17 Julho 2015
Os apóstolos estavam cansados, ao voltarem da sua primeira missão. Jesus os convida a um pouco de repouso, afastando-se da multidão. Mas, ao vê-los partir, a multidão se adianta e recupera-os ao desembarcarem! Diante disto, Jesus é tomado de compaixão por toda aquela gente: "eram como ovelhas sem pastor"...
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 16º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo B. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: «Reunirei o resto de minhas ovelhas; suscitarei para elas novos pastores» (Jr 23,1-6)
Salmo: Sl 22(23) - O Senhor é o pastor que me conduz: felicidade e todo bem hão de seguir-me!
2ª leitura: «Cristo é a nossa paz: do Judeu e do pagão, quis criar um só homem novo» (Ef2,13-18)
Evangelho: «Eram como ovelhas sem pastor» (Marcos 6,30-34)
"Para um lugar deserto e afastado": a fórmula é a mesma de Mateus 14, palavra por palavra: logo após receber a notícia da morte de João Batista, Jesus deseja ficar sozinho num lugar deserto. O contexto é, aqui, um pouco diverso, mas o esquema é idêntico: para fugir da multidão, toma o barco com os apóstolos, a fim de se afastarem. Mas é em vão; ao desembarcarem, a multidão já estava lá, à espera deles: uma multidão carente de saúde e de certezas. Assim como em Mateus, Jesus é "tomado de compaixão". Mas, aqui, uma decepção: em lugar de curas e multiplicação dos pães (em Mateus), Jesus "começou a ensinar-lhes muitas coisas". A não ser que consideremos equivalentes curar, alimentar e ensinar. Quando lemos um bom livro, não dizemos que “ele nos alimenta”? Ou, então, que "agora estou vendo mais claro!" (os cegos curados)? Ou, ainda: "isto faz bem", "isto muda tudo"? Será que são simples metáforas? Talvez, mas em toda e qualquer verdade as metáforas nunca estão ausentes. Pensemos na do bom pastor, que cuida e alimenta as suas ovelhas, e a comparemos com o versículo 34 do evangelho de hoje. Há uma analogia entre este texto e Mateus 14. Não quero dizer que a multiplicação dos pães reduz-se a um ensinamento, mas sabemos que o homem não vive somente de pão, mas também da Palavra que sai da boca de Deus. Palavra que é terapêutica e nutritiva: é o pão verdadeiro de João 6. O pão das nossas mesas, por mais necessário que ele seja, é apenas uma imagem desta Palavra.
A figura do pastor remonta aos grandes pastores nômades do Gênesis, Abraão, Isaac e Jacó. Através deles, é Deus, o pastor que conduz o seu povo. Em João 10, esta figura encontra a sua realização, a sua verdade última. Guiar, nutrir, curar são por certo atribuições do pastor, mas como? "Dando a sua vida por suas ovelhas". Desde que lemos "pastor", devemos logo pensar no gesto pascal. Em João 21, Pedro é declarado pastor das ovelhas e, ao mesmo tempo, é convidado a seguir o Cristo até "aonde não queria ir". Em nosso evangelho, as ovelhas estão sem pastor: ninguém ainda havia dado a sua vida por elas. Pastores certamente não faltam, mas não são "bons pastores". Jeremias (1ª leitura) opõe-lhes o "descendente de Davi que será sábio e fará valer a justiça e a retidão sobre a terra": o Cristo que o profeta entreviu no futuro. No caos de ideias e de projetos em que vivemos, entre tantos gurus e líderes, onde está o Cristo? Para muitos, ele e seu Evangelho estão gastos e ultrapassados. Já se experimentou o "cristianismo" e não deu certo: os males do mundo permanecem sempre aí. Na realidade, assim como para Jeremias, o Cristo está sempre por vir: estamos apenas no início da evangelização que, aliás, está sempre a ser refeita. Como ovelhas sempre errantes, não sabemos para onde ir; a nossa caminhada é ausente de sentido. Como ovelhas que estão dispersas, temos necessidade de sermos reunidos. E o Pastor está aí. É preciso aprender a apurar os nossos ouvidos: ele nos ensina muitas coisas, longamente.
Mas será que o Cristo contenta-se apenas com comunicar um saber? Lembremos, por outro lado, de tudo o que está dito sobre a vinda do Reino, sobre o apelo à conversão, ou seja, a mudança radical que nos faz passar da "sabedoria deste mundo" ao seguimento do caminho que o Cristo nos abriu. A escolha da nossa verdade, da verdade das nossas vidas, da "nossa justiça", como diz Jeremias. As ovelhas errantes, agitadas por "todo vento de doutrina" (Efésios 4,14), encontram um caminho seguro que é o próprio Cristo: o que ele oferece em seus "ensinamentos" é a sua própria pessoa. Longa é a estrada que nos leva a fazer-nos um só com o Cristo: Jesus nos ensina, nos conforma e nos transforma longamente. Este caminho nos revela sem parar novas paisagens, de acordo com as situações imprevistas que temos de viver. Mas a palavra "ensinamento" diz também outra coisa: trata-se de uma palavra que se apresenta como proposta, mas que deixa ao destinatário a sua liberdade. É a Palavra que nos ajuda a ver claro, é luz, mas a decisão permanece sempre da parte de quem a recebe. Ensinar é pôr em situação de poder exercer a sua liberdade; é também elevar o discípulo ao patamar do mestre. Somos feitos, de fato, Cristos no Cristo, filhos no Filho, o que exige que adotemos "a sabedoria da cruz" (1 Coríntios 1,18-25).
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Do repouso à compaixão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU