08 Julho 2016
Para aqueles que pensam que um dominicano deve ter um mínimo complexo de culpa diante dos albigenses (os hereges exterminados na cruzada do início do século XIII), Timothy Radcliffe explica que os frades pregadores devem continuar combatendo o desprezo do corpo e da alegria, que ainda tentam o cristianismo e a cultura secular atual.
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 07-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Entre as duas guerras mundiais do século XX, aconteceu algo imprevisível no catolicismo. A Igreja de Roma trazia dentro de si instâncias integristas. Mais datadas, mas não dessemelhantes aquelas que percorriam, na mesma altura cronológica, os batistas estadunidenses, que tinham se dado o nome de "fundamentalistas", ou os islãs da Arábia, pegos entre a utopia política da Irmandade Muçulmana e a fundação do novo reino wahabita.
No catolicismo, o intransigentismo tinha nas mãos todas as alavancas do poder eclesiástico. No entanto, encontrou-se diante de uma geração de teólogos capazes de descobrir na história a chave dos modos de serem esquecidos. Chenu, Congar, De Lubac, Daniélou, von Baltahasar, Grillmeier deslegitimavam a ideia de um cristianismo monolítico, satisfeito por resistir imóvel às ondas. Pagaram por isso. E, se fizeram teologia de joelhos ou de pé, foi porque lhes removeram a cadeira, embora alguns fizeram deles cardeais em idade pré-mortuária.
Assim como a condenação do "modernismo" no início do século tinha descerebrado o catolicismo, tornando-o cego diante dos fascismos, a perseguição das "nouvelle théologie" poderia ter entregue a Igreja de Roma a processos involutivos de resultados impensáveis. Se isso não aconteceu foi pela sua capacidade de (não) esperar por aquilo que tardava e que apareceu de repente: o Papa João XXIII, o Concílio.
Em vez de esperar por reabilitações ou de pedir ressarcimentos, acumularam uma inteligência que não enrijeceu na repreensão e geraram a herança intelectual que fecundou o Vaticano II.
Essa herança se prolongou, e dela faz parte Timothy Radcliffe. Um dominicano que foi discípulo de Chenu, depois mestre geral da ordem de 1992 a 2001, para finalmente voltar a ser frade em Oxford, com naturalidade.
Radcliffe é um homem corajoso. Quando dizer aquilo que hoje o papa diz sobre os gays significava dar um chute no chapéu cardinalício e na carreira eclesiástica, Radcliffe tomava posição, sem tormento, sem arrependimentos.
E mesmo agora, quando uma conferência sua é interrompida por um grupo de zelotes armados com rosário para lhe tirar a palavra, quando os seus coirmãos depreciam o neorritualismo garboso de tantos jovens padres e frades, ele não se amargura: e continua o seu trabalho de desconstrutor das caricaturas sobre o cristianismo.
Fazem parte disso as conferências reunidas no livro Il bordo del mistero [A borda do mistério] (Ed. EMI). Para aqueles que esperam que o ex-mestre geral abra um livro citando o papa ou São Tomás ou, ao menos, Jesus, ele oferece como início Naomi Klein – feminista, judia e laica.
Para aqueles que pensam que um dominicano deve ter um mínimo complexo de culpa diante dos albigenses (os hereges exterminados na cruzada do início do século XIII), ele explica que os frades pregadores devem continuar combatendo o desprezo do corpo e da alegria, que ainda tentam o cristianismo e a cultura secular atual.
Para aqueles que gostam de um uso vingativo ou corporativo do registo autobiográfico, ele oferece apenas episódios úteis para testemunhar que a fé cristã pode (não mais do que isto: pode) libertar da prisão do eu insaciável. E mostra a sua alegre liberdade interior quando confessa que, segundo ele, as pessoas veem a Igreja como um grupo de "homens idosos vestidos de modo estranho que dizem às pessoas como elas devem se comportar na cama".
O estilo de Radcliffe é leve; as citações são graciosas; as questões bíblicas e teológicas, reduzidas ao mínimo. Porém, nem mesmo essas suas intervenções pertencem à insuportável série de livros piedosíssimos, feitos de uma gosma espiritualista. Aqueles que pregam a alegria obrigatória do "Jesus te ama" (que Radcliffe define como deprimente) e denunciam, pensativos, o "vazio" dos jovens.
Não, Radcliffe é diferente: ele põe com graça "a" questão. Que não é especificamente religiosa. Na modernidade global, de fato, os fundamentalismos como busca de uma pequena pátria, como adesão a um círculo de seguidores, são a única coisa comum a todos os pertencimentos: há um fundamentalismo científico, um fundamentalismo de mercado, muitos fundamentalismos religiosos: portanto, "somos afligidos por diversos modos de pensar reducionistas, que oferecem chaves simplistas para compreender a realidade".
Sim, a realidade: qual é a realidade do cristianismo? Depois que um catolicismo pago satisfeito com as suas condenações e de um catolicismo satisfeito com o seu Concílio, depois de um catolicismo reivindicado como um comprimido de "sentido" a ser tomado após as refeições, de um catolicismo especializado em desgraças, qual é o futuro da Igreja?
Federar gostos suavizando os seus conflitos? Ou esperar que um papa – no mínimo, o "papa jovem" pintado por Paolo Sorrentino – expulse aquilo que não lhe agrada, ao custo de expulsar a todos? Tornar-se uma Igreja low cost que se alegra por ser apocalíptica? Ou deve se resignar a servir de pneu reserva para identidades políticas reacionárias e frágeis, induzidas a desprezar o estrangeiro e a defender o presépio?
Para Radcliffe, as fés têm outra função: a de narrar um tempo longo em que não acontece nada e no qual a alegria é silenciosa: "Eu acho que, no coração do cristianismo, há uma alegria tranquila, suficientemente profunda a ponto de abraçar até os momentos de sofrimento e de escuridão. É uma alegria que é fruto da intensa oração e do silêncio".
Porque só a impotência de uma pergunta permite tocar na borda do mistério, deixando que o vazio não se encha com banalidades sentimentais e arrogância teológica, perdendo a sua característica mais preciosa.
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O teólogo que, silenciosamente, faz a revolução. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU