16 Outubro 2015
Reformular a linguagem com liberdade, saber fazer a pergunta mais oportuna e encontrar a força para levantar os olhos e olhar "além do muro" ainda são palavra viva do magistério de Carlo Maria Martini, profeta de uma "Igreja em saída".
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, leigo casado, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 14-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No debate que está se desenvolvendo com cada vez maior intensidade no Sínodo, as palavras dos Padres sinodais testemunham a força e a beleza do debate eclesial, que leva todos aqueles que entram no debate a experimentar a escuta e a conversão. Não só a mudar as respostas, mas também a reformular diferentemente as perguntas.
Relato aqui um trecho da última entrevista do cardeal Martini, que eu citei como ponto de partida para escrever o meu texto reunido no belo livro editado por Marco Vergottini, Martini e noi.
Pode ser útil a todos, especialmente nesta rica passagem sinodal, defrontar-se com a força o poder das suas perguntas e com a liberdade das suas respostas.
Perguntar com autoridade, responder com liberdade
"Levamos os sacramentos às pessoas que precisam de uma nova força? Eu penso em todos os divorciados e nos casais em segunda união, nas famílias ampliadas. Eles precisam de uma proteção especial. (…) A questão sobre se os divorciados podem comungar deve ser invertida. Como a Igreja pode ajudar com a força dos sacramentos aqueles que têm situações familiares complexas?" (Carlo Maria Martini [1])
Nesse trecho da última entrevista de Carlo Maria Martini, aparecem de modo luminoso algumas características especiais do seu magistério teológico e pastoral: a liberdade de expressão, a capacidade de uma autêntica e raríssima "conversão do perguntar" e a visão profética na direção de um futuro renovado.
Essas três características são correlatas entre si e interdependentes. Não há liberdade de expressão se não se sabe formular a pergunta de modo novo; e não há verdadeira novidade se não se lê o presente à luz do futuro.
Gostaria de me deter em cada um desses aspectos do magistério de Martini.
Liberdade de expressão: ela é possível somente sob a autoridade de uma Palavra indizível, mas mil vezes dita e redita, ouvida, anunciada, rezada, sussurrada, cantada, meditada. Na escola da Palavra, que é escola de textos e de gestos, de páginas de papel e de compaginações de carne, amadurece um frescor de linguagem e uma surpresa no olhar. Com a consciência, secreta mas contagiosa, de que a verdade do texto não está "atrás", mas "à frente" dele.
Saber converter a pergunta: quanto precisamos, mesmo hoje, dessa capacidade – realmente evangélica – de responder com uma grande conversão do perguntar! Ouvindo o cardeal Martini, sempre acontecia este milagre: as perguntas mais comuns adquiriam uma profundidade diferente, uma força desconhecida e emergiam do tecido da experiência com renovada autoridade e com inesperada pertinência. Mas isso tinha como consequência uma verdadeira conversão. Sobretudo sobre os temas "candentes" da relação entre fé e experiência, essa grandiosa capacidade de reformulação tinha, como resultado, uma extraordinária simplificação, uma descoberta da lógica elementar do Evangelho e do discipulado. A reformulação do perguntar, purificando o ar, aguça a vista e todos os sentidos. Tornamo-nos, à luz desse novo perguntar, capazes de uma percepção mais direta e mais imediata do próprio Evangelho.
Saber olhar mais longe: por fim, os dois primeiros "movimentos" tinham, como resultado, uma purificação e uma potencialização do olhar, um olho mais agudo e uma visão mais perspicaz. Esse olhar profundo podia, em alguns casos, parecer surpreendentemente "inatual". Ele nunca tinha a atualidade da fofoca, nunca caía no consenso do lugar-comum. Ao contrário, podia detectar, profeticamente, o grave atraso das perguntas banais e das respostas óbvias, incapazes de captar as novas dinâmicas da sociedade e as novas exigências dos fiéis.
Reformular a linguagem com liberdade, saber fazer a pergunta mais oportuna e encontrar a força para levantar os olhos e olhar "além do muro" ainda são palavra viva do magistério de Carlo Maria Martini. Que, talvez, por isso, também podia ver a Igreja "atrasada em 200 anos", mas não com o tom derrotista, que até mesmo algumas "autoridades" ousaram criticar nele (justamente nele!), mas com o tom do profeta sábio e pacato. Profeta de uma "Igreja em saída", que laboriosamente tenta sair, acima de tudo, do seu velho perguntar, mas ainda mais do seu velho responder.
Nota:
1. Trata-se da entrevista que P. G. Sporschill e Federica Radice realizaram com o cardeal no dia 8 de agosto de 2012 e que foi publicada no jornal Corriere della Sera no dia depois da sua morte, 1º de setembro de 2012. A tradução dessa entrevista, realizada pela IHU On-Line e publicada poucos dias depois do original em italiano, está disponível aqui.
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O que Carlo Maria Martini diria no Sínodo? Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU