O discurso Papa Francisco aos bispos italianos: três chaves de leitura. Artigo de Diego Fares

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18 Mai 2016

Três chaves para ler o discurso do papa aos bispos italianos. A primeira: de uma perspectiva moralista abstrata a uma perspectiva contemplativa concreta. A segunda: o caráter transcendental da abordagem. A terceira: a conversão do nosso modo de pensar.

A opinião é do jesuíta argentino Diego Fares, membro da redação da revista La Civiltà Cattolica. O artigo foi publicado pelo Servizio Informazione Religiosa (SIR), 17-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Na segunda-feira, 16 de maio, o Papa Francisco proferiu o seu terceiro discurso de abertura da Assembleia da Conferência Episcopal Italiana (CEI), que este ano tem como tema "A renovação do clero", na vontade de apoiar a formação ao longo das diversas épocas da vida.

O Santo Padre sempre nos surpreende. Desta vez, com uma "inversão de perspectiva". Em vez de oferecer "uma reflexão sistemática sobre a figura do sacerdote", ele nos convida a "colocar-nos em escuta". Propõe aos bispos uma atitude contemplativa.

Esta pode ser uma primeira chave de leitura: de uma perspectiva moralista abstrata a uma perspectiva contemplativa concreta.

Escutemos, portanto, acima de tudo, o que ele diz:

"Aproximemo-nos, quase na ponta dos pés, de algum dos tantos párocos que se consomem nas nossas comunidades; deixemos que o rosto de um deles passe na frente dos olhos do nosso coração e perguntemos com simplicidade: o que torna a sua vida saborosa? Por quem e por que coisa ele empenha o seu serviço? Qual é a razão última da sua doação?"

No centro, uma imagem, um pároco, um sacerdote comum. Não o sacerdote ideal, não uma pessoa abstrata. Apenas um sacerdote "que se consome nas nossas comunidades". O papa o chama várias vezes de "o nosso sacerdote", sublinhando "o nosso". Recorda aquela a imagem do sacerdote que todos nós – padres e leigos – temos nos nossos corações, porque nos fez bem em algum momento da vida.

No seu caso, certamente voltou a evocar figuras como as do Pe. Enrique Pozzoli (salesiano), ou de Roberto Iturrate (jesuíta) e outros mencionados nos seus livros. Reevocar essas imagens significa recordar a vocação sacerdotal, aquilo que se pensa de um certo sacerdote: "Eu quero envelhecer como ele". Gostaria de ser como aquele padre (e não ter algumas coisas de algum outro...). Assim, o Papa Francisco vai descrevendo esse "nosso sacerdote" e pede a dar três passos contemplativos.

O primeiro: "aproximar-se" na ponta de pés descalços (o nosso sacerdote também é descalço), com o pudor de quem se dá conta de que está sendo olhado.

O segundo passo é "deixar o seu rosto passe diante dos olhos do nosso coração". Contemplar um sacerdote que se consome pelo seu povo não é um belo espetáculo. É outra coisa, como quando se olha alguém que está trabalhando duro, cavando um poço ou correndo para trás e para a frente em um restaurante, ou trocando os pacientes no hospital. O trabalho árduo nos interpela. E o papa quer que os bispos se deixem interpelar pelo trabalho dos seus sacerdotes.

O terceiro passo consiste nas perguntas, porque a contemplação dos Exercícios Espirituais sempre se concretiza naquilo que agrada ao Senhor que eu faça aqui e agora.

A segunda chave de leitura do discurso pode ser o caráter transcendental da abordagem.

O papa pergunta simplesmente aquilo que dá sabor à vida do nosso sacerdote, de quem vem, qual é a razão. Mas não se trata de perguntas "específicas", mas transcendentais, perguntas que dizem respeito à beleza do sacerdócio, ao seu bem último, à sua verdade no sentido mais amplo.

A beleza não é para os olhos, como dissemos. O nosso sacerdote poderá estar cansado, um pouco despenteado, até mesmo um pouco mal-humorado às vezes. Nem ele "vê" a beleza no entrelaçamento do trabalho cotidiano. Mas ele sente o sabor de Cristo naquilo que faz...

Abordando a segunda pergunta, "em favor de quem o nosso sacerdote oferece o seu serviço", o papa inverte novamente a perspectiva. Antes de se dirigir aos destinatários do seu serviço, ele nos faz "sentir o que sente o nosso sacerdote": ele se sente parte da Igreja, da sua comunidade, do santo povo de Deus, dos seus irmãos sacerdotes.

Antes de perguntar "por quem", Francisco faz as perguntas sobre "com quem" e "em quem". Ele faz degustar a pertença às pessoas e não às coisas. Nota-se isso no fim, quando fala da gestão das estruturas e dos bens econômicos:

"Mantenham somente o que pode servir para a experiência de fé e de caridade do povo de Deus."

Não uma pastoral de conservação das coisas, mas a serviço das pessoas, que nos fazem sair da nossa autorreferencialidade. A terceira pergunta diz respeito à "razão da doação", e essa razão é o Reino. A visão – agora sim – do Reino que Francisco oferece tem um horizonte amplo. É "a terra visitada todas as manhãs pela presença de Deus", é o caminho que "a história humana percorre, apesar de todos os atrasos, as obscuridades e as contradições"; é "a visão que Jesus tem do homem", e isso lhe dá uma "alegria que permite relativizar todo o resto".

Por fim, o Santo Padre explica que "delineou" a tríplice pertença que nos constitui como sacerdotes: a pertença ao Senhor que saboreamos, a pertença à Igreja, o nosso bem possuído, e a pertença ao Reino, como horizonte que nos ilumina e nos atrai. Essa tríplice pertença "é um tesouro em vasos de barro e deve ser conservado e promovido".

A terceira chave de leitura do discurso visa a buscar a conversão do nosso modo de pensar.

Essa conversão, que leva a pensar a partir da visão do homem que Jesus tem, requer uma mudança no protagonismo, em vez de nos conceitos. Se voltarmos ao início do discurso, vemos que ele coloca o nosso olhar "na justa luz" para contemplar a forma autêntica do sacerdote: é o Espírito, cuja força deve ser conservada.

Pôr-se em atitude de escuta significa deixar que o Espírito, que é o protagonista na história da Igreja, também seja protagonista da desejada renovação do clero. Uma renovação que também tem um componente geracional, como observou o Santo Padre no início, perguntando, com alegria, o número dos novos (mais de 36), porque se sentia na sala "o perfume do crisma" dos bispos recentemente ordenados.