27 Outubro 2016
“A situação da crise política do Brasil pode ser comparada ao que ocorre nos países árabes num ponto: a frustração popular evidente (que restou depois de todas as mobilizações de rua) a respeito de como as elites nacionais – através do oligopólio da mídia – unindo o que tinha de pior no Governo Dilma, com o que tinha de pior na oposição, “solucionaram” a crise. Fizeram-no buscando sedimentar a redução das funções públicas do Estado, combinando esta redução com a privatização das decisões políticas, subtraídas da soberania popular”, escreve Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul – PT, em artigo publicado por Sul21, 24-10-2016.
Eis o artigo.
Quando as divergências político-programáticas se dissolvem e as pessoas perdem o apreço pelo debate, tornando-se indiferentes à política, esta – a política – não desaparece. Degrada-se numa luta amoral pelo poder, como forma privada de apropriação da estrutura do Estado. Esta constatação não é um libelo acusatório contra nenhum candidato – aqui na nossa capital – ambos vinculados a correntes de opinião política bem conhecidas e sobre os quais não pende nenhuma prova que os descredencie para representá-las.
Trata-se, na verdade, de uma constatação universal da ciência política, cuja certeza se torna mais flagrante nos dias que correm. Dias em que a política se torna cada vez mais espetáculo, logo, mais “negócio”, tanto para a grande mídia, que a espetaculariza, nos seus processos penais, como para as organizações políticas sem programa. O Estado, privatizado pela captura do capital financeiro (através do controle que este exerce sobre a dívida pública) – com poucas margens de manobra para atender as demandas da sociedade – tem, cada vez mais, novos e ágeis mecanismos para atender as ordens dos seus credores: Banco Central e PEC 241 são faces de uma mesma moeda! Este é o macro-panorama nacional, que nos países capitalistas de democracia política, tem sido endossado pelo fim do Estado social, pela violência do terrorismo e pelo ódio aos imigrantes.
Dois importantes artigos tratando de forma indireta deste mesmo tema foram publicados, neste fim-de-semana, na imprensa tradicional, “O ambiente dos Tigres”, de Marcos Rolim, em Zero Hora, e “Eleições americanas de 2016 como sinal histórico”, de João Carlos Brum Torres, no Correio do Povo. Não é preciso concordar com as conclusões de ambos, no terreno político, para concluir que se tratam de dois documentos de época, que trazem para o plano da razão iluminista – em textos brilhantes – a necessidade de reiniciarmos um diálogo no campo democrático -republicano, sobre o futuro que está sendo desenhado e sobre o que o podemos fazer para moldá-lo com tolerância, mais democracia e menos desigualdade. A degradação política do nosso país, do nosso Estado e da nossa cidade recomenda esta atitude.
Brum Torres chama atenção, a partir do enigma Trump, nos EUA, para algo de perigoso “com o qual é preciso preocupar-se e, sobretudo, posicionar-se”, para modificarmos as tendências de fundo do atual desenvolvimento histórico, permeado pela violência e pela exclusão: trata-se de mudarmos o conteúdo concreto da “globalização”, ou seja, esvaziar o seu “ethos” opressivo sobre as economias regionais e fazer valer as oportunidades de comunhão, pelo intercâmbio regulado, comercial e tecnológico, para promover o desenvolvimento econômico e social.
Rolim sustenta – ao comentar a morte brutal do seu amigo Plínio Zalewski – que as expressões degradadas de violência nas redes sociais, são um fenômeno “obscuro (que) começou a ser mimetizado na esfera pública”, e a sua “ausência de conteúdo é preenchida pelo açoite moral”, pela repetição de chavões que denunciam “a ausência de pensamento”. Plínio e sua família vinham sendo ameaçados e assediados por grupos fascistas, pela primeira vez presentes de forma ostensiva numa disputa eleitoral em Porto Alegre, que já foi referência mundial de democracia, acolhimento e tolerância.
Depois de 17 de dezembro de 2010, quando Mohamed Bouazizi, na Tunísia, ateou fogo ao próprio corpo para protestar contra o autoritarismo e a corrupção dos agentes públicos do seu Governo, alastraram-se as insurreições árabes contra os governos ditatoriais no Iemên, Líbia, Egito, Bharein, Marrocos, Síria, seguidas de intervenções militares dos países capitalistas desenvolvidos. Estes, muito longe de expressar seu amor pela democracia, buscavam preservar e ampliar as suas reservas de energia fóssil, amparadas por centenas de operações militares, que semearam a barbárie e acenderam, internamente aos países instabilizados, as rivalidades e ódios políticos, religiosos e tribais.
Era o lado efetivo e brutal da globalização, se expressando como política imperial-colonial, contra as redes horizontais de protesto e insurreição. Estas, que funcionavam sem centro político de coordenação e sem uma mínima unidade programática foram impotentes para resistir à restauração dos velhos grupos dominantes. No interior dos próprios países em que estas redes operavam, elas foram sufocadas pela “direção central” – coordenada e politizada dos Estados armados – apoiada por redes de tecnologias informacionais de primeira linha, orientando, não a consciência das pessoas, mas a ação de armas sofisticadas representativas da impessoalidade do Estado.
A situação da crise política do Brasil pode ser comparada ao que ocorre nos países árabes num ponto: a frustração popular evidente (que restou depois de todas as mobilizações de rua) a respeito de como as elites nacionais – através do oligopólio da mídia – unindo o que tinha de pior no Governo Dilma, com o que tinha de pior na oposição, “solucionaram” a crise. Fizeram-no buscando sedimentar a redução das funções públicas do Estado, combinando esta redução com a privatização das decisões políticas, subtraídas da soberania popular.
Os artigos de Brum Torres e Rolim devem ser lidos com atenção por quem ainda aposta numa saída democrática para o país, fundada na República, na Soberania e na Democracia, pressionando os nossos partidos deste campo – de “fora para dentro” – para que se movam, com as suas diferenças e interesses, atentos ao que Manoel Castells observou, no seu “Redes de indignação e esperança”: “Toda a guerra civil se torna uma oportunidade para os atores geopolíticos aumentarem o tamanho das suas propriedades, qualquer que seja o (seu) manto ideológico (…) Em certo sentido, guerras civis não só matam pessoas, também matam movimentos sociais e seus ideais de paz, democracia e justiça”. Acrescento: e a “guerra civil não declarada”, promovida pela “exceção não declarada”, também mata os partidos e os ideais de emancipação. É quando não sobra espaço, nem para debatermos as nossas divergências, aberta e solidariamente.
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