04 Outubro 2016
Greve geral das mulheres nessa segunda-feira na Polônia, quase uma novidade absoluta: porque a abstenção diz respeito tanto às tarefas de reprodução, quanto às de produção. Elas não levarão as crianças para a escola, não vão fazer as compras, não vão carregar as máquinas de lavar. A indicação é: "Fiquem com os seus filhos, doem sangue, façam com que levem o café à cama de vocês".
A reportagem é de Rachele Gonnelli, publicada no jornal Il Manifesto, 02-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um protesto semelhante foi tentado em 1975 na distante e progressista Islândia e paralisou o país dos gêiseres. Agora, quem vai tentar vão ser as polonesas, como forma extrema de revolta depois que, nesse sábado – e já há uma semana – elas foram às ruas em massa, vestidas de preto, em Varsóvia, sempre para protestar contra o projeto de lei obscurantista sobre o aborto, que, justamente nessa segunda-feira, deveria ser discutida no Parlamento.
A lei polonesa, resultado de um compromisso entre Igreja e Estado que remonta a 1993, proíbe a interrupção voluntária de gravidez, exceto em caso de estupro, incesto, gravíssimas malformações do feto e sérios riscos para a vida da mãe até a 12ª semana de gestação.
O projeto depositado no ano passado no Parlamento por iniciativa do movimento fundamentalista católico pró-vida Ordo Iuris, com o apoio das forças da direita, visa a remover também essas poucas exceções, levando a proibição a um absoluto cósmico, digno da gnose transcendental, embora em um espaço não habitado por corpos. Um projeto de lei concorrente, na direção de uma regulamentação menos restritiva foi boicotada, enquanto essa extremista continua o seu processo.
E, assim, as mulheres decidiram usar roupas de guerreiras punk, começando pelo vídeo que começou a circular nas redes sociais em abril passado, realizado pela ativista Angela Çekin. Por isso, a hashtag do protesto diante do Parlamento é BlackProtest e, também por isso, as dezenas de milhares de participantes, assim como as atrizes e as celebridades que apareceram nos programas de entrevistas na TV, estavam vestidas de preto.
A partir das imagens do canal TVN24, a praça de Varsóvia que abrigava a manifestação desse sábado estava repleta de pessoas, em sua maioria mulheres de todas as idades. "Queremos amar, não morrer", "Parem os fanáticos da direita", "Toda mulher deve ter o direito de escolher", esses foram alguns dos slogans escritos nos cartazes. Ou ainda: "Girls just wanna have rights".
"O Pis (o partido conservador Direito e Justiça do líder Jaroslaw Kaczynski, que detém a maioria absoluta no Parlamento) leva pouco em conta as opiniões dos cidadãos. Esses fanáticos devem ser detidos", gritou no microfone Barbara Nowacka, do grupo de organizadores da manifestação "Iniciativa Polonesa", como se lia na faixa de fundo vermelho que estava no palco.
A batalha dos números sobre a participação, entretanto, é mais surreal do que de costume. De acordo com o porta-voz da polícia de Varsóvia, as manifestantes na praça nesse sábado não eram mais do que 5.000, até mesmo 3.000 de acordo com o porta-voz da prefeitura. Enquanto a partir das panorâmicas aéreas parece mais provável que esses números devem ser multiplicados ao menos por dez. Mesmo assim, o projeto de lei de iniciativa popular "Save Women" – que depois foi arquivado no Sejm, a Câmara baixa – tinha recolhido mais de 250.000 assinaturas.
O número de abortos legais na Polônia até agora oscilou, com base na lei de 1993, entre 600 e 1.000 ao ano, um dos números mais baixos da Europa. Mas as organizações feministas estimam os abortos efetivamente praticados pelas mulheres polonesas entre 100 e 150 mil por ano: praticados ou clandestinamente na pátria ou privadamente no exterior, especialmente em clínicas eslovacas, checas, austríacas e alemãs.
Na lei proposta pelo Ordo Iuris e que os conservadores ameaçam aprovar, uma mulher pode pegar até cinco anos de prisão por ter abortado.
Em junho passado, para fazer com que pílulas abortivas chegassem na Polônia, as ativistas estrangeiras utilizaram até mesmo um drone. Agora, uma ONG holandesa diz estar pronta para enviar um navio-clínica ao longo da costa de Gdansk.
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Na Polônia, greve geral de mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU