24 Fevereiro 2016
O debate sobre o tema ocorreu na Fundação Perseu Abramo, dentro do Ciclo de Debates – Uma agenda democrática para o Brasil Rural, realizado em parceria com a Fundação Friedrich Ebert Stitfung (FES), no dia 22 de fevereiro em São Paulo. A questão ambiental, a posição do Brasil diante do mundo, os reflexos na política interna e no desenvolvimento das populações do campo, tanto indígenas, como quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, ou que fazem parte dos 16,2 milhões de brasileiros que ainda continuam na extrema pobreza – 47% na zona rural.
A reportagem é de Najar Tubino, publicada por Carta Maior, 23-02-2016.
“- A persistência das crises econômica e ambiental coloca na ordem do dia o repensar dos padrões de produção e consumo e estimula uma retomada em novas bases do debate sobre o desenvolvimento das nações. Questões como o desmatamento, contaminação dos solos, água e alimentos pelo uso de agrotóxicos geram conflitos ambientais e afetam a saúde dos trabalhadores e da população, além dos conflitos abertos com territórios indígenas e quilombolas pela incorporação de novas terras. Os efeitos já visíveis das mudanças climáticas pressionam os países a assumirem novos compromissos internacionais e a criarem as condições para o desenvolvimento sustentável, abarcando suas dimensões econômica, social e ambiental”.
Desafio de estabelecer um novo desenvolvimento rural
O trecho faz parte do conceito do ciclo de debates, que pretende discutir as novas funções da agricultura, o uso e gestão de recursos naturais e sobre as formas de viver e produzir no meio rural. O Brasil enfrenta o desafio de estabelecer novas bases para o desenvolvimento rural. Justamente a definição maior é essa: desafio. Participaram da mesa Carlos Guedes, secretário do Ministério do Meio Ambiente para o extrativismo e desenvolvimento rural, Luiz Antonio Carvalho, assessor especial do MMA, Nilto Tatto, deputado federal do PT, Carmem Priscila Boschi, do MDS e Juliana Speranza, do MDS. Entre os participantes representantes da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar, do Movimento dos Sem Terra, da Central Única dos Trabalhadores entre outros.
O ponto de partida é o documento Plano Nacional de Adaptação ao Clima, que envolve os setores importantes da economia, reuniu representantes da sociedade civil, de vários ministérios, e o volume atualizado tem 329 páginas. É a posição do Brasil diante do mundo, onde 36% das emissões de carbono serão reduzidas até 2025 e 43% até 2030. São metas, como ressaltou Luiz Carvalho. No caso da agricultura o problema brasileiro maior são as estratégias do agronegócio e das corporações para implantar suas políticas independentes das ações governamentais, muitas delas dependentes das ações dos governos estaduais e dos municípios. O Plano ABC lançado pelo Ministério da Agricultura há dois anos prevê uma série de alterações estratégicas, como retomar terras degradadas, incentivar o plantio direto, e recuperar áreas permanentes de preservação ambiental – inclui fontes de água, solo e vegetação.
Propostas não saem do papel
O problema é a distância entre as estratégias governamentais e a realidade no campo. Isso foi tema constante no debate. Como disse o deputado Nilto Tatto “precisamos trazer para a política interna o que defendemos na proposta internacional”. O uso da terra está no bojo da proposta brasileira, acentuou Luiz Carvalho. Os representantes da Fetraf e do MST rebatem: se não há reforma agrária, se as políticas públicas em benefício dos assentados não saem do papel, como falar em novo desenvolvimento rural? O próprio Tatto acabara de voltar de uma viagem no eixo Bauru-Araçatuba onde encontrou seis mil acampados na beira de estradas, em São Paulo. São 130 mil no Brasil.
Claro, insistiram os representantes governamentais, o Brasil não pode abrir mão do agronegócio, das suas divisas, dos dólares da balança comercial. A questão é: se vamos discutir um novo modelo de desenvolvimento rural o primeiro ponto é quanto custa o modelo do agronegócio, se contabilizarmos os prejuízos ambientais- água, solo, biodiversidade, envenenamento por agrotóxico. A oportunidade de discutir a questão frente às mudanças climáticas, como ressaltou Juliana Speranza, é traçar caminhos novos, que questionem a fórmula atual: soja, algodão, milho, eucalipto, cana e boi, expansão das fronteiras agrícolas no cerrado – a caixa d’água do Brasil- e da pecuária na Amazônia.
Perda de terras com as mudanças climáticas
O Plano Nacional de Adaptação ao Clima, na parte da agricultura, enfatiza a necessidade de inovação tecnológica, de desenvolver alternativas que permitam aos agrossistemas se adaptar aos novos cenários climáticos. Além de elevar a produtividade por área dos sistemas de cultivo de produtos alimentícios e de pastagens. Esse é o discurso do agronegócio. Significa mais transgênico, mais fertilizante nitrogenado, mais agrotóxicos. A fórmula das corporações é uma só: lucro para os acionistas. Um trecho do Plano de Adaptação ao Clima:
“- Poderá ocorrer no Brasil, em função das mudanças climáticas uma redução de até 10,6 milhões de hectares de terras destinadas à agricultura em 2030. Com reduções das áreas de florestas e matas nos estabelecimentos agrícolas, com aumento de áreas de pastagem. A diminuição das áreas de baixo risco climático para o plantio de produtos alimentares, como arroz, feijão e mandioca”.
Sem risco de retrocesso
Também haverá aumento da temperatura. Isso já é uma realidade regional no Brasil em 2016. O novo paradigma que os movimentos sociais querem discutir e implantar está ligada a defesa dos territórios da reforma agrária, dos indígenas e dos quilombolas – situação congelada no momento – o lançamento do II Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, para se constituir uma linha alternativa de desenvolvimento rural.
“- Para a criação de sistemas agrários resilientes é importante a promoção de estratégias de adaptação baseados no fortalecimento tanto das comunidades como dos ecossistemas”, como registra outro trecho do documento oficial na parte da soberania alimentar e nutricional.
Com uma ressalva: “não pode existir risco de retrocesso nas conquistas recentes da promoção da política de soberania alimentar e nutricional do país, por conta dos efeitos negativos das mudanças do clima”.
O resto, como disse Luiz Antônio Carvalho vai ser embate entre conservadores e as forças do campo democrático, tanto no Brasil, como no restante do mundo, para assegurar uma transição, se é que teremos tempo para isso, de um sistema capitalista carbonizado e outro tipo de desenvolvimento para as nações. No caso, o carbonizado, sintetiza a essência do atual modelo econômico: concentrador de renda, poluidor, contra a inclusão social, sendo que os maiores atingidos estão nas regiões rurais. O debate continua dia 21 de março no auditório da Fundação Perseu Abramo com o tema “Direito a terra e ao território”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Mudanças climáticas e desenvolvimento rural sustentável - Instituto Humanitas Unisinos - IHU