10 Mai 2016
Ao diagnóstico e à denúncia das causas da crise europeia, Francisco acompanha a indicação do tratamento: "Devemos passar de uma economia líquida, que tende a favorecer a corrupção como meio para obter lucros, para uma economia social, que garanta o acesso à terra, ao teto, por meio do trabalho".
A opinião é do sociólogo e escritor italiano Guido Viale, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 07-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A classe dirigente da Europa que importa foi, quase completamente, ao Vaticano para receber tapas (cristãos) do Papa Francisco. A ocasião desse deslocamento está na entrega ao papa do Prêmio Carlos Magno. A fim de obter da visita um pouco daquela legitimação que o papa conquistou no campo e esses líderes estão perdendo com a velocidade de uma avalanche.
Missão fracassada: a Europa propugnada por Francisco é o oposto das escolhas postas em ato, cúpula após cúpula, por um establishment em desordem: nunca ficou tão claro que, de um lado, está o cristianismo de Francisco (que não é todo o cristianismo europeu: uma grande parte dele usa a cruz como uma clava na cabeça dos refugiados e imigrantes, e para proteger o próprio "estilo de vida inegociável", desatendendo os dois temas centrais da pregação do papa, a defesa do ambiente e a justiça sociais). De outro, estão as políticas europeias da austeridade (para os pobres) e das rejeições.
No centro desse contraste, obviamente, está a atitude em relação aos refugiados e migrantes: a questão sobre a qual a União Europeia, já posta à prova duramente pelas suas loucas políticas econômicas, está se desfazendo. "Sonho com uma Europa – disse Francisco – em que ser migrante não seja um crime, mas sim um convite a um maior compromisso com a dignidade de todo o ser humano." Uma Europa que saiba tratar com dignidade, e de forma igual, os seus filhos e os recém-chegados: "Que cuida da criança, que socorre como um irmão o pobre e quem vem em busca de acolhida, porque não tem mais nada e pede abrigo".
Para fazer isso, "não basta apenas a inserção geográfica das pessoas", isto é, a acolhida, que também não existe. Porque "o desafio é uma forte integração cultural", que nos leve a redescobrir "a amplitude da alma europeia, nascida do encontro de civilizações e povos, mais vasta do que as atuais fronteiras da União e chamada a se tornar modelo de novas sínteses... O desafio é atualizar a Europa".
O papa indica a necessidade de uma refundação europeia com a acolhida ao estrangeiro e a capacidade de combinar as diversas culturas. Isto é, "com a capacidade de integrar, a capacidade de dialogar, a capacidade de gerar", enquanto hoje ela "parece ter perdido a sua capacidade geradora e criativa", buscando "dominar espaços mais do que gerar processos de inclusão e transformação".
Ao diagnóstico e à denúncia das causas, Francisco acompanha a indicação do tratamento: "Devemos passar de uma economia líquida, que tende a favorecer a corrupção como meio para obter lucros, para uma economia social, que garanta o acesso à terra, ao teto, por meio do trabalho". Terra (que significa agricultura sustentável, mas também ambiente), casa (que também significa comunidade) e trabalho são os temas em torno dos quais o papa tinha ido expondo o seu projeto social desde o seu encontro com os movimentos populares do dia 28 de outubro de 2014, para depois desenvolvê-lo na encíclica Laudato si'.
"Isso – explicou – requer a busca de novos modelos econômicos, mais inclusivos e equitativos, não orientados ao serviço de poucos, mas ao benefício das pessoas e da sociedade. Para isso, é preciso passar de uma economia que aponta para a renda e para o lucro com base na especulação e no empréstimo a juros (as finanças) para uma economia social que investe nas pessoas, criando postos de trabalho e qualificação."
Uma questão que diz respeito principalmente aos jovens, marginalizados, desvalorizados, forçados a emigrar, impossibilitados de formar uma família, aos quais o papa dedica algumas passagens salientes do seu discurso.
Diante dessa acusação de um cristianismo no caminho de uma renovação radical contra uma elite que está arrastando a Europa em um abismo de crueldade, cinismo, miséria e também, não esqueçamos, estupidez, Schultz tentou se justificar, acusando "as forças centrífugas da crise que tendem a nos dividir", "os egoísmos nacionais" e "a questão dos refugiados", porque "era desde a Segunda Guerra Mundial que não víamos mais tantas mais pessoas em fuga em todo o mundo". Como se tudo isso não dependesse também das políticas que a União endossou. E Junker se limitou a constatar que "a solução não é se fechar no próprio casulo".
Não será essa classe dirigente que irá nos levar para fora da espiral mortífera denunciada por Francisco. Para dar corpo às indicações que emanam do seu esforço de renovação, é preciso uma revolução que faça uma limpeza de um establishment completamente subserviente aos ditames das finanças e torne protagonistas da mudança, em uma renovada unidade ainda em grande parte a ser construída, os grupos, as redes e as mobilizações que trabalham, seja às escondidas, seja à luz do sol, muitas vezes inconscientes das responsabilidades que pairam sobre eles, para realizar uma Europa completamente diferente.
Começando por aqueles que estão diretamente envolvidos no fronte mais quente: o da acolhida e da construção de uma nova perspectiva de vida que veja trabalhando juntos refugiados, imigrantes e cidadãos europeus.
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O tapa cristão em uma Europa desatualizada. Artigo de Guido Viale - Instituto Humanitas Unisinos - IHU