09 Mai 2016
“Há, por trás desse processo de destituição (de Dilma Rousseff), um projeto econômico explícito de maior dependência, privatização e desnacionalização”, escreve Adolfo Pérez Esquivel, argentino, é arquiteto, escultor e ativista dos direitos humanos e recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1980, em artigo publicado por Folha de S. Paulo, 09-05-2016.
Segundo ele, “as organizações sociais brasileiras resistem com esperança, pois sabem que a luta é justa. Elas contam com a solidariedade de várias entidades internacionais. Não queremos mais golpes de Estado na América Latina”.
Eis o artigo.
A democracia, cuja conquista nos custou tanto, está novamente em risco na América Latina. A situação que o Brasil vive hoje afeta a todos os povos da região.
Em minha passagem recente pelo Brasil, reuni-me com a presidente Dilma Rousseff para oferecer meu apoio e o de muitas organizações, dado que a oposição no Congresso procura destituí-la do cargo, que ela assumiu pelo voto majoritário, por meio de impeachment baseado em um delito inexistente.
A oposição aponta contra Dilma procedimentos contábeis já praticados por governos anteriores, e inclusive por muitos dos acusadores da presidente.
Trata-se de uma situação semelhante aos golpes brancos que já vimos recentemente em Honduras e no Paraguai. Todos motivados por procedimentos ilegais para violentar a vontade popular, com um aumento da repressão e das políticas contra o povo.
Há, por trás desse processo de destituição, um projeto econômico explícito de maior dependência, privatização e desnacionalização.
Provável futuro presidente da República, Michel Temer já manifestou sua intenção de impor ao Brasil políticas econômicas contrárias às escolhidas pelos eleitores, como privatizar tudo o que for possível da infraestrutura do país e reduzir as políticas sociais das quais dependem os setores mais vulneráveis.
O Senado Federal do Brasil convidou-me cordialmente a oferecer uma mensagem na sessão do dia 28 de abril, e ali transmiti minhas saudações e a preocupação com a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil. Lamentavelmente, a resposta dos senadores da oposição não foi levantar dúvidas sobre o processo que promovem, mas pedir que as palavras "possível golpe", contidas em minha breve mensagem, fossem cortadas da versão estenografada.
Após a sessão, tivemos um encontro com dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que nos manifestou sua preocupação com a situação do país, com o aumento do ódio, da intolerância e da descrença na política e na institucionalidade.
Steiner mostrou-se também aflito com a atitude da direção política opositora, que, na sessão da Câmara dos Deputados que aprovou o impeachment, permitiu que parlamentares fizessem apologia da ditadura e da tortura, sem sofrerem qualquer reprimenda. Ele teme que o clima exaltado das ruas transcenda os limites do respeito.
Por sua parte, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, de maneira muito respeitosa, transmitiu-nos sua inquietação diante de uma crise política de tal magnitude, que não se imaginava mais possível após a redemocratização do Brasil.
Encerrei minha visita compartilhando o Dia do Trabalho com os movimentos sociais que lutam para defender os direitos de nossos povos à terra, ao teto, ao trabalho e à democracia. A ansiedade desses grupos não é pouca, levando em conta que os deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária já estão pedindo a Temer que use as Forças Armadas para reprimir protestos sociais e desalojar assentamentos rurais e indígenas.
As organizações sociais brasileiras resistem com esperança, pois sabem que a luta é justa. Elas contam com a solidariedade de várias entidades internacionais. Não queremos mais golpes de Estado na América Latina.
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Chega de golpes na América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU