29 Julho 2016
Ao visitar o Mosteiro de Jasna Góra e a Nossa Senhora Negra de Częstochowa nessa quinta-feira, o Papa Francisco envia uma mensagem sobre a Polônia, sobre João Paulo II e sobre a divisão esquerda/direita na Igreja – e isso, aliás, muito antes que ele diga uma única palavra.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 28-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na faculdade de jornalismo, ensinam-nos que o parágrafo de abertura de uma nova história deve conter todos os elementos essenciais: quem, o quê, onde, quando e como. Em qualquer história dada, no entanto, um desses elementos é frequentemente mais importante do que os outros.
Essa quinta-feira, com o Papa Francisco na Polônia, foi um daqueles dias em que o "onde" parece ser claramente maior.
O pontífice abriu o seu primeiro dia completo no país com uma visita ao célebre Mosteiro de Jasna Góra (que, em polonês, significa "monte luminoso"), que abriga o reverenciado ícone da Nossa Senhora Negra de Częstochowa, e é simplesmente impossível imaginar qualquer coisa que esse papa argentino possa fazer que diga mais claramente "Eu entendo a Polônia".
Francisco celebrou uma missa em Częstochowa, localizada a cerca de 150 quilômetros ao norte de Cracóvia, marcando o 1.050º aniversário do "batismo" da Polônia, ou seja, a chegada da fé no país. Como é habitual para os papas, ele também apresentou a estátua de uma rosa de ouro para Nossa Senhora.
Sem dúvida, não há nada de muito surpreendente em torno do fato de que Francisco quis rezar no santuário mariano mais importante do país. Como bem se sabe, assim como qualquer pároco da América Latina de respeito, Francisco tem uma poderosa devoção pela Mãe de Deus.
O pontífice começa todas as suas viagens ao exterior com uma breve parada na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, para invocar a Sua proteção sobre a viagem e, tipicamente, ele visita um santuário mariano aonde quer que vá.
Sem dúvida, também, não há nada de incomum em torno do fato de um papa que visita a Polônia fazer uma parada em Jasna Góra, já que tanto São João Paulo II quanto Bento XVI também o fizeram. De fato, João Paulo II estava em Częstochowa há 25 anos para uma Jornada Mundial da Juventude, apenas a terceira fora de Roma e a primeira vez que a juventude da ex-esfera soviética podia participar.
De fato, provavelmente, a única surpresa teria sido se Francisco não tivesse incluído uma parada em Jasna Góra no seu itinerário. (Na verdade, a esperança original do papa era a de ir de helicóptero para Jasna Góra, rezar diante da Nossa Senhora Negra e depois sair sem fazer um discurso ou se apresentar em qualquer grande evento público. No fim, ele foi convencido a rezar uma missa pelo aniversário do batismo, em que cerca de 200.000 pessoas participaram.)
Mesmo assim, há três razões pelas quais o "onde", neste caso, importa muito para esse papa.
Primeiro, é uma forma para que Francisco se conecte em um nível emocional com os seus anfitriões poloneses, indicando que, apesar do fato de ele vir "do fim da terra", ele realmente tem muito em comum com os poloneses, especialmente uma ardente devoção mariana e um forte senso da fé popular.
Em outras palavras, Jasna Góra, aos olhos poloneses, é quase como um carimbo no passaporte espiritual do papa.
Segundo, é uma clara declaração de respeito pelo seu antecessor, João Paulo II, cuja imagem é ubíqua durante esta Jornada Mundial da Juventude, e cujo legado ainda é muito sentido aqui e em toda a Igreja Católica.
Escrevendo recentemente no Catholic Herald, o padre Raymond D'Souza sugeriu que a viagem à Polônia oferece a Francisco a chance de curar uma "fissura" com os seguidores mais devotos de João Paulo II, muitos dos quais, segundo D'Souza, se sentiram escanteados pela maneira pela qual Francisco lidou com a canonização de João Paulo II (agregando-a com a do Papa João XXIII e oferecendo uma homilia bastante plana e pró-forma.)
O que agrava o problema, sugere D'Souza, é a percepção de que o recente documento do Papa Francisco sobre a família, Amoris laetitia, de alguma maneira, rompe com o tratamento dado por João Paulo II aos mesmos problemas, especialmente na Familiaris consortio, de 1981.
Embora a profundidade dessa "fissura" possa ser discutível, a tensão é real, acrescentando uma dimensão eclesiástica interna à declaração feita pela visita. Em uma recente entrevista ao Crux, o biógrafo de João Paulo II George Weigel descreveu a parada como um "grande sinal de continuidade" entre os dois pontífices.
Dentre outras coisas, a devoção pessoal de João Paulo II a Nossa Senhora de Częstochowa é legendária; foi diante dessa Nossa Senhora que um jovem Karol Wojtyla sussurrou "Totus tuus", "todo teu", que viria a ser o seu lema papal. Durante os anos de luta contra o regime comunista do país, João Paulo II frequentemente invocaria a proteção de Nossa Senhora de Częstochowa.
Terceiro, a visita a Jasna Góra também dá a Francisco uma oportunidade de ir ao encontro do "outro lado do corredor", para usar o jargão político, ou seja, para encontrar um campo comum com os fiéis mais conservadores, que às vezes são os seus críticos mais ferozes.
Na mente polonesa, nada diz a tradição como Jasna Góra. Foi aqui, em 1655, que um determinado grupo de monges mitigou as forças de um invasivo rei luterano da Suécia, supostamente respondendo a uma das suas exigências de rendição, dizendo: "É melhor morrer dignamente do que viver impiedosamente".
Basicamente, os monges de Jasna Góra lutam pela fé desde então.
O santuário é visto como um templo tanto do nacionalismo polonês quanto da piedade católica profundamente tradicional, e, assim, Francisco está mostrando a sua reverência por um lugar e por um legado que, geralmente, são mais valorizados pelos fiéis que, convencionalmente, seriam vistos como bastante "conservadores".
Em suma, Francisco está enviando uma mensagem sobre a Polônia, sobre João Paulo II e sobre a divisão esquerda/direita na Igreja com a sua visita a Jasna Góra – e isso, aliás, muito antes que ele diga uma única palavra.
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Papa envia uma forte mensagem ao visitar lendário mosteiro polonês - Instituto Humanitas Unisinos - IHU