07 Julho 2016
Desde a realização dos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, em 2007, passando pela Copa do Mundo, em 2014, até as Olimpíadas, neste ano, movimentos sociais e coletivos organizados contra os impactos dos megaeventos têm denunciado o aumento da violência contra a população nesses períodos (com despejos e maior militarização nas favelas) e a falta de transparência na gestão da preparação das cidades-sedes, gerando desequilíbrio no orçamento público e negando à população o direito a serviços básicos.
“Não somos contra os Jogos Olímpicos. Somos contra a forma como esses megaeventos chegam às cidades, barrando as demandas reais e concretas da população. Para isso, produz-se um modelo de cidade absolutamente distante das necessidades reais de quem vive lá”, lamenta a economista Sandra Quintela, coordenadora do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS) e membro do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro.
A reportagem é de María Julia Giménez, publicada por Brasil de Fato, 06-07-2016.
Neste sentido, o episódio mais recente foi a concessão de um crédito de R$ 2,9 bilhões, autorizado pelo presidente interino Michel Temer na última quarta (29), destinados à Segurança Pública dos Jogos Olímpicos Rio 2016, que começa no próximo 5 de agosto.
O estado do Rio de Janeiro atravessa uma gravíssima crise econômica, e essa medida, de caráter provisório, foi tomada após o governo fluminense decretar “estado de calamidade pública” pela sua falência financeira.
Há, porém, contradições. Apesar de a crise dificultar, por exemplo, o pagamento do salário dos funcionários públicos e demandar ajustes nos orçamentos da educação e da saúde, os gastos com o megaevento olímpico alcançaram R$ 37,6 bilhões, R$ 10 bilhões a mais do que o previsto quando o Brasil se candidatou a ser sede (R$ 28,8 bilhões).
Em entrevista com Brasil de Fato, Sandra afirmou que Rio de Janeiro adotou o “modelo de cidade mercadoria, uma cidade para ser vendida aos megaempreendimentos”. “As enormes estruturas turísticas dirigidas ao capital estrangeiro, a privatização de espaços urbanos… Há um processo de endividamento brutal sobre as contas públicas que deixaram uma dívida muito grande, que aumenta a dívida social”, analisou a economista.
Privatização dos lucros, socialização dos prejuízos
O governo de Rio de Janeiro tem negado que a crise do estado seja originada pelos Jogos, alegando que as dificuldades financeiras se devem à crise geral e à baixa no preço do petróleo, e que a grande maioria dos gastos das obras foi financiada com recursos de Parceria Público Privado (PPP). Segundo dados da prefeitura, só 43% dos gastos provém do orçamento público, enquanto 57% vem de PPP.
Contudo, o PACS adverte sobre esta questão. “Por meio destas parcerias, o Estado deixa de arcar sozinho com os custos, mas também deixa de receber os lucros, como no caso das obras de metrô, trens e estádios", explica a instituição em sua revista Rio de Gastos.
A partir destas PPPs, o Estado garante ao capital privado rendas por períodos de cinco a 35 anos, garantidas em contrato. Ou seja, além de ser outra forma de privatização dos serviços e responsabilidades públicas, aparenta desonerar o gasto público no curto prazo, mas o compromete a longo prazo.
Para Sandra Quintela, “os governadores passam a ser gerentes dos interesses desse capital, que tem um papel fundamental nas cidades por causa da grande especulação imobiliária, ou seja, para a expansão das fronteiras do mercado imobiliário e de terras. Então, viver na cidade fica, realmente, em último lugar”.
Violência
Segundo os dados recolhidos pelo PACS, 65 mil famílias foram removidas em nome das Olimpíadas no Rio de Janeiro. “Ha regiões inteiras que foram privatizadas. Por exemplo, a região de Porto Maravilha, onde estava o antigo porto. Lá nasceu a capoeira, o samba… Hoje, tudo está completamente petrificado por um processo de privatização e PPP. Com os megaeventos esportivos, houve uma flexibilização sobre a definição do que é privado e o que é publico”, analisou Sandra.
O Comitê Popular das Olimpíadas defende também que outro legado é o aumento da violência policial contra a juventude negra favelada. Um levantamento feito pela Justiça Global indica que, entre janeiro e julho de 2015, 408 pessoas foram mortas pela Polícia Militar do Rio de Janeiro em ocorrências registradas como “autos de resistência”, o que significa um aumento do 18,6% em relação ao mesmo período de 2014.
“É impressionante que, em uma cidade extremamente militarizada como é Rio, essa lógica seja aprofundada em nome dos megaeventos”, lamenta a economista.
Na tentativa de mostrar ao mundo que os morros da cidade maravilhosa estão “pacificados”, o governo fluminense, com o apoio do Governo Federal, tem aumentado os gastos e número de policiais militares.
O Ministério da Defesa especificou que 18 mil militares serão destacados para as cidades onde ocorrerão os jogos de futebol (São Paulo, Manaus, Salvador, Brasília e Belo Horizonte), e o Rio de Janeiro receberá 20 mil homens, sendo “aproximadamente 14 mil do Exército Brasileiro, 4 mil da Marinha do Brasil e 2 mil da Aeronáutica.
Segundo dados solicitados pelo Artigo 19 e pela Justiça Global à Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro (Seseg), foram adquiridos 4 mil equipamentos de proteção individual (de capacetes a balaclavas), 18 mil balas de borracha, 9 mil balas fumígenas coloridas (que soltam tintas para marcar alguém na multidão), 4.500 granadas de efeito moral, 4.500 bombas de gás lacrimogêneo, 900 sprays de pimenta e 450 sprays de gengibre.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
30 dias para as Olimpíadas: Dívidas e violência contra a população já é legado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU