09 Março 2016
Nesta etapa foram analisados três estudos de caso, dentro do projeto “Promovendo Agricultura em Rede”, que a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) promove em todo o país – 18 estudos no total. O primeiro na Comunidade Aguapés, 25 km de Osório, de 23 há, da família Silveira da Costa; o segundo na Comunidade Rio da Panela, a 8 km de Mampituba, da família Souza e o terceiro na Comunidade Retiro, a 8 km de Três Forquilhas. Todos produzem banana e tem apenas um descendente ainda na propriedade.
O primeiro é especializado, o segundo agroecológico diversificado e o terceiro diversificado com o protagonismo da mulher. Os três agroecossistemas passaram pela transição, saindo da produção convencional, com o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos, para a orgânica, com certificação. Os três participam da Rede Ecovida de Agroecologia. A pesquisa foi realizada por Gustavo Martins, da Ação Nascente Maquiné.
A reportagem é de Najar Tubino, publicada por Carta Maior, 07-03-2016.
“A agroecologia tem sido um caminho de liberação de áreas até pouco tempo consumidoras de agrotóxicos e fertilizantes e, este processo foi definitivo para a redução da contaminação do solo, das águas e também à exposição de quem produz e quem consome”, registra a pesquisa.
Comercialização com atravessadores
A região recebeu famílias de imigrantes europeus e viveu em função dos ciclos econômicos estabelecidos. A falta de terra é um dos maiores problemas, porque a faixa entre o litoral e a serra é estreita, e os agricultores acabaram desmatando as encostas, primeiro plantando cana-de-açúcar e mais recentemente a banana. A produção para o autoconsumo sempre esteve presente no cotidiano dessas famílias. Formação de pomares, criação de galinhas e porcos e gado leiteiro. Entretanto, a produção convencional sempre esteve sujeira a atravessadores e aos desequilíbrios do mercado. Isso define os períodos de êxodo rural e a procura atividades fora da propriedade.
“A produção para o autoconsumo, a baixa dependência da força de trabalho externa aliados a baixos custos de produção e consumo intermediário são características dos três casos, assim como a tendência de garantir maior autonomia frente ao processo produtivo”, relata Gustavo Martins.
Protagonismo das mulheres
O método dessa pesquisa envolve uma série de questões, a começar pela tipologia das propriedades: é analisado o tamanho da área, emprego da mão de obra, nível de especialização, tipos de técnicas empregadas. Mais as mudanças que ocorrem ao longo do tempo, na forma de usar os recursos naturais, na infraestrutura, na forma como os agricultores e agricultoras se organizam, as leis que dificultam ou apoiam a agricultura; o destino final dos produtos e a forma de comercialização e a maneira de acessar conhecimento. Todas essas questões são discutidas em oficinas entre técnicos, associados de organizações sociais, agricultores e agricultoras. A seguir vão a campo coletar as informações.
O terceiro núcleo social, conforme a definição da pesquisa evidencia o protagonismo das mulheres na agroindústria familiar, basicamente, processamento de frutas nativas – palmeira juçara – e a produção de panificados e a farmácia coletiva, uma das atividades da Associação das Mulheres Agricultoras de Três Forquilhas (AMADECOM). É um trabalho voluntário para produção de fitoterápicos. A participação no Movimento das Mulheres Camponesas e em diversas capacitações das organizações da região, como o Centro Ecológico e a ANAMA. Em 2014, os integrantes do núcleo participaram do curso de Açaicultor oferecido pelo PRONATEC, realizado na escola da comunidade. E depois acessaram o Pronaf para montar a agroindústria.
Todos acessaram as políticas públicas
“- Há sete anos a agroindústria vem se estruturando para regularizar suas atividades: processamento dos frutos da Juçara, panificados, produção de geleia de frutas nativas, picadinhos de legumes. Produção foi vinculada ao programa do governo estadual Sabor Gaúcho, possibilita a comercialização de produtos agroindustrializados regularizados por pessoa física, com talão de produtor rural, desde que a matéria prima venha da propriedade” relata Gustavo Martins.
Os três núcleos também acessaram várias políticas públicas, como o PNAE e PAA na comercialização e o Programa Mais Alimentos para aquisição de pequenos tratores, o que é um alívio no trabalho diário no bananal – um cacho de banana pesa mais de 10 quilos e é colhido morro acima. Todas as famílias mantêm juntas de bois usadas na preparação da terra e na retirada dos produtos da roça. Uma delas cedeu para um dos filhos. A transição agroecológica, com a certificação da Rede Ecovida, provocou uma mudança na lógica da comercialização da banana.
Antes o atravessador estipulava o padrão da banana – grande e amarela -, que na prática impõe o uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos. A passagem para a certificação orgânica demora dois anos em média, quando no início cai a produtividade do bananal. Hoje em dia, os agricultores e agricultoras da região conseguem vender a banana orgânica quase pelo dobro do mercado convencional em feiras, nas lojas das cooperativas, ou em pontos, como o de Caxias do Sul, onde são comercializados 10 a 12 toneladas por semana. Uma das cooperativas também negocia com a rede gaúcha de supermercados Zaffari.
Integração social mais evoluiu
A integração social foi um dos índices da pesquisa de maior evolução ao longo do tempo na história das famílias e das comunidades. É um reflexo da construção social do território, que disseminou o conhecimento técnico, a integração entre as famílias, diversificou a produção para o autoconsumo, com o aproveitamento das frutas nativas, a manutenção da Mata Atlântica e a conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. O valor agregado que as famílias obtiveram também é acompanhado pela redução no custo de produção, em consequência da dispensa no uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos.
“Se a Monsanto dependesse de mim para comprar um litro de veneno ia morrer de fome”, comenta Dirceu Gonçalves Felal, agricultor de Mampituba que participou das duas horas de conversa no bananal de Paulo Cesar Silva e Cláudia. A agroecologia para estas comunidades é um caminho único, não tem volta.
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Caravana no RS: a marca da transição agroecológica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU