14 Agosto 2015
Ator será ouvido nesta quinta pelo MP depois das declarações dadas ao programa "Agora é Tarde", da TV Bandeirantes. Ele nega o crime e abriu processos contra quem pediu sua responsabilização
O texto é de Sâmia Bomfim, servidora da USP, integrante do coletivo Juntas! e da Secretaria de Mulheres do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), publicado por CartaCapital, 13-08-2015.
Quando recebi a notificação para depor no 2º DP de Cotia, custei a acreditar que fosse verdade. Mas era isso mesmo: Alexandre Frota havia entrado com uma denúncia contra mim por calúnia e difamação. Em maio, criei um evento no Facebook para reunir as pessoas que estavam indignadas com a declaração que ele havia dado no programa Agora é Tarde, da Band, quando afirmou que fez sexo sem consentimento com uma mãe de santo. Segundo Frota, eu inventei que ele estuprou uma mulher e isso gerou uma série de problemas pessoais e profissionais para ele. Na época, ele me procurou no Facebook para me intimidar, mas jamais pensei que ele iria tentar me incriminar diante desta situação.
O vídeo pode ser visto aqui. Qualquer um pode ter acesso a seu conteúdo e tirar suas próprias conclusões. Não fui a única, tampouco a primeira, a se indignar e pedir algum tipo de punição para Frota na época. Uma série de páginas, ativistas, coletivos, personalidades, parlamentares e veículos de comunicação se manifestaram também.
Essa situação é muito absurda. Ele quer sair do papel de culpado para o papel de vítima. Quer criminalizar quem se indignou com seu relato em rede nacional. Estupro é crime, denunciar é um direito.
Na época, várias entidades entraram com um pedido de investigação no Ministério Público. Tivemos uma primeira conquista. Nesta quinta-feira 13 acontece sua audiência no Ministério Público de São Paulo. Frota terá de responder por incitação ao crime e violência de gênero. Feministas organizam um ato para pedir sua punição e em repúdio ao processo que ele está movendo contra mim.
No Brasil, uma mulher é vítima de violência sexual a cada 12 segundos. A mídia em geral cumpre com um papel muito negativo de naturalização da violência contra a mulher. É hábito no País a exibição de cenas em novelas e programas de TV com mulheres sendo assediadas e agredidas. Não são raros apresentadores e “comediantes” que fazem supostas piadas com conteúdo opressor. O próprio apresentador do programa Agora é Tarde, Rafinha Bastos, é um exemplo desta prática.
O caso de Alexandre Frota é emblemático do absurdo da cultura do estupro no Brasil e do debate que precisa ser feito no País sobre limites à liberdade de expressão. Frota recebe palco, aplausos e exibição em horário nobre nos meios de comunicação de massa para relatar um estupro e ainda de sente no direito de abrir processo criminal contra pessoas que se indignam com seu relato. É uma completa inversão de papeis.
O processo é individual, contra mim, mas considero uma tentativa de ataque coletivo às feministas. No último período, o feminismo se ampliou e se fortaleceu. Muitas mulheres em todo o mundo têm usado as redes para promover campanhas e debater política, e têm saído às ruas para denunciar o machismo e lutar por mais direitos. Os machistas, dentre eles artistas e políticos, que estão sendo denunciados e percebendo que há um forte movimento que não aceita mais tanta violência, querem que as mulheres sintam medo e parem de reivindicar seus direitos, mas não vão conseguir.
Espero que o caso recebe a devida punição do Estado, que eu não tenha que responder por um crime que eu não cometi e que toda essa história sirva de exemplo para as emissoras e artistas que tratam estupro como piada.
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O caso Frota, a cultura do estupro e os limites à liberdade de expressão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU