14 Fevereiro 2014
A grande beleza é cotidiana e está ao alcance das mãos, se reintroduzirmos a contemplação no interior da ação cotidiana, se o ininterrupto diálogo, que o Espírito provoca dentro de nós e ao nosso redor, é captado a cada momento.
A opinião é do escritor e roteirista italiano Alessandro D'Avenia, (foto), graduado em Literatura Grega e doutor em Antropologia da Antiguidade, escritor, professor, autor, entre outros, do romance Branca como o leite, vermelho como o sangue, traduzido para o português.
O artigo foi publicado no jornal Avvenire, 29-01-2014, comentando o filme A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino, em cartaz no Brasil, e que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Eu busquei a grande beleza", diz o protagonista do filme homônimo, no fim do seu percurso humano e espiritual. "E não a encontrei". É a constatação resignada. Resta apenas a promessa não cumprida de um amor jovem e repleto de frescor. A realidade, infelizmente, é um grande truque, provoca ilusões e consequentes desilusões. Vive-se de sonhos ou de recordações. O véu de Maya cobre o nada.
A primeira parte do filme de Paolo Sorrentino, que concorre ao Oscar, é uma viagem em busca de uma saída do torpor existencial e literário dos meandros quase infernais das festas romanas, "cujos trenzinhos são os mais belos porque não levam a lugar algum", para chegar – na segunda parte – a fazer a pergunta de sentido a interlocutores válidos por serem "espirituais": um bispo em odor de papado e uma freira tão austera a ponto de despertar o medo. Mas eles não se provam válidos: o primeiro porque é carnal, a segunda porque é angelical. Nenhum dos dois é espiritual, no sentido de abrigar a vida do Espírito na carne.
O bispo, na confidência do protagonista sobre as suas inquietações espirituais, se afasta ou muda de assunto falando sobre carne e vinho (não os eucarísticos). A irmã, apelidado de "a Santa", ao invés, come raízes e dorme no chão. Justamente ela, em uma cena sugestiva, reúne ao seu redor belíssimas aves das quais diz conhecer "o nome de batismo" e as faz voar soprando sobre elas de madrugada, um fragmento de grande beleza em que a criação é o alfabeto que Deus usa para dialogar com o ser humano.
Mas a santidade capaz disso – escavada em um olhar perdido no vazio, em rugas muito profundas, mas sem a vitalidade da Madre Teresa, na subida torcida e dolorosa da Escada Santa – é um modelo muito distante para o homem de todos os dias, quanto mais para o protagonista dândi desiludido, timidamente em busca de um paraíso não artificial.
A narrativa cinematográfica, portanto, reconhece a Igreja como último interlocutor e lhe pede razão da esperança (que é a grande beleza do cristianismo) que ela diz ter. Mas o bispo (carne sem alma) e a Santa (alma sem carne) não têm respostas palatáveis para o homem do mundo que reconheceu "o truque" do mundo niilista e hedonista.
O homem do mundo pergunta onde estão os homens do mundo como ele, mas com respostas. Essa é a ausência fragorosa que o filme faz vir à tona. Onde estão os fiéis leigos imersos no mundo, "como a alma no corpo", como se dizia dos primeiros cristãos? Quem está no mundo pode ser apenas mundano? Só quem se afasta do mundo não é engolido por ele? Há espaço para a contemplação da beleza na batalha das 24 horas? Há espaço para o non plus ultra no cotidiano?
Porém, a fé está fundamentada na encarnação do Verbo. A carne de Deus atravessou em Cristo todo o leque da experiência humana: o trabalho, o suor, o fracasso, a alegria, o sorriso, o pranto, o cansaço, o tédio, a traição, a amizade... e, portanto, tornou cada vivência humana – em união com Cristo – um lugar de encontro com o Deus transcendente, que salva essa experiência individual e aparentemente insignificante. Mas isso só é possível para aqueles que veem Deus no agir cotidiano ou, melhor, que encontram no agir cotidiano o diálogo com Deus, de outro modo impossível para aqueles que têm um trabalho e uma família.
A grande beleza é cotidiana e está ao alcance das mãos, se reintroduzirmos a contemplação no interior da ação cotidiana, se o ininterrupto diálogo, que o Espírito provoca dentro de nós e ao nosso redor, é captado a cada momento. Mas isso só é possível graças a uma vida de "estilo sacramental", em que o visível remete a uma plenitude das qual é sombra: "A fé tem uma estrutura sacramental; o despertar da fé passa pelo despertar de um novo sentido sacramental na vida do homem e na existência cristã, mostrando como o visível e o material se abrem para o mistério do eterno". São palavras da Lumen fidei (n. 40), que talvez poderíamos levar a sério.
É impossível contemplar sem vida sacramental, porque a transformação é gratis data sacramentalmente só pelo Espírito a cada pessoa individual que a deseja enquanto se move no mundo, com o seu trabalho, as suas contas e o tráfego. Aquele toque divino que revela no agir ordinário a grande beleza, que não deve ser posta nas coisas, mas está nas coisas e nas pessoas, porque Deus já a pôs.
Contemplativo pode ser qualquer um que responda a esse chamado continuo, real, forte na vida comum: no trem, no carro, na cozinha, à mesa. Só no sacramento o olhar, a audição, o olfato, o tato, o paladar se abrem à grande beleza, que brilha cotidianamente nas 24 horas e faz novas todas as coisas dessas 24 horas. E ela se encontra não só no silêncio de uma igreja, mas também em carregar uma máquina de lavar e em fazer os temas, em inserir dados em um computador e em um passeio no parque, em ouvir música e em conversando com um amigo... Em tudo, porque tudo é graça, e tudo é bom para aqueles que creem. O mundo se torna templo, embora mantendo a autonomia que Deus lhe conferiu.
Mas só quem vive a vida sacramentalmente vê a vida pelo que ela é: fragmento de uma transcendência, que dá gosto a esse fragmento. O cristão contemplativo é o verdadeiro hedonista: imerso no mundo sem ser submerso por ele. Deus é um pai que se inclina sobre uma criança e lhe presenteia o mundo para que brinque com ele. Deus não é uma doutrina abstrata para poucos ou uma série de leis impossíveis de se respeitar. Deus é um jogo pai-filho, um jogo desafiador como todos os jogos divertidos.
A grande beleza, a grandíssima beleza é a transfiguração sacramental do visível, desenterrada da contemplação no agir cotidiano, a ancoragem a Cristo na jornada concreta, cujos gestos "ressurgem", todos os gestos, e a sua grandeza não é determinada pelo seu sucesso incerto, mas sim pelo amor que descobrimos dentro deles e colocamos dentro deles.
Um cristianismo triste demais – o Papa Francisco disse recentemente que "os cristãos tristes não creem no Espírito Santo" – parece o dos casais em que o amor dado por óbvio se apaga, não é mais expressado, celebrado, festejado. O mundo não é mais o teatro onde o outro se move, mas volta ser mudo e repetitivo. O estilo não é mais luminoso e aberto, mas cinza e repetitivo, curvado sobre si mesmo.
Não há mais nenhuma liturgia amorosa, não há mais sinal que lembre o outro: nenhuma foto na carteira ou sobre a escrivaninha, nenhum prato preferido sobre a mesa. Só se procurarmos afirmar, aprofundar, tornar consciente e comprometedor o amor de Deus é que tudo em nós se transforma, como um jovem que se apaixona, ou como um amor que habita a juventude.
Só se os nossos sentidos se tornarem portas abertas ao dom contínuo da graça é que o Espírito poderá nos atravessar e nos mostrar a grande beleza do comum. Sem isso, a vida é des-graça, exilada da graça. Sobre o branco das vestes de Cristo, na Transfiguração, nos é dito que nenhuma lavadeira poderia obtê-lo. As vestes, até mesmo as vestes, em contato com a carne do Verto, tornam-se luz e beleza. Até mesmo as roupas se tornam sinal de Deus, estilista incomparável ainda da erva do campo, quanto mais da pessoa que, pelas estradas cansativas do mundo, anseia pela Grande Beleza.