21 Outubro 2016
"É a passagem do tempo, o seu devir inexorável que nos fazem apreciar os detalhes aparentemente mais insignificantes da vida. A corrupção das coisas, em vez de gerar desespero, introduz a uma experiência da beleza não separada da experiência da caducidade. O sentido trágico da vida não suprime a vida, nem o seu sentido, mas a enriquece."
A opinião é do psicanalista italiano Massimo Recalcati, professor das universidades de Pavia e de Verona, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 16-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Diante de mim, a recordação indelével das mãos nodosas do meu avô paterno, que decretavam, inexoravelmente, com gestos lentos e precisos, a morte de um coelho assustado. Um golpe seco na cabeça, depois as operações de esfola. Foi através dessa prática antiga da vida rural que eu tive, quando criança, o meu primeiro encontro com a morte.
Fiquei abismado diante daquela mistura de violência e tranquilidade, perguntando-me como era possível integrar o ritmo natural da vida – matar o animal para se alimentar – com a brutalidade comum que orientava os gestos antigos do avô. O seu desejo não era sádico: ele estava trabalhando para nos preparar o jantar, não estava matando com prazer a sua vítima.
No entanto, o ritmo natural da vida rural não podia absorver totalmente o desconcerto encontro com a morte nu. Aquele coelho, escolhido casualmente entre os seus semelhantes trancados na mesma gaiola, me fazia encontrar uma dimensão de não sentido que, já como criança, eu intuía que não era nada estranha à vida.
A morte introduzia na vida um tabu que me parecia ser psiquicamente indigerível. A morte do coelho não me levava a rezar, nem a fazer qualquer trabalho de luto. Aquela morte me obrigava simplesmente a pensar. A meditação filosófica, como especifica Schopenhauer, não surge tanto, platonicamente, a partir do espetáculo do mundo, da maravilha diante do ser, mas sim a partir do trauma, do encontro desorientador com o mal, a dor e a morte. É a morte, como ele escreve, o verdadeiro punctum pruriens da metafísica.
As páginas heideggerianas de "Ser e tempo", que eu descobri com entusiasmo aos 20 anos, deixaram em mim uma marca indelével: a morte não é a última nota que conclui, acrescentando-se a partir de fora, a melodia da existência; ela está, ao contrário, radicalmente incluída, uma iminência predominante, uma impossibilidade sempre presente, uma pressão sempre em curso que nunca nos deixa em paz.
Quando criança, o que eu tinha amado tão profundamente em Jesus senão a oferta radical de si mesmo, a exposição do seu corpo perfurado, senão a sua passagem através do abismo da morte? Não era a potência do amor que nos salvava do nosso destino de coelhos? A vitória sobre a morte não ocorria através da ascese epicurista, não ocorria afastando-a simplesmente da vida (onde há vida não há morte, e onde há morte não há vida, afirmava Epicuro), mas acontecia na morte, no encontro com a alteridade absoluta da morte.
Era essa a experiência decisiva de Cristo: descer aos abismos da morte, descer lá como homem, para vencer a morte, para ressurgir do seu ventre escuro e voltar a se encontrar com o pai. Tratava-se da mesma passagem que eu reencontrei mais tarde em Heidegger? Libertar a vida do medo e do horror da morte, tornando-a ressuscitada.
Como muitas vezes acontece, a minha fé em Deus encontrou uma primeira derrota no dia em que, adolescente, fui ao hospital Niguarda de Milão para me encontrar com um amigo da mesma idade atingido por um tumor cerebral. Ele já tinha perdido a visão e jazia no escuro, cantando de modo surreal uma velha canção de alpinos. Ele trazia o mesmo nome que eu, e, quando tentei chamá-lo e ele virou a cabeça enfaixada na minha direção sem me responder, eu explodi em lágrimas. Por que Deus não tinha escutado as minhas orações? Onde Ele estava enquanto as metástases destruíam o cérebro do meu amigo? O que há de mais absurdo do que isso? O que há de mais absurdo, escreve Camus na abertura de "O Mito de Sísifo", do que a morte de uma criança, do que o fim de uma vida jovem?
A leitura do artigo de Freud intitulado "Caducidade" ofereceu uma resposta nova às minhas interrogações. Freud não pensava na morte como um abismo a ser vencido, mas como condição da vida. É a passagem do tempo, o seu devir inexorável que nos fazem apreciar os detalhes aparentemente mais insignificantes da vida. A corrupção das coisas, em vez de gerar desespero, introduz a uma experiência da beleza não separada da experiência da caducidade: "No curso da nossa existência, vemos desaparecer para sempre a beleza do corpo e do rosto humano, mas essa breve duração acrescenta a tais atrações um novo encanto. Se uma flor floresce uma única noite, nem por isso a sua floração nos parece menos esplêndida".
O sentido trágico da vida não suprime a vida, nem o seu sentido, mas a enriquece. No Freud de "Caducidade", eu encontrava um "sim!" à vida que não envolvia a ressurreição dos corpos, a sua salvação eterna, mas que se fundamentava no inverso, na sua extrema caducidade.
Freud estava bem consciente do medo dos homens em relação à morte e à sua atitude para encontrar remédios, ilusões, "passatempos". Por essa razão, um psicanalista como Gennie Lemoine pôde afirmar que, da vida, não devemos esperar nada; trata-se apenas de fazer, de viver; na vida, é preciso fazer, porque, com efeito, não há mais nada a fazer.
A assunção da própria morte atenua a realidade do Ideal, mas não anula a possibilidade do amor. Ao contrário, o amor – e é aqui que eu reencontro o motivo decisivo do testemunho de Cristo – pode salvar da morte e da destruição. Ele é como a beleza da rosa que sabe que é eterna na batida de um único dia.
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A morte e a caducidade como riquezas da própria vida. Artigo de Massimo Recalcati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU