23 Agosto 2016
Em preparação ao Encontro Internacional pela Paz, do dia 18 a 20 de setembro, "Sede de paz. Religiões e culturas em diálogo", em Assis, republicamos um texto do cardeal Roger Etchegaray, de alguns anos atrás, dedicado ao "Espírito de Assis".
A reflexão foi publicada no sítio Il Sismografo, 21-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"O espírito de Assis": a expressão é de João Paulo II. Desde o dia 27 de outubro de 1986, esse "espírito" se espalhou um pouco por toda a parte, conservando a força viva do momento em que surgiu. Não serei um velho jardineiro. Mas, tendo sido testemunha admirada do seu germinar no pensamento do papa e artesão privilegiado do seu florescer, ouso afirmar que, naquele dia, senti o coração do mundo batendo. Bastou um breve encontro em uma colina, algumas palavras, alguns gestos, para que a humanidade dilacerada redescobrisse, na alegria, a unidade das suas origens.
No fim de uma manhã cinzenta, quando o arco-íris apareceu no céu de Assis, os líderes religiosos reunidos pela audácia profética de um deles, João Paulo II, entreviram um chamado urgente à vida fraterna: ninguém mais podia duvidar de que a oração tinha provocado aquele sinal manifesto do entendimento entre Deus e os descendentes de Noé. Na Catedral de São Rufino, quando os responsáveis pelas Igrejas cristãs se deram a paz, eu vi as lágrimas em alguns rostos e não dos menos importantes.
Na frente da Basílica de São Francisco, onde, dormentes pelo frio, cada um, no fim, parecia se apertar com força uns aos outros (João Paulo II estava perto do Dalai Lama), quando jovens judeus correram para a tribuna para oferecer ramos de oliveira, em primeiro lugar aos muçulmanos, eu me surpreendi secando as lágrimas no meu rosto.
Se eu evoco com emoção aquele dia de Assis, é porque eu tinha conduzido obstinadamente, entre Cila e Caríbdis, a sua laboriosa preparação, com a ajuda do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso. Não tínhamos, atrás de nós, nenhuma referência histórica; não tínhamos, diante de nós, nenhum ponto de referência. Como dizem os exegetas, o encontro foi uma espécie de "hapax" e continuará sendo, sem dúvida, único na sua originalidade e exemplaridade.
A angústia da paz entre os homens e entre os povos nos levava "a estar juntos para rezar, mas não para rezar juntos", de acordo com a expressão do papa, cuja iniciativa, apesar da sua preocupação de evitar qualquer aparência de sincretismo, não foi compreendida, na época, por alguns que temiam ver diluída a sua especificidade cristã.
Assis fez com que a Igreja desse um extraordinário salto no sentido das religiões não cristãs, que nos pareciam viver, até aquele momento, em outro planeta, apesar do ensinamento do Papa Paulo VI (na sua primeira encíclica Ecclesiam suam) e do Concílio Vaticano II II (a declaração Nostra aetate).
O encontro, senão até o confronto das religiões, é sem dúvida um dos maiores desafios da nossa época, ainda maior do que a do ateísmo. Eu nunca mais volto de certos países de predominância muçulmana, budista ou hindu sem me perguntar com intensidade: o que Deus quis fazer com Jesus Cristo quando eu vejo o cristianismo tão diminuído ou, melhor, diminuindo cada vez mais em proporção, em um continente em plena explosão demográfica como a Ásia?
Tal interrogação é salutar, porque diz respeito à questão fundamental da salvação; ela é a ponta de diamante que santifica e fortifica as nossas razões de ser cristão.
Assis foi o símbolo, a realização daquela que deve ser a tarefa da Igreja, por vocação própria em um mundo em estado flagrante de pluralismo religioso: professar a unidade do mistério da salvação em Jesus Cristo. Quando João Paulo II tentou relatar aos cardeais e aos membros da Cúria o que tinha acontecido em Assis, ele fez um discurso que me parece ser o mais iluminador para a teologia das religiões (22 de dezembro de 1986).
Detendo-se no mistério de unidade da família humana fundamentado, ao mesmo tempo, na criação e na redenção em Jesus Cristo, ele disse: "As diferenças são um elemento menos importante em relação à unidade que, ao contrário, é radical, fundamental e determinante". Assis permitiu, assim, que homens e mulheres testemunhassem uma experiência autêntica de Deus no coração das suas religiões. "Toda oração autêntica – acrescentava o papa – é inspirada pelo Espírito Santo, que está misteriosamente presente no coração de cada ser humano."
Era Assis há dez anos. Hoje, os fiéis de todas as religiões, das comunidades, a exemplo de Eliseu, que recebe o manto de Elias, se revestem do "Espírito Santo". O "espírito de Assis" plana sobre as águas agitadas das religiões e já cria maravilhas de diálogo fraterno. O que o ano 2000 obterá com isso?
O Papa João Paulo II, na sua carta Tertio Millennio adveniente, traça as bases precisas para o Grande Jubileu; ele não esquece as religiões não cristãs, especialmente os judeus e os muçulmanos, que, como os cristãos, se referem à descendência de Abraão. Ele deseja "encontros comuns nos lugares significativos para as grandes religiões monoteístas" (TMA, n. 53). Para fazer o quê? Simplesmente para que todos os fiéis possam participar "da alegria de todos os discípulos de Cristo" (TMA, n. 55).
Um Jubileu é feito... para o júbilo! E a Igreja se alegra com a salvação que não cessa de acolher e convida toda a humanidade a dela participar. É louco – com a loucura de Deus – aquilo que "o espírito de Assis" pode inventar acompanhando os Anjos que cantavam na noite de Natal: "Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens que Ele ama"!
"Espírito de Assis", desça sobre todos nós.
+ Cardeal Roger Etchegaray
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"Espírito de Assis, desça sobre nós" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU