25 Mai 2016
"Ardente defensor da unidade dos cristãos, não fundada sobre impulso emocional ou tendência oportunista à coalizão, mas certamente na força da fraqueza - como bem demonstra aquele profético escrito, do final dos anos sessenta - padre Matta el Meskin nunca se cansou de buscar as formas de paz e comunhão, que encontram sua origem na comum submissão à vontade de Deus".
O comentário é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 22-05-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
"Matta el Meskin, um contemporâneo padre do deserto (1919-2016)", é o tema da conferência internacional de espiritualidade que tem lugar no mosteiro de Bose, dias 21 e 22 de maio. O encontro, organizado com a colaboração com o mosteiro egípcio de São Macário, o Grande, pretende ressaltar o legado humano e espiritual, dez anos depois de sua morte, de uma das principais figuras da Igreja Ortodoxa Copta.
Publicamos a seguir a conferência do prior de Bose, que abriu as atividades.
Eis o texto.
No final do outono de 1969, quando a comunidade monástica de Bose, ainda embrionária, tinha apenas quatro irmãos e uma irmã, descobri o texto do abuna Matta el Meskin, traduzido para o francês, mas não publicado: L'Unité chrétienne. Fiquei impressionado com a lucidez profética daquelas palavras, queria traduzir e publicá-las na Itália, numa pequena revista, Lettere’70, que recolhia reflexões espirituais de cristãos de diferentes denominações estimulados pelo "novo Pentecostes" do Concílio Vaticano II. Saiu em fevereiro de 1970, com o título Ecumenismo ou coligação?
Poucos anos depois, em meados dos anos setenta, tive a grata satisfação de visitar, pela primeira vez, o mosteiro de São Macário, em Wadi el Natrun, e encontrar o autor da tradução francesa, abuna Wadid, um engenheiro católico, ansioso por abraçar o vida monástica, mas não encontrando oportunidade dentro de sua igreja católica copta, foi recebido em San Macário, com pleno respeito à sua identidade confessional, tornando-se um dos monges mais próximos do coração da Matta el Meskin.
Há alguns meses atrás, descobri que, exatamente a tradução francesa daquele texto, sobre a Unidade dos Cristãos, estava na origem do primeiro encontro de Wadid e abuna Matta el Meskin no Wadi Rayyan... Mas, sobre este intenso vínculo fraterno, ouviremos a voz do próprio Pe. Wadid que, embora impossibilitado de estar fisicamente presente, não deixou faltar sua contribuição para nosso trabalho.
Em São Macário estavam em curso os trabalhos de reconstrução. Matta el Meskin, depois de dirigir pessoalmente o projeto, a definição e a execução das principais intervenções, já vivia à margem, dedicando-se inteiramente à oração e à paternidade espiritual com seus monges. Para os que, como eu, pediam para vê-lo, dizia que sua pessoa não era importante, e que só o encontro com o Senhor permanecia essencial para cada cristão e para cada monge. Mas sua palavra se irradiava por meio da vivência dos seus monges - uma verdadeira parábola viva da sequela cristã na vida monástica - e para mim, em particular, graças ao diálogo fraterno com o padre Wadid, homem de paz e de grande acolhimento, capaz de transmitir, então como agora, àqueles que se aproximavam, uma intensa procura de comunhão no amor, que ardia nele como ardia em seu pai espiritual.
Desde aquele primeiro encontro, tanto eu como vários dos meus confrades, voltamos muitas vezes para Deir Abu Makar, para confrontarmo-nos com um testemunho monástico que nos levasse de volta ao essencial da nossa vocação, para beber nas fontes do monaquismo cristão - não esqueçamos que, naqueles mesmos lugares, os monges estão continuamente presentes desde o século IV -, e procurar ler, junto com outros irmãos na fé, “o que o Espírito Santo diz às igrejas".
Isto tudo, e depois o dom inesperado e imerecido que a bondade do Senhor quis fazer-nos no final do ano passado: em setembro, a participação de Anba Epiphanius, aqui, em Bose, seu viver, mover-se e falar, entre nós como um irmão na fé e um pai na vida monástica, na reunião anual de espiritualidade ortodoxa, dedicada à bem-aventurança dos misericordiosos. Depois, em dezembro, no Egito, um evento de graça que excedeu todas as expectativas: Markos, nosso noviço copto, recebeu, com a bênção do Patriarca Tawadros, o hábito monástico das mãos de Anba Epiphanius, e foi então selado um autêntico gemellaggio espiritual entre nossos dois mosteiros.
Dos encontros fraternos com os monges de São Macário sempre surgiram, com toda a sua transparência, uma vida cujo fundamento se encontra no alimento diário da Palavra de Deus, único nutrimento que sustenta a esperança do reino de Deus. "Quando pedi a Matta el Meskin de ensina-me a rezar - confiou-me, uma vez, um monge - o Abba pediu para entregar-lhe minha Bíblia. Abriu o livro, procurou o início da Carta aos Efésios, levantou-se, ergueu os olhos ao céu, leu em voz alta o primeiro versículo, ficou em silêncio, repetiu cada palavra duas vezes e depois releu tudo novamente. Passou ao versículo seguinte, levantou a voz, implorou a Deus para perdoá-lo, cantarolou o versículo, repetiu-o em voz baixa, levantou as mãos e chorou ... E continuou assim até o final do capítulo. Ele tinha esquecido completamente da minha presença ao lado dele".
A um repórter que lhe perguntou sobre as origens do seu caminho monástico, abuna Matta el Meskin respondeu: "Minha vida é uma profunda relação de Deus comigo. Comecei sozinho. O objetivo era oferecer a minha vida ao Senhor: isto eu compreendi e decidi, graças à leitura contínua da Bíblia. Antigo e Novo Testamentos permitiram-me construir uma vida com base sólida. Perguntava-me, como poderia dar toda a minha vida ao Senhor, nos poucos anos que ainda me restavam? Como poderia realizar em minha vida o que viveram os personagens da Bíblia? Pensei na minha vida demasiadamente curta para assimilar este livro. Então, tentei, em oração e com muitas lágrimas, entender estes homens do Antigo Testamento e, pouco a pouco, eles se tornaram familiares: eu me adaptei a eles, e agora estes homens vivem em mim, e eu neles. Como eles viveram sua relação com Deus, assim também eu, hoje. Nos livros do Antigo Testamento, experimentei o amor de Deus, sua severidade, sua pedagogia, sua bondade. Dia e noite lia a Bíblia, para que se tornasse minha própria carne e meu próprio sangue. Depois passei para o Novo Testamento, que foi para mim um livro luminoso. Percebi que o Senhor é a luz do dia, e Cristo a estrela da paz. Antigo e Novo Testamentos conectaram-me com Deus: minha vida, meu pensar, meu amar não é outra coisa senão a Sagrada Escritura. O resto não me interessa mais".
Mas a Escritura nos chega por meio de uma tradição, e é por isso que - ao lado dela - os ditos dos padres do deserto e as obras dos padres da Igreja são, para os monges do Mosteiro de São Macário, alimento quotidiano na leitura, estudo e contemplação. Assim, costumava repetir abuna Matta: "Quando lemos uma máxima, eis o que nos deve acontecer: primeiro, o Espírito nos convence que aquela experiência deles é verdadeira, então devemos lutar para tornar nossa aquela experiência, perseverando na luta até a morte, isto é, estar pronto a morrer, a fim de manter-se fiel ao mandamento que o Espírito nos deu. Morrer para pôr em prática, no Espírito, um mandamento do Senhor: este é o verdadeiro martírio. Mas aquele que está pronto para morrer será salvo pelo Senhor, e não morrerá, porque o próprio Senhor morreu por nós. Se o monge, antes ainda de receber o hábito, está pronto para permanecer incondicionalmente fiel até à morte, se não tem medo da morte, então sua vida monástica será espiritualmente bem sucedida. Mas se teme por seu corpo, se recusar a assumir riscos, então sua vida monástica será muito pesada. Pior ainda: será muito difícil para ele ser transformados pelo Espírito num homem novo".
Neste mesmo espírito de morte e ressurreição, abuna Matta el Meskin colocou o seu esforço diário para estar em conformidade com a vontade do Senhor que, na véspera da paixão, orou ao Pai, para que seus discípulos fossem "uma coisa só". Ardente defensor da unidade dos cristãos, não fundada sobre impulso emocional ou tendência oportunista à coalizão, mas certamente na força da fraqueza - como bem demonstra aquele profético escrito, do final dos anos sessenta - padre Matta el Meskin nunca se cansou de buscar as formas de paz e comunhão, que encontram sua origem na comum submissão à vontade de Deus. Então, em minha última visita a São Macário, no início deste século, conhecendo o estado de saúde do abuna Matta, pedi para vê-lo. Padre Wadid voltou para mim, com seu costumeiro rosto radiante, e me disse que o padre me saudava com afeto, e convidava, mais uma vez, para o essencial: permanecer firmemente ligado a Jesus Cristo e à sua Palavra.
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Um contemporâneo padre do deserto. A força da fraqueza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU