Por: Jonas | 04 Abril 2016
De 16 a 18 de março de 2016, a Casa do Trabalhador, no Bairro Sítio Cercado, em Curitiba-PR, acolheu representantes de Povos e Comunidades Tradicionais do Sul do Brasil, que se reuniram para a primeira etapa da Formação de Lideranças de Povos e Comunidades Tradicionais (Curso de Operadores de Direitos Étnicos e Coletivos). A iniciativa é fruto da demanda da Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais, que estabeleceu uma parceria com o Centro Jesuíta de Cidadania e Ação Social (CJCIAS/CEPAT), o Instituto Federal do Paraná, campus Paranaguá, a Universidade Federal do Paraná, setor litoral, e a Defensoria Pública do Estado do Paraná.
Fonte: CJCIAS/CEPAT |
O relato é de Jonas Jorge da Silva, da equipe do CJCIAS/CEPAT.
O curso não só é uma demanda dos movimentos sociais, como também é planejado e executado pelos mesmos, ou seja, é a própria coordenação política do curso quem decide e avalia os encaminhamentos necessários para se alcançar os objetivos propostos. Há uma equipe pedagógica que apenas tem a tarefa de facilitar a implementação da proposta, oferecendo possibilidades de metodologias e procedimentos de organização para as etapas de formação. Na opinião do pescador tradicional Cláudio Araujo Nunes, membro da coordenação política, "o curso vai servir para nós apreendermos a nos expressar perante nossas comunidades, conhecer as leis, planejar estratégias de luta, interagir com os outros segmentos tradicionais, sendo um aprendizado para todas as lideranças".
Diversos movimentos sociais aderiram com entusiasmo a proposta e enviaram seus representantes provenientes de diferentes cidades do Paraná, mais especificamente, mas também houve a participação de pessoas de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Onze movimentos sociais enviaram seus representantes: Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses, Federação das Comunidades Quilombolas do Paraná, Associação dos Ciganos Itinerantes do RS, Fórum Paranaense das Religiões de Matriz Africana, Povo Guarani Nhadewa-PR, Povo Laklano/Xocleng-SC, Movimento dos Ilhéus do Rio Paraná, Comissão Regional dos Atingidos pelo Deserto Verde, Movimento Aprendizes da Sabedoria (benzedeiras), Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral do PR e Associação de Ogans de Londrina e Região.
Toda essa diversidade de representantes permitiu uma rica troca de experiências, com seus diferentes enfoques culturais e territoriais. O faxinalense Hamilton José da Silva, do município de Pinhão, um dos coordenadores políticos do curso, destacou que se espera que “ao final do curso cada liderança saia com conhecimento de seus direitos para agir nas suas bases mediante a demanda de cada segmento”, salientando que “a gente aprende junto, uns com os outros. É um espaço diferente. Aqui apreendemos com nós mesmos, com os avanços, conquistas e dificuldades".
O curso será realizado durante todo o ano de 2016, sendo dividido em cinco etapas:
- De 16 a 18/03: Trajetória das Lutas Políticas dos Movimentos Sociais de Povos e Comunidades Tradicionais: Avanços, Limites e Desafios e Análise de Conjuntura;
- De 11 a 13/05: História crítica da luta e resistência pela terra no Brasil: Problematização das Lutas políticas de Povos e Comunidades Tradicionais no Sul do Brasil e Análise de Conjuntura;
- De 06 a 08/07: Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais – Panorama dos Instrumentos legais e estratégias locais e Análise de Conjuntura;
- De 14 a 16/09: Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais – Mecanismo de Consulta OIT 169 e Análise de Conjuntura;
- De 09 a 11/11: Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais – Mecanismo de Consulta OIT 169 e Análise de Conjuntura.
Fonte: CJCIAS/CEPAT |
Nesta primeira etapa, todos os movimentos sociais puderam fazer uma profunda reflexão acerca de suas trajetórias de lutas, compartilhando seus desafios atuais, mas também celebrando a caminhada feita até o momento.
Há dez anos, pouco se ouvia falar das reivindicações e da luta de povos e comunidades tradicionais no sul do país. Atualmente, estão em uma dinâmica de organização e de luta por seus direitos, buscando o reconhecimento do Estado para as suas demandas e defendendo o seu próprio modo de vida. Tudo isto é motivo de esperança para todos nós.
Infelizmente, o mundo vive, hoje, uma profunda crise socioambiental, fruto de um sistema econômico, político e cultural capitalista, que tem deixado suas marcas de destruição na forma como os diferentes povos e culturas se organizam. Os mais atingidos pelas consequências desta crise são os pobres, que são as principais vítimas da desigualdade econômica, que concentra as riquezas nas mãos de uma minoria. Na roda da máquina capitalista, a atual sociedade de consumo é mantida sob o custo de uma utilização predatória dos recursos naturais, que já provocou a extinção de diferentes espécies, e é fortemente coagida a se limitar a um processo de homogeneização cultural, que impacta diretamente na forma como povos e comunidades tradicionais historicamente organizam sua forma de viver, trabalhar e cuidar dos recursos naturais no seu entorno.
Neste sentido, é preciso se fortalecer para resistir e forjar um mundo novo. É por isso que a maior parte do curso estará voltada ao estudo dos direitos de Povos e Comunidades Tradicionais. Como bem frisou o defensor público estadual Wisley Rodrigo dos Santos, é missão constitucional da Defensoria Pública lutar pela efetivação dos direitos fundamentais das populações ditas vulneráveis. Todas essas comunidades tradicionais passam por inúmeras violações de direitos. E a Defensoria Pública tem que dar sua parcela de contribuição para que essas comunidades efetivem seus direitos, seja de forma extraprocessual ou até judicial. Além do que, o fortalecimento da Defensoria Pública do Paraná passa, necessariamente, por torná-la conhecida entre os seus usuários mais vulneráveis".
Tendo em vista o momento de crise econômica e política do país, ainda durante a primeira etapa do curso, representantes destes movimentos sociais se manifestaram a partir de um documento intitulado: "Carta Aberta contra o golpe e em defesa da democracia”. Na carta eles ressaltam a convicção de que “qualquer ruptura com o frágil e ainda pouco eficaz processo democrático, atingirá de forma mais grave o conjunto dos povos tradicionais”. Além disso, afirmaram: “somos a favor da investigação de todos os casos de corrupção, mas não ao uso oportunista disso para impor uma agenda antipopular que penalize ainda mais nossos povos”.
Muita coisa boa ainda virá desse processo de formação, vivências e trocas de experiências entre estes sujeitos, que ousam resistir em suas lutas, mesmo sob a permanente perseguição e ameaça dos grandes interesses do Capital.
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Povos e Comunidades Tradicionais do Sul do País: encontro, partilha e esperança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU