Por: Jéferson Ferreira Rodrigues | 05 Agosto 2016
A Igreja é uma comunidade de pessoas que creem. Nela “cultivam” um espaço de reciprocidade na busca conjunta pelo Mistério inesgotável de Deus, que na experiência singular cristã, se deu a reconhecer como Tríuno. Através dela, vivem e compartilham uma fé como aposta de confiança, que nas suas múltiplas dimensões torna-se uma resposta amorosa na liberdade ao Mistério que interpela e provoca um existir diferenciado. Não é uma fé narcisista ou solitária, mas um crer compartilhado.
A Igreja é um espaço de mediação entre o humano e o divino. Ela não é “exclusiva”, pois Deus é Mistério, mas ressoa como pedagógico e processual no exercício de uma “livre-dependência”, ou ainda, dispor-se a compartilhar uma busca do Mistério. Não é difícil encontrar aqueles(as) que colocam as comunidades sob suspeita, sobretudo com o argumento de serem “geridas” por uma autoridade, que mina a potência transformadora da religião e da sociedade, mas a suspeita auxilia no processo de discernimento: é tempo de (re)pensar as estruturas eclesiais desde a radicalidade do Evangelho.
A Igreja não é uma “sociedade perfeita”, nem tão somente um refinado sistema jurídico e doutrinal, que inviabiliza uma experiência radical e saudável do Mistério, mas inserida num contexto cultural e social, torna-se expressão fecunda de uma vivência eclesial e pública da fé. Sem os traços de um determinado contexto, existe o risco de uma abstração tal que não alcança o mundo dos humanos, e por sua vez, não promove radical sentido de uma existência humana desde a fé.
“A fé em Deus nos descentra de nós mesmos,
leva-nos a viver diante do Mistério
que nos obriga a deixar nossas certezas e seguranças,
nos sensibiliza para as carências dos nossos próximos
e nos arrasta para a ação capaz de remediá-las”
(Mário de França Miranda)
A ilusão de uma “sociedade perfeita” e de uma “universalidade irrestrita”, fez com que a Igreja, por um tempo tenha se fechado em si mesma, repudiando tudo que pudesse vir de outros interlocutores. Não foi uma resposta interessante, mas transpareceu sua auto-defesa das consequências da modernidade. Nos últimos tempos, ela se vê questionada, por um contexto complexo, que "não quer mais" saber de tutelas autoritárias. Já se foi o tempo em que a atmosfera religiosa favorecia um existir eclesial. É nessa situação, que as comunidades precisam ser (re)pensadas, na ousadia do Espírito, para explicitar uma fé saudável na vitalidade da diversidade e no autêntico testemunho.
No Ocidente, a Igreja por muito tempo silenciou sua dimensão pneumatológica. A ênfase numa cristolodia sem uma relação com a Trindade, serviu para justificar projetos de poder, mas foi incapaz de propiciar uma experiência de fé aberta e relacional. A institucionalização da fé não possibilitou uma aventura na presença provocadora e desarticuladora do Espírito. Mas, acentuou o reinado de alguns, deixando obscurecido o Reinado de Deus, que diante dos privilégios, imperiais e estatais, acabou deixoando a mercê a potência do Evangelho.
O Espírito foi um “anônimo”, na experiência eclesial, pelo menos na forma de concebe-la, mesmo sabendo que nunca lhe faltou sua ação e inspiração. Na Trindade, o Espírito é o "terceiro" que provoca um "outro olhar" e rompe com a possibilidade de uma relação desproporcional, entre Pai e Filho, abrindo desde a vida intradivina um acesso para o totalmente outro em Deus, nesse caso, os humanos e a criação como um todo. Através dele, existe a oportunidade de uma relação radicalmente aberta e assim podemos com toda Criação "caber" em Deus.
Nesse sentido, as comunidades eclesiais precisam (re)descobrir essa dimensão pneumatológica, na fina sintonia com a perspectiva trinitária das relações divinas e humanas: abertura e interação com o outro na sua diferença. Com ela perceber a vitalidade da diversidade, apesar das adversidades, e incentivar uma relação eclesial distribuída: sem exacerbação hierárquica. Ninguém é proprietário do Espírito, mas todos(as) são inspirados(as) por Ele, e encontrando seu lugar adequado, compartilhando a aventura de tornar-se interpretes de uma fé plural.
Nessa aventura, cada pessoa terá que fazer o processo de maturação da fé, vivendo no cotidiano uma experiência saudável e transparente do Mistério. É uma experiência na companhia de outros(as). Isso exige um existir diferenciado e o testemunho irrompe com gestos e palavras, sem omissões de desculpas. É a "irradiação" de Deus num cotidiano tão duro e difícil de viver. Não é assumir uma existência açucarada, mas uma existência profética, que inspirado pelo Mistério torna-se presença articuladora e desarticuladora na sociedade.
O testemunho é exigido quando as evidências não são convincentes, ou ainda, quando ele pode ser o próprio “conteúdo” de uma evidência plausível. O testemunho de uma fé saudável exige a contínua reavaliação de nossas posturas diante de Deus, daqueles(as) que compartilham a fé e da sociedade. Essa vivência manterá em alerta aqueles(as) que creem, para não cair no risco de elucubrações teológicas e magisteriais, criando um mundo paralelo e fazendo para si seus álibis, sem ressonância no mundo dos humanos, ou ainda, nas existências concretas: viver o que crê é um desafio e compromisso de todos(as).
“A transmissão da fé não significa passar
um pacote de verdades a outras gerações,
mas transmitir o próprio Deus vivo,
entregando-se a nós no Filho e no Espírito,
agindo em nós para nos salvar”
(Mário de França Miranda)
Mario de França Miranda, nos Cadernos Teologia Pública, edição 71, reflete sobre o itinerário de uma nova configuração eclesial desde uma fundamentação teológica. Ele perpassa os desafios colocados pelo contexto sociocultural, sobretudo pelo acento na “crise” imposta pelo mesmo a experiência eclesial, mas não se fecha em “respostas prontas” e permite que a provocação seja-lhe companhia na tarefa de (re)pensar as estruturas.
O texto está organizado na seguinte forma:
1 O Espírito Santo é também responsável pela institucionalização da Igreja
2 A fé cristã desafiada pela diversidade dos fiéis
3. Uma Igreja que testemunha o que crê
Para acessar o texto: clique aqui
Mario de França Miranda, doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, professor associado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, membro do corpo editorial de periódicos importantes na área de teologia e autor de uma série de obras:
A Igreja que somos nós (S. Paulo: Edições Paulinas, 2013).
Igreja e sociedade (S. Paulo: Paulinas, 2009).
A Igreja numa sociedade fragmentada (S. Paulo: Edições Loyola, 2006).
Aparecida: a hora da América Latina (S. Paulo: Edições Paulinas, 2006).
Existência cristã hoje (S. Paulo: Edições Loyola, 2005).
O cristianismo em face das religiões (São Paulo: Edições Loyola, 1998).
Um Catolicismo desafiado (São Paulo: Edições Paulinas, 1996).
Um homem perplexo (São Paulo: Edições Loyola, 1989).
Libertados para a justiça (São Paulo: Edições Loyola, 1980).
O Mistério de Deus em nossa vida (São Paulo: Edições Loyola, 1975).
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Uma nova configuração eclesial: inspiração, diversidade e testemunho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU