12 Mai 2016
Bons repórteres ficam sempre intrigados com os paradoxos, e o meu amigo Giacomo Galeazzi, do jornal italiano La Stampa é, sem dúvida, um repórter talentoso. Portanto não é surpresa que o seu novo livro, Il Concilio di Papa Francesco: La Nuova Primavera della Chiesa, gire em torno de um paradoxo.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 11-05-2016. A tradução de Isaque Gomes Correa.
(Em nosso idioma, o título fica: “O concílio do Papa Francisco: a nova primavera da Igreja”.)
O paradoxo é este: desde São João XXIII, Francisco é o primeiro papa que não teve nenhuma função no Concílio Vaticano II (1962-1965). No entanto, o Vaticano II é, com razão, a base de todo este papado. Conforme diz Galeazzi: “O programa do Papa Francisco é o Concílio (…) a realização e atualização da primavera conciliar”.
Para explicar melhor, Galeazzi sustenta que Jorge Mario Bergoglio, o futuro papa, amadureceu enquanto liderança na Igreja Católica no período imediatamente posterior ao Concílio. Ele serviu como superior jesuíta na Argentina de 1973 a 1979, quando a implementação das diretrizes conciliares era a principal prioridade de toda e qualquer ordem religiosa.
Ele também viveu no ambiente do CELAM, o Conselho Episcopal Latino-Americano, numa época em que este organismo trabalhava em sua visão continental sobre o significado do Vaticano II e via como ele deveria modelar a vida e a missão católicas.
Segundo Galeazzi, desta experiência Francisco extraiu duas convicções: que o Vaticano II era absolutamente fundamental para o futuro, e que, em grande parte, esta visão não foi implementada e vivida plenamente.
Conforme Luigi La Spina notou numa resenha que escreveu do livro, ao enquadrar as coisas deste modo Galeazzi supera a tendência presente nos comentários sobre Francisco de avaliar as coisas em termos de “ruptura” versus “continuidade”.
Sim, o Papa Francisco é um papa da continuidade, mas é uma continuidade com um concílio que, em si, representou uma ruptura significativa: um retorno radical às fontes do cristianismo, que, segundo Galeazzi, Francisco acredita estar longe de ser alcançado.
Com certeza, e isto Galeazzi documenta pontualmente, a visão do Vaticano II que o Papa Francisco tem é uma visão distintamente latino-americana.
Para muitos católicos europeus e norte-americanos, o elemento principal do Vaticano II esteve na liturgia, especialmente no emprego das línguas vernáculas e na mudança em que o sacerdote ficou de frente às pessoas na missa.
Em termos culturais, o Vaticano II interagiu com a revolução sexual no final da década de 1960, que se tornou no principal aspecto para a avaliação do Concílio ao ponto de incitar revisões no magistério católico sobre a ética sexual e a emancipação feminina – uma história que domina, ainda hoje, a cobertura midiática na Europa e América do Norte.
Na América Latina, no entanto, a onda mais significativa desencadeada pelo Vaticano II foi a “opção pelos pobres”, que se desdobrou em várias formas da Teologia da Libertação, e mais basicamente numa decisão de muitos fiéis em deixar de lado a dependência tradicional da Igreja baseada nas elites sociais e, em vez disso, decidiram abraçar a ampla massa das pessoas comuns, especialmente as marginalizadas.
Como Galeazzi mostra, nada disso tinha a ver com marxismo: para Jorge Mario Bergoglio e seus companheiros latino-americanos, tratava-se de uma estratégia prática de evangelização, levando em conta a dura realidade de uma união estreita entre o trono e o altar que, na América Latina ao longo dos séculos, distanciou a Igreja do povo.
Nesse sentido, o livro de Galeazzi ajuda os leitores a compreenderem um outro paradoxo aparente a respeito do Papa Francisco: ele afirma ser um homem do Vaticano II, todavia não adotou a pauta reformista eclesiástica que muitos fiéis, especialmente os americanos, associam com o Concílio, tais como mulheres ordenadas ao sacerdócio ou mudanças no ensino sobre o controle de natalidade, o aborto ou a homossexualidade.
Em parte, isso é assim porque não foi este o Vaticano II que Bergoglio viveu na América Latina. O central aqui não é que ele não tenha invertido o magistério católico, ideia que sempre esteve fora da realidade, mas que estas sequer são as questões que ele naturalmente relaciona com o “espírito do Vaticano II”.
A obra “O concílio do Papa Francisco: a nova primavera da Igreja” conta com uma nota escrita por Dom Nunzio Galantino, secretário escolhido por Francisco para liderar a poderosa Conferência Episcopal Italiana, e pelo colega de Galeazzi no jornal La Stampa, o destacado escritor Andrea Tornielli.
O livro será apresentado nesta quinta-feira, 12-05-2016, em Turim. Até o momento, não há planos para uma tradução inglesa. Fiquemos à espera que alguma editora se interesse pela ideia, pois “O concílio do Papa Francisco” traz perspectivas das quais os leitores americanos, em particular, podem se beneficiar.
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Livro diz que o Concílio Vaticano II é fundamental para compreender o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU