15 Março 2016
Na Praça da Vitória, em Atenas, onde mora um número cada vez maior de imigrantes, acontece um duvidoso comércio noturno. Aos sábados, enquanto um homem grande, de meia-idade, passeava com seu cachorrinho, um menino afegão o indicou a seu novo amigo, Abdul Waris. “Ele é um dos que vêm aqui à noite”, disse o menino. Os olhos de Abdul arregalaram-se. “Tudo bem. Eles não querem menores – levam para casa os rapazes que quiserem ir e lhes dão um chuveiro e 10 ou 15 euros para fazer sexo. Alguns vão, os que não têm mais dinheiro.”
A reportagem é de Tracy McVeigh e Helena Smith, publicada por The Observer, 15-03-2016.
Esse comércio em ascensão é possível porque, em uma praça que hoje é sinônimo da crise de imigração que arrasa a Grécia, e onde dois paquistaneses se enforcaram em uma árvore na quinta-feira da semana passada, muitos estão ficando sem dinheiro.
Há mais de 25 mil refugiados e migrantes bloqueados na Grécia, segundo fontes policiais. As fronteiras foram fechadas uma a uma, deixando o país sob o risco de se tornar o que o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, chamou na semana passada de “um depósito de almas”.
Tsipras ameaçou bloquear os futuros acordos da União Europeia e chamou de volta seu embaixador na Áustria, em protesto pela falta do apoio que recebeu de outros países nesta crise. A Áustria só está aceitando 80 migrantes por dia.
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, pretende realizar um referendo sobre as cotas compulsórias de migrantes. Macedônia, Croácia, Sérvia e Eslovênia estão se recusando a aceitar afegãos e outros refugiados que não são considerados de zonas de conflito, e aceitam no máximo 580 migrantes por dia.
A chanceler alemã, Angela Merkel, parece estar apostando tudo em uma crucial cúpula UE-Turquia, marcada para 7 de março. Enquanto isso, em Atenas, milhares de homens, mulheres e crianças desesperados vivem nas ruas, sem ideia do que fazer a seguir.
Abdul chegou sozinho à Praça da Vitória por volta das 7 horas, quando as 200 a 300 pessoas que dormem aqui começavam a acordar, enroladas em seus cobertores cinza, para enfrentar mais um dia de espera. Ele deixou o Afeganistão há dois meses e fala em se reunir com sua irmã Mina, que mora na Alemanha há seis anos. Sua mãe morreu e seu pai voltou para Cabul.
“Tenho 13 anos e oito meses”, diz ele. “Estou sozinho.” Ele aprende os truques com outros afegãos. A caixa de fusíveis verde que foi arrombada é onde se pode carregar os celulares. Mostram-lhe o café cujo dono não os deixa se aproximar e o outro, mais amigável, onde podem usar o banheiro desde que tomem e paguem um café. Também há a árvore e o arbusto que são usados quando não dá para tomar café. Ninguém lhe mostra a árvore onde os dois homens se enforcaram.
“Foi muito chocante, inesperado. Eles não disseram que iam fazer isso − de repente saltaram. Um deles morreu, parece. O outro continua no hospital”, disse Shakib Sharzai, outro afegão.
Ao meio-dia os cobertores estão bem dobrados, em pilhas ao redor da praça. Muitas pessoas chegam dos lugares onde dormiram, nas ruas ou em prédios invadidos, hospedarias e abrigos nas proximidades. Elas se sentam ao sol, aquecendo os ossos.
A convergência de duas crises − a chegada de refugiados e o drama da dívida que abala o país nos últimos seis anos − fez que a retórica da catástrofe ganhasse força em Atenas e outros lugares. Depois do anúncio pela Comissão Europeia na sexta-feira de que, após o fechamento de fronteiras, ela foi obrigada a implementar um plano de ajuda humanitária para a Grécia, há uma sensação inevitável de desgraça iminente.
“Foi difícil para o governo gerir a crise econômica da própria Grécia”, diz Dirk Reinermann, gerente de projeto para a Europa Meridional no Banco Mundial. “O novo desafio exógeno de ter de lidar com refugiados e migrantes é tamanho que a tarefa geral em nossas mãos beira o impossível.”
Enquanto diplomatas da UE falavam sobre o cenário de pesadelo de ver centenas de milhares de pessoas emperradas no país até maio, analistas previam que o flanco meridional da Europa poderá em breve ser envolvido em cenas de caos e enormes dificuldades sociais.
“Vai piorar muito antes que melhore”, afirma Thanos Dokos, que dirige o Eliamep, um importante grupo de pensadores gregos. E explica: “Corremos o risco de ver uma economia sem qualquer esperança de recuperação, e o país sendo inundado por pessoas que não têm intenção de ficar em acampamentos, mas [tentarão] chegar às fronteiras, onde não há locais ou instalações para abrigá-las”.
Na Praça da Vitória, os gregos caminham de um lado para outro, muitos com sacos de comida, laranjas e pão. Às 8 da manhã de sábado, Thanassis, dono de um restaurante em Kaisariani, perto da cidade, trouxe recipientes com sopa de peixe. Pouco depois, um homem de 76 anos chegou com quatro sanduíches. “Ele traz sanduíches quando pode, mas realmente não consegue com frequência”, informa Evangelia Papagiannidou, uma ex-cineasta e professora de Atenas. Ela costumava trazer pão velho para alimentar os pombos e gatos na praça. Hoje alimenta pessoas. “A maioria das padarias me dá o que ia jogar fora. Em algumas eu tenho de dizer que é para minha família. Um filho da mãe na esquina despeja cloro no pão que joga fora.”
As pessoas pegam só um pouco quando lhes oferecem comida. Muitas crianças se sentam com sacos de doces fechados a seu lado. Um curdo idoso aproxima-se e mostra a Papagiannidou seu ouvido, que foi mordido por algum roedor enquanto dormia. Ela lhe dá creme para passar no ferimento.
O varredor de rua chega e retira as garrafas plásticas de água e outros detritos. A cidade removeu os latões de lixo e um banheiro da praça, para não incentivar as pessoas a ficar aqui. Mas elas não têm mais para onde ir, um acampamento próximo da cidade está lotado.
Dizer que os gregos acham que a Europa poderia fazer mais é pouco. Houve protestos pacíficos em Atenas e em Pireu, e outro diante da embaixada austríaca em Atenas. Não muitas das pessoas que estão na Praça Vitória foram à manifestação. “A Europa tem de decidir se pode nos ajudar. Nós dizemos apenas: ‘Abram as fronteiras’. Não queremos ficar aqui sentados”, diz Sharzai, evitando educadamente um homem de uma igreja evangélica que tenta lhe empurrar uma Bíblia. “No meu país há o Estado Islâmico, o Talebã, as bombas todos os dias e nada de empregos”, acrescenta. “O EI anuncia no rádio, oferece dinheiro às pessoas que aderirem, muito dinheiro, e mata os homens que não aceitam. Esse grupo está a apenas 100 quilômetros de Cabul. Por isso fugi. O que posso fazer?”
Aneesa, do Afeganistão, foi trazida de volta de ônibus da fronteira da Macedônia, depois de esperar lá por três semanas com sua família, na esperança vã de passar a fronteira. “É difícil ter de voltar, quando tudo o que você quer é seguir adiante”, diz. Seu marido olha o chão. Ela tira uma laranja de um saco para dividir entre seus três meninos pequenos. “É o suficiente, porque você sabe, banheiro...”, diz com um sorriso envergonhado.
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Na Grécia, a crise moral da Europa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU