11 Agosto 2015
Dos 529 anos de prisão que foi condenado devido a crimes de violação de direitos humanos durante a ditadura chilena, Manuel "Mamo" Contreras cumpriu menos de 20. Ele morreu na noite de sexta-feira, aos 86 anos.
A reportagem é de Constanza Hola Chamy, publicada por BBC Brasil, 08-08-2015.
Contreras foi o rosto mais visível da repressão política no Chile. Sua missão era "extirpar e eliminar o extremismo marxista", segundo suas próprias palavras. E, para ele, não faltaram recursos para implementar um plano sistemático de violência exercida pelo Estado, que matou e desapareceu com milhares de pessoas durante o governo militar chileno.
Algo garantido, novamente segundo as palavras de Contreras, pelas "ordens que me foram dadas diretamente pelo presidente da República", Augusto Pinochet.
O modelo acabaria exportado para o resto da América Latina por meio da Operação Condor, da qual ele foi o criador, gestor e executor. Contreras também foi um colaborador próximo da agência secreta americana, a CIA, e planejou os atentados contra o ex-ministro chileno Orlando Letelier em Washington e contra o ex-general Carlos Prats, na Argentina.
A chamada Operação Condor consistiu em um esforço coordenado pelos governos militares da América Latina, entre as décadas de 1970 e 1980, para perseguir opositores políticos.
Contreras era considerado o braço direito de Augusto Pinochet e e foi o chefe da Direção de Inteligência Nacional do Chile (Dina), entre 1973 e 1977.
Os 529 anos de prisão aos quais foi condenado são apenas os ratificados pela Suprema Corte do Chile. No total, Contreras somava mais de 1 mil anos de penas.
Porque, se no Chile "não se dava um passo" sem que Pinochet soubesse, isto se devia em grande parte ao trabalho de Contreras, o ideólogo da polícia secreta do país.
"Contreras foi um dos genocidas mais representativos da ditadura militar", disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Carmen Hertz, advogada e ex-diretora de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores do Chile.
Lado mais obscuro
Poucos dias antes de morrer e enquanto recebia sua última condenação, já havia uma mobilização nas redes sociais pedindo "orações" para a recuperação de Contreras.
"Ainda restam 500 anos para pagar" era o que se lia na foto que circulava com a hashtag #NoTeMuerasMamo ("Não Morra Mamo (apelido de Contreras)", em tradução livre).
Como um dos símbolos do lado mais obscuro do governo militar chileno, Contreras morreu repudiado por todos os setores do espectro político do país.
Até o partido de extrema direita, UDI, lhe deu as costas.
Questionado por uma rádio chilena se o Exército devia ou não fazer as honras no funeral de Contreras, o presidente do partido, Hernán Larraín, respondeu que "alguns não querem que ele morra como general".
O governo da presidente Michelle Bachelet, que foi presa e torturada por uma patrulha de Contreras durante a ditadura militar, deu desfecho à polêmica: Contreras não era digno de honra. Nem ele e muito menos os outros violadores dos direitos humanos, segundo um decreto publicado durante o primeiro governo de Bachelet e divulgado nesta semana.
O decreto proíbe honras militares nos funerais dos que tenham sido condenados por tais tipos de crimes.
Contreras passou seus últimos dias no Hospital Militar. Com a piora de seu estado, foi transferido para Punta Peuco, uma prisão militar.
Uma prisão que, como o próprio Contreras afirmava, foi construída para abrigá-lo.
Carreira meteórica
Juan Manuel Guillermo Contreras Sepúlveda nasceu em Santiago em 1929, mas passou a maior parte de sua juventude no sul do Chile.
Em 1947, entrou na escola militar como um dos melhores alunos. Reconhecido como hábil e inteligente, teve, a partir dali, uma carreira meteórica.
Foi um dos militares chilenos "premiados" em 1967 com uma temporada na Escola das Américas, uma academia de instrução militar onde a forças americanas treinavam militares aliados da América Latina durante a Guerra Fria.
Foi chamada de "escola de ditadores" pelo congressista Joseph Kennedy 2º que, em 1994, disse que a Escola das Américas "produziu mais ditadores e assassinos que nenhuma outra na história do mundo".
Enquanto estudava no local, Contreras conheceu vários oficiais americanos com quem manteria contato mais tarde, devido à cooperação entre a CIA e a DINA.
Também conheceu vários colegas com que posteriormente retomaria o vínculo para um de seus principais projetos, a Operação Condor.
Em 11 de setembro de 1973, as Forças Armadas Chilenas deram um golpe de Estado que derrubou o então presidente do país, o socialista Salvador Allende.
Contreras estava nesta época a 100 quilômetros da capital Santiago, encarregado do regimento Tejas Verdes, que posteriormente ficaria conhecido como um dos principais centros de detenção e tortura do governo militar chileno.
"(Tejas Verdes) foi um dos locais de maior crueldade e brutalidade contra os partidários do governo de Salvador Allende", disse Hertz.
"Em 1974, a Dina eliminou boa parte do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionário), em 1975 o Partido Socialista e em 1976 foi a vez do Partido Comunista", explicou a advogada.
"Contreras era, ao mesmo tempo, o senhor e o vassalo. Se reportava única e exclusivamente a Pinochet", acrescentou.
Três meses depois do golpe, a Junta de Governo designou Contreras como o encarregado de criar um organismo nacional de inteligência. Em junho de 1974, era criada oficialmente a Direção de Inteligência Nacional, a Dina.
Diretor da Dina, Contreras, reportava diretamente ao presidente, Pinochet.
"A cúpula da Dina era o presidente da República", disse o próprio Contreras em uma entrevista ao canal estatal chileno TVN em 2005.
Segundo um relatório da Comissão da Verdade e Reconciliação chilena, o relatório Rettig, mais de 1,5 mil pessoas morreram nas mãos da Dina sob a diração de Contreras.
Mas, apesar das múltiplas condenações, Contreras nunca reconheceu as mortes.
"Nego", disse ele à CNN Chile em 2013 ─ sua última entrevista a uma emissora de TV ─ quando questionado sobre a existência dos detidos desaparecidos.
Além disse, na ocasião, acusou as vítimas de tortura de um "bando de mentirosos".
"Contreras sempre se considerou vítima de uma grande injustiça. Nunca teve autocrítíca; os outros eram sempre os culpados", afirmou à BBC Mundo o juiz chileno Mario Carroza, que interpelou o ex-general várias vezes.
'Pai' da Operação Condor
A influência de Contreras acabaria ultrapassando a Cordilheira dos Andes.
No meio da década de 1970, a América Latina vivia o auge dos governos militares.
E junto com outros governos, como o de Ernesto Geisel no Brasil, Juan María Bordaberry no Uruguai e Hugo Banzer, na Bolívia, foi estabelecida uma rede latino-americana de coordenação de operações de repressão entre suas diferentes equipes de inteligência.
Documentos secretos descobertos no Paraguai e conhecidos como "Arquivo do Terror" apontam que a Operação Condor nasceu no dia 25 de novembro de 1975 em uma reunião secreta dos líderes de inteligência, cujo anfitrião foi o próprio Contreras.
Segundo o Relatório Hinchey, feito pelo Departamento de Estado americano em 2000, a CIA manteve entre 1974 e 1977 contato com Contreras, "pai" da Operação Condor.
O mesmo relatório também estabelece a data da confirmação oficial.
"Em outubro de 1976 (...), Contreras confirmou a existência da Condor como uma rede de intercâmbio de inteligência, mas negou que teve um papel nos assassinatos extrajudiciais."
Rompimento com a CIA
Um evento em 1976 marcaria o fim da proximidade de Contreras com Pinochet e também o começo do fim da Dina: o atentado em Washington que matou Orlando Letelier.
Letelier, ministro e embaixador de Allende, morreu em um atentado com carro-bomba encomendado pela Dina.
Um dos líderes da operação em Washington foi Michael Townley, a quem o próprio Contreras diria, posteriormente, ser vinculado à CIA.
Mas a bomba colocada no carro do diplomata chileno não apenas matou Letelier e seu assistente, Ronni Moffit, como também arruinou a relação entre a agência de inteligência americana e Contreras.
Segundo o relatório Hinchey, este possivelmente foi o momento em que o papel de Contreras no assassinato de Letelier virou um problema.
Um problema tão grande que sua primeira condenação, em 1993, foi como autor intelectual do assassinato.
Contreras, por sua vez, sempre afirmou que Letelier foi assassinado pela CIA, mas este vínculo nunca foi provado.
"Não há nenhuma demonstração de que a CIA estava envolvida", disse à BBC Mundo Juan Pablo Letelier, analista político e filho de Orlando.
Uso restrito
O que se sabe é que, depois do atentado, a relação entre os governos do Chile e Estados Unidos, mudou radicalmente.
"Para os Estados Unidos, era inaceitável que uma pessoa tenha sido morta em seu território. Sua relação com o regime militar chileno tinha sido relativamente cordial e amistosa. Mas, depois de Letelier, a relação mudou. Por passar dos limites, Pinochet perdeu muito", disse à BBC Mundo Patricio Navia, analista político da Universidade de Nova York.
Em 1977, a Dina tinha conseguido cumprir o objetivo inicial de exterminar os grupos considerados subversivos e terroristas.
No entanto, a investigação do assassinato de Letelier conseguiu provas contra dois agentes da Dina, o americano Michael Townley e o chileno Armando Fernández Larios. Naquela ano, Contreras foi obrigado a se aposentar e a Dina substituída pela Central Nacional de Inteligência (CNI).
Investigado
Logo depois da redemocratização do Chile, em 1990, Contreras virou o foco de atenção das investigações sobre violações de direitos humanos.
Ele cumpriu pena de várias formas: desde prisão domiciliar até reclusão em Punta Peuco, um centro especialmente construído para ex-militares e colaboradores do governo militar, condenados por violações de direitos humanos.
Sua primeira condenação foi em 1993, pelo assassinato de Letelier. Depois, multiplicaram-se outras por casos como a Operação Colombo e o assassinato do general Carlos Prats.
Mas Contreras não queria assumir sozinho toda a responsabilidade.
A primeira vez em que ele garantiu que Pinochet não apenas sabia, mas também dava ordens à Dina foi em 2003, no que foi considerado um marco da investigação sobre a Operação Condor.
"Como diretor-executivo da Dina, eu apenas recebia ordens do presidente da República. A Dina tinha como missão de extirpar e eliminar o extremismo marxista. Eu apenas cumpria ao pé da letra as ordens que me eram passadas diretamente pelo presidente da República, de quem eu dependia", disse.
Pinochet morreu em 2006 sem enfrentar nenhuma pena por violações dos direitos humanos. E sempre insistiu que Contreras era quem tomava todas as decisões na Dina.
Um dos episódios mais conhecidos foi a acareação realizada em 2005, onde os dois foram reunidos em público.
"Você mandava na Dina, general, que isto fique claro de uma vez!", disse Pinochet a Contreras.
"Sim, general, mas você era quem ordenava tudo e isso também tem que ficar claro", respondeu.
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Morre Manuel Contreras, pai da 'Operação Condor' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU