04 Julho 2016
No seu livro Psicopolítica, o filósofo Byung-Chul Han revela os enganos do poder para nos tornar menos cidadãos, em uma era em que os sentimentos substituem as ideologias.
A opinião é do jornalista italiano Ezio Mauro, ex-diretor dos jornais La Stampa e La Repubblica. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 30-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Vivemos os anos da serpente. Anos aparentemente pós-conflituais, que não contemplam mais ordens, preceitos, restrições e proibições: exceto a austeridade. Quase como se a política tivesse delegado à crise o controle espontâneo do social, cortes e fraturas, desigualdades e exclusões, e quisesse se lavar as mãos, ignorando aquilo que acontece debaixo de si, porque lhe basta o saldo final, na nova mecânica da democracia dos números.
No lugar das ideologias, há as emoções; onde havia os valores, crescem os sentimentos, muitas vezes sob a forma do grande ressentimento coletivo que está se tornando, por toda a parte, a figura do nosso descontentamento, unindo desesperos individuais, solidões republicanas, sedições silenciosas: e nos deixando acreditar que tudo isso é política.
O que faz o poder diante dessa mutação em curso? Muito simplesmente se despediu do corpo, que, no século XX, tinha obcecado os dois totalitarismos europeus na sua síndrome de vigilância, e o relegou a objeto de consumo a ser vendido e comprado nas academias, nos centros estéticos, nos tratamentos de saúde.
O corpo como instrumento da produção industrial e, portanto, como objeto da vigilância política, nada mais. Com o corpo, acaba a biopolítica teorizada por Foucault, com o poder envolvido no controle do somático, do biológico, do corporal. Concluiu-se, assim, também, a longa fase do controle social organizado nos espaços fechados, da escola ao escritório, ao quartel, à fábrica, ao hospício, inaptos às novas formas de organização pós-industriais, interconectadas, imateriais.
Inevitavelmente, morre a velha toupeira, animal submisso da sociedade disciplinar que habitava aqueles lugares restritos, na rigidez dos espaços. Nasce a sociedade-serpente, o animal que descerra os âmbitos fechados apenas com o seu movimento, que se adapta e desliza, supera barreiras e restrições, conecta os espaços e sabe mudar de pele.
Mitologicamente, além disso, a serpente incorpora o pecado geral que a sociedade moderna carrega dentro de si e, portanto, cumpre a profecia de Benjamin: o capitalismo é o primeiro caso de uma cultura que não permite expiação, mas produz culpa e dívida.
Mas, acima de tudo – e justamente aqui –, nasce a "psicopolítica", a nova técnica de domínio típica da sociedade em que vivemos. O seu anúncio, em um ensaio publicado pela editora Nottetempo, é de Byung-Chul Han, o filósofo alemão de origem sul-coreana que estudou a globalização e a teoria do "enxame digital".
A tese é que as novas restrições a que devemos responder são, em boa medida, voluntárias (e, por isso, nos parecem naturais), porque são geradas pela nossa própria liberdade, já que a liberdade de poder não tem limites e, portanto, produz mais vínculos do dever.
Eis que, enquanto se pensa como autônomo e livre, o homem de hoje, na realidade, está explorando a si mesmo sem ter um chefe, torna-se empreendedor de si, isolado em si e se "usa" voluntariamente, seguindo as novas exigências da produção imaterial.
Nessa vontade livre e explorada, nesse isolamento, cresce a estabilidade do sistema, porque implodem as classes e as distinções entre servos e senhores, nunca se forma um "nós" político, uma comunidade de rebelião, ao contrário, não se vê emergir nenhum ponto de resistência ao sistema.
O novo tecnopoder também se esconde na liberdade, escapando de qualquer visibilidade. Depondo o comando do poder disciplinar, ele prefere seduzir, em vez de proibir, moldando-se na psique em vez de constranger os corpos, assume formas permissivas mostrando benevolência, busca agradar para despertar dependência, depõe toda mensagem negativa usando a liberdade para levar o indivíduo a se submeter por si só.
Assim nasce a "sociedade do controle digital", em que, graças ao autodesnudamento voluntário de cada um de nós, a liberdade e a comunicação que correm sem limites na rede se invertem em controle e vigilância totais, com as mídias sociais "que vigiam o espaço social e o exploram", justamente a partir da autoexposição livremente escolhida por todos os usuários.
O resultado é uma informação que circula independentemente do contexto que a torna compreensível e a conecta com uma paisagem cognitiva mais ampla, enquanto toda estranheza, diversidade, deformidade é eliminada, porque retarda a fluidez da comunicação ilimitada.
A liberdade do cidadão, adverte Byung-Chul Han, cede à passividade do consumidor que não tem mais nenhum interesse na política e na construção de uma comunidade, mas apenas reage passivamente criticando e se lamentando da má política, assim como o consumidor se lamenta de mercadorias e serviços que não o satisfazem.
O político, consequentemente, também se torna simplesmente um fornecedor. E a transparência é invocada e desvalorizada ao mesmo tempo, porque não é solicitada para revelar os mecanismos decisionais, mas para desnudar os personagens públicos.
São todos ingredientes de uma democracia de espectadores, em que o cidadão olha a ação, em vez de agir, enquanto o seu status se apequena, e os seus direitos não são mais os do protagonista, mas os do público pagante: que faz número, mas não faz mais opinião.
Mais do que a opinião pública, por outro lado, na era da psicopolítica, o que importa são os Big Data que podem realizar a esperança iluminista de libertar o saber do arbítrio, elaborando previsões sobre o comportamento humano, mas podem se transformar em instrumentos devocionais da fé digital na quantificabilidade da vida: úteis para decompor o "eu" em microdados até o vazio de sentido, porque "contar não é narrar" [contare non è raccontare], felizmente, e até tornar visível uma microfísica de miniações que escapam da consciência consciente.
Assim, a psicopolítica poderia encontrar um acesso próprio ao inconsciente coletivo, criando um "saber do domínio" que permite interagir com a psique, influenciando-a em antecipação à consciência, antes que a racionalidade assuma o controle dos fenômenos.
Não há necessidade de chegar até esse limite. Assim como Weber falava do capitalismo ascético da acumulação, que seguia uma lógica racional, Byung-Chul Han fala hoje de um "capitalismo das emoções", porque o processo racional também se torna rígido demais, previsível e lento para as novas técnicas de produção que, em vez disso, tiram proveito da emotividade.
Assim, a nova economia de consumo capitaliza significados e sensações em uma verdadeira transformação emotiva do processo de produção. E a psicopolítica já se apossou da esfera emocional, a fim de poder influenciar as ações no plano pré-reflexivo.
Um poder mimético, portanto, que vive à vontade na liberdade, explorando-a e usando-nos, enquanto nos acreditamos, por nossa parte, livres. Que vive em um tempo digital de acúmulo do passado, mas sem um processo narrativo da memória. Que nos convence da mensurabilidade de todas as coisas, como se a realidade já estivesse toda revelada e como se o conhecimento fosse algo a ser "baixado" mais do que conquistado, porque as respostas estão todas prontas, portanto, as perguntas não são mais necessárias.
Um poder que, enquanto captura a psique, esquece os corpos. Deve ser por isso que os corpos dos migrantes – puro corpo, vida nua que pretende continuar vivendo – nos dão tanto medo.
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O fantasma da liberdade em tempos de emoticons. Artigo de Ezio Mauro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU