13 Janeiro 2016
A Igreja Católica gasta milhões de dólares neozelandês fornecendo pensões, moradia e assistência médica particular a padres pedófilos condenados.
A Arquidiocese de Melbourne sozinha apoia financeiramente seis ex-padres que foram condenados por crimes sexuais cometidos contra crianças.
A reportagem é de Chris Vedelago e Cameron Houston, publicada por The Age, 10-10-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Sem querer, os paroquianos estão financiando parcialmente esta assistência por meio de suas doações, que, segundo acham, são destinadas à igreja local ou para o fundo que mantém os sacerdotes aposentados.
Os livros de registro da Igreja mostram que dois dos pedófilos, os padres Wilfred Baker e David Daniel, receberam milhares de dólares em pensões anuais.
As vítimas deles receberam pagamentos excepcionais de 31 mil a 37 mil dentro do programa de reparação “Melbourne Response”, promovido pela Igreja local.
Segundo documentos entregues à Comissão Real para Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantil, a decisão de continuar financeiramente apoiando estes ex-padres foi tomada por importantes figuras eclesiásticas em Melbourne e pelo principal conselho consultivo do Vaticano, a Congregação para a Doutrina da Fé – CDF.
Uma porta-voz da Arquidiocese de Melbourne disse que a Igreja está atualmente dando apoio a seis padres com condenações criminais decorrentes de crimes sexuais infantis, incluindo quatro que já foram laicizados ou excomungados.
Nove outros padres receberam pensões, auxílio-moradia ou assistência médica privada depois de suas condenações até a sua morte. Muitos deles também haviam sido excomungados.
“Queremos enfatizar que o processo, como era ao longo das décadas de 1990 e 2000 mudou significativamente ao ponto de agora este apoio financeiro é de uma natureza extremamente modesta”, disse Shane Healy, diretora arquidiocesana de imprensa e comunicações.
De acordo com o Direito Canônico, a Igreja é obrigada a sustentar todos os padres aposentados e em idade avançada, mas o auxílio fornecido a padres condenados está agora “bastante baixo”, informou Healy.
Entre os que receberam o auxílio vitalício estava o Pe. Wilfred “Bill” Baker, que molestou pelo menos 21 crianças.
A Igreja recebera queixas contra ele já em 1978. Ele se declarou culpado em 16 casos de atentado ao pudor e 1 por atentado violento ao pudor em 1999.
No ano anterior, Baker recebeu a autorização para se “aposentar”, o que é um eufemismo que a Igreja regularmente usava para os padres que estavam sob acusações de abuso sexual.
A Priests Retirement Foundation, fundação dedicada aos padres aposentados, pagou a Baker uma pensão e um auxílio-moradia na casa dos 21 mil dólares anuais, bem como cobriu as parcelas de seu carro, o registro e os seguros médico e automotivo. A Igreja acredita que Baker foi o único sacerdote a alguma vez receber auxílio financeiro para o carro.
Ajustado de acordo com a inflação, a pensão e os valores de moradia estariam na casa dos 33 mil dólares anuais.
Em 2010, o auxílio esteve condicionado a Baker obedecer um acordo que o proibia de sair de casa sem permissão, aproximar-se de crianças ou adolescentes, celebrar missa em público ou “chamar a atenção para si”.
Morreu em 2014 prestes a enfrentar novas acusações.
Diferentemente, as vítimas de Baker receberam um pagamento indenizatório médio de apenas 33 mil dólares dentro do programa Melbourne Response.
Nem todos os padres tiveram o mesmo tratamento, mas o compromisso da Igreja com eles era vitalício. Nenhum suporte financeiro alguma vez lhes foi dado enquanto estiveram na prisão.
O Pe. Desmond Gannon foi condenado por crimes sexuais em cinco ocasiões diferentes ao longo das últimas duas décadas – em 1995, 1997, 2000, 2003 e 2009 – e a Igreja cuidou dele até a sua morte.
Em muitos casos o apoio incluiu uma pensão, uma renda mensal e seguro saúde privado.
Em 2002, a arquidiocese diminuiu os pagamentos em reconhecimento de que o nível do apoio dado “não estava mais apropriado” ou condizente com a “resposta da Igreja às questões relativas aos abusos de poder e confiança”.
Um outro padre condenado, David Daniel, foi informado no mesmo ano que o seu salário seria reduzido a 12 mil anuais.
Mas reduzi-los a nada nunca foi considerado uma opção.
Em 2011, Dom Denis Hart fez uma petição para que Gannon fosse excomungado pelo Vaticano porque havia “perpetrado um enorme mal” e a sua presença na Igreja era “motivo de escândalo aos fiéis”.
“Eu realmente creio que um desligamento é imperativo, ainda que não vamos negar uma assistência a ele em sua idade avançada”, escreveu o arcebispo.
A CDF recusou o pedido por duas vezes devido a preocupações a respeito de sua “idade avançada e de sua fraqueza”.
Gannon morreu em abril de 2015 em um centro de saúde para pessoas idosas que custava 21 mil dólares anuais.
Comparativamente, as 22 vítimas conhecidas do padre receberam, em média, um pagamento de apenas 33 mil dólares dentro do Melbourne Response.
A Igreja também continuou a sustentar Michael Glennon por quase quatro décadas contando desde a sua prisão em 1978, o período em que foi excomungado em 1999 até sua morte há dois anos.
O contraste no tratamento entre as vítimas de abuso e os perpetradores indignou Anthony Foster, pai de duas das 49 vítimas do Pe. Father Kevin O’Donnell.
A igreja ofereceu 50 mil dólares em indenização pelo trauma sofrido por uma de suas filhas. O’Donnell, por outro lado, ficou elegível para uma pensão e auxílio-moradia desde a sua “aposentadoria” como pastor emérito em 1992, passando pela condenação em 1995 até sua morte em 1997.
Esta designação deu ao padre aposentado uma remuneração e subsídios adicionais por causa do seu prestígio.
“É horrível pensar que ofereceram a Emma somente 50 mil dólares como uma forma de seguir em frente no resto de sua vida, enquanto que a Igreja estava disposta a sustentar um padre que sabiam ser condenado e que não merecia nada mais do que ir ao mundo e se defender por si próprio, tão logo estivesse fora da prisão”, disse Foster ao The Sunday Age.
As vítimas do Pe. O’Donnell receberam uma indenização média de 31 mil dólares cada dentro do programa Melbourne Response.
Documentos entregues à Comissão Real também detalham como os líderes católicos do passado e atuais – inclusive Cardeal George Pell – tiveram um papel ativo na criação do sistema de auxílio.
Em setembro de 1996, Pell, então arcebispo de Melbourne, presidiu uma reunião que tratou a forma como três padres encarcerados – Desmond Gannon, Kevin O’Donnell e Michael Glennon – “poderiam ser ajudados” depois de libertos.
Lê-se na ata: “Há a possibilidade de um lugar (um apartamento independente) em Box Hill. O Pe. McMahon mencionou a necessidade de um tratamento apropriado e foi convidado pelo arcebispo para propor o que se necessita para auxiliá-los”.
Mais tarde, a Comissão Real descobriria que os mecanismos financeiros de Gannon foram orquestrados de tal forma que o “apoio não ficasse propenso a se tornar público”.
O então arcebispo George Pell também pessoalmente ordenou que Wilfred Baker recebesse uma pensão top de linha de um pastor emérito em 1998, apesar de estar ciente de seus crimes.
Naquele mesmo ano, ele igualmente sancionou pagamentos para o suspeito de pedofilia Peter Searson, dizendo-lhe que estava apto aos mesmos benefícios como “os padres em circunstâncias semelhantes às dele”.
O Priests Retirement Fund, que, na maior parte, é financiado pelas contribuições dos paroquianos, era a entidade usada para sustentar até pouco tempo os sacerdotes condenados. A Arquidiocese de Melbourne diz que ela agora é quem lida com estas coisas.
“Os bispos têm a obrigação de fornecer um suporte mínimo de vida a todos os padres, independentemente de quem eles são”, declarou Dom Hart diante de uma investigação parlamentar sobre abusos sexuais em 2013.
A Igreja não quis comentar sobre o custo total do apoio aos 15 padres que foram condenados por crimes de abuso sexual ou pelos outros 15 padres que foram identificados como abusadores, mas que nunca foram condenados por um tribunal.
No total, a cifra deve estar na casa dos vários milhões de dólares, tendo-se como base os pagamentos sabidos feitos a uma parte dos sacerdotes.
Um representante da arquidiocese afirmou que o nível do apoio dado aos padres condenados era determinado caso a caso, mas que agora estava “menor”.
“Manteve-se o seguro médico particular para garantir que estes sacerdotes não sejam um fardo aos contribuintes, e cada circunstância financeira deles é revista, com as decisões feitas segundo a capacidade deles de cuidarem de si. Em alguns casos, a arquidiocese garantiria uma acomodação num nível modesto”, disse Healy.
“Ninguém que está encarcerado recebe auxílio ou benefícios enquanto estiver na prisão”.
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