadunidense implantou para espiar os buscadores na internet.
Stone também está preocupado com a influência que o governo estadunidense tem sobre o negócio do cinema. O governo influi nos filmes, explica. Existe um estudo de que a CIA e o Pentágono tiveram um papel importante na produção fílmica desde a década de 1990. Colaboraram em programas de televisão e não apenas com dinheiro; também deram conselhos, e isso é mais que o patrocínio.
Desde já, Stone, que foi apontado como sendo um teórico da conspiração, não recebe esses conselhos. É um diretor que observa acontecimentos da vida real, quer seja por sua própria experiência como soldado de infantaria no Vietnã, que usou em seu filme Platoon, de 1986, ganhador do Oscar, ou a vida de Jim Morrison para o seu filme biográfico The Doors e os acontecimentos de Nova York de 11 de setembro de 2001 no World Trade Center. Com mais frequência foi citado como simpatizante de esquerda. No entanto, sorri com desdém ao comentar: “Foram os esquerdistas que me criticaram quando fiz W, pois dizem que apresentei um Bush muito simpático”.
Há a necessidade de equilibrar os fatos com drama. É um sobe e desce em que Stone se senta dos dois lados no seu esforço para obter esse equilíbrio, mas precisa decidir. O entretenimento vem primeiro, mas nem por isso se sacrifica a verdade, que é importante e sempre seu objetivo é averiguar mais. Não perverteria intencionalmente a verdade.
Menciona que Snowden – herói ou traidor teve muitos supervisores durante o período de nove anos que o filme abarca, mas todos se condensaram em um único personagem.
Sua primeira impressão sobre o ativista, que conheceu em uma casa de campo privada na Rússia em 2014, é que, “francamente, de acordo com a maioria dos padrões, parece um escoteiro. É bastante convencional e limitado. Teve uma única mulher durante nove anos. Não bebe, não fuma nem consome drogas. Não tem vícios afora sentar-se na frente de um computador; poder-se-ia chamá-lo impedimento emocional. É retraído e tímido, como muitas pessoas nesse mundo. É amável e cortês. Tem antecedentes sulistas, mas tem dificuldades para manifestar suas emoções. Sofre de epilepsia e no filme pode-se argumentar que essa doença é sinal de sua tensão interior. Alguns me acusaram de fazer dele um cavaleiro branco, mas eles não conhecem o verdadeiro Snowden”.
No princípio, disse, “eu não tinha a intenção de fazer um filme sobre Snowden: um cineasta não persegue a notícia, é uma loucura. São necessários dois anos para fazer um filme. Conheci-o e fiquei muito bem impressionado com ele. Era desconfiado”.
Finalmente, Snowden começou a falar da sua vida e o ajudou com descrições dos programas de computador que o governo usava, assim como dos escritórios de Havaí. Ao tomar conhecimento dos níveis de vigilância, Stone tomou várias precauções para que o roteiro não vazasse ou chegasse a mãos equivocadas. Escreveu-o em um único computador que nunca conectou à internet. Quando queriam compartilhá-lo, imprimiam uma cópia, misturavam as páginas no chão, depois faziam quatro pilhas e os enviavam a diferentes endereços. Alguém as recolhia, colocava em ordem e as entregava em mãos.
Joseph Gordon-Levin interpreta Snowden. “Não busquei estrelas para este filme, disse Stone. De imediato acudi a Joseph. Não o conheço, mas pensei que tinha essa semelhança física e emocional, essa espécie de reserva”.
Shailene Woodley, que ganhou o papel escrevendo uma carta ao diretor, interpreta Lindsay Mills, a noiva de Snowden. Stone, que claramente não é fanático de Divergente ou A culpa é das estrelas, assinala: também a ela eu não conhecia. É uma espécie de ativista.
Dada a sua preocupação com a vigilância do governo, pergunto ao diretor se teme estar sendo observado. “Procuro manter-me alerta e utilizar a lei de informação para fazer solicitações, e contratei advogados, mas não encontrei nada de cuidado até agora, ou então mentiram para mim. Poderia ser isso, mas não acredito. Seria difícil ir atrás de um cineasta, porque lhes causaria uma publicidade muito vergonhosa se perseguissem pessoas do espetáculo. É como se perseguissem Banksy ou algo assim”.
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Apple e BMW tentaram obstruir filmagem de Snowden – herói ou traidor, revela Oliver Stone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU