23 Abril 2015
Em 2014, a cada semana, ao menos dois ambientalistas morreram no mundo, vitimados por causa das bandeiras que defendiam. A conta é da ONG Global Witness, que identificou 116 assassinatos (aumento de 22% sobre 2013) de militantes em 17 países, 29 deles no Brasil, líder do ranking. A organização divulgou os números no relatório “Quantos mais?”, publicado ontem. Somente na América Latina foram 87 casos. Embora apareça em quarto lugar quando contabilizados os números absolutos, com 12 mortes, Honduras recebe atenção especial no documento, uma vez que registra os maiores índices per capita nos últimos cinco anos.
A reportagem é de Dandara Tinoco e Raphael Kapa, publicada pelo jornal O Globo, 21-04-2015.
“Ativistas de todo o mundo estão sendo mortos em números recordes tentando defender suas terras e proteger o meio ambiente em face do aumento da concorrência sobre os recursos naturais”, afirma a Global Witness, acrescentando que relatório publicado no ano passado já havia mostrado um aumento no número de ambientalistas mortos nos anos recentes. O documento de 2013, mostrava que, entre 2002 e aquele ano, foram 908 militantes executados. Quase metade dos casos (448) ocorreu em território brasileiro.
Marinalva Manoel, assassinada em Dourados (MS), em 2014 - Cimi / Divulgação
De acordo com Chris Moye, ativista ambiental da ONG, são vários os motivos que colocam o país no topo do ranking. Entre eles, a qualidade da informação disponível, a impunidade e a falta de respostas adequadas por parte das autoridades:
— Em primeiro lugar, a informação disponível sobre assassinatos de defensores do meio ambiente e da terra no Brasil está bem documentada por grupos da sociedade civil, como a Comissão Pastoral da Terra, enquanto em outros países, como China, Rússia e Índia, não existe a mesma informação. Ademais, o país é uma das nações com maior número absoluto e proporcional de homicídios do mundo e arquiva 80% das investigações das mortes. Ou seja, a impunidade é um fator contribuinte. Dos 29 casos de 2014, 26 se relacionaram a conflitos de terra. Um fator que complica a violência no campo no Brasil é a falta de documentos oficiais da terra de comunidades indígenas ou de camponeses. Muitos dos suspeitos de serem mandantes desses crimes são poderosos latifundiários. Claramente o governo continua sem resposta para esse problema.
Desde 2002, foram 477 assassinatos de ativistas ambientais no Brasil. A maioria das mortes é arquivada sem julgamentos, diz o relatório. Policiais, militares, grupos paramilitares e guardas privados são citados no documento como os principais suspeitos ou culpados, mas os responsáveis por contratar estes grupos seriam os grandes proprietários de terras, que não aparecem nas investigações.
Entre os casos examinados, está o do líder camponês Jair Cleber dos Santos, executado a tiros, em setembro, em um acampamento em Bom Jesus do Tocantins, no Pará. O estado concentra o maior número de mortes no país. Foram 183 militantes vitimados entre 2002 e 2014. De acordo com a Global Witness, em todo o mundo, cerca de 40% das vítimas ambientalistas são de origem indígena. No caso do Brasil, eles somam quatro das 29 mortes registradas. Uma dessas vítimas foi Marinalva Manoel, assassinada em Dourados (MS), em outubro. Ela morava no acampamento Ñu Porã e vinha se destacando como nova liderança dos guarani kaiowá.
— Há a questão da marginalização dessas populações. Além disso, geralmente elas se encontram em áreas mais remotas e hostis. Defendem seus territórios em meio a lugares onde o Estado tem dificuldade de chegar. São conflitos que ficam à margem do sistema, embora sejam palco de conflitos entre vários interesses — analisa Rômulo Sampaio, professor de Direito Ambiental da Fundação Getulio Vargas. — Em países desenvolvidos, o movimento ambientalista é um grande aliado do controle social sobre as atividades econômicas. No Brasil, embora existam exceções que orgulham ambientalistas, a hostilidade acaba enfraquecendo a mobilização.
Segundo a Global Witness, “os governos e a comunidade internacional devem fazer muito mais para parar a crescente onda de assassinatos e ameaças contra os defensores do meio ambiente e da terra. Os governos devem monitorar, investigar e punir crimes e aderir aos compromissos internacionais de direitos humanos”. No caso brasileiro, Sampaio acrescenta que é necessário criar mecanismos de fortalecimento de movimentos da sociedade, o que inclui financiamento e capacitação de ativistas.
Coordenadora da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho propõe também que se fortaleça o programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência.
— Entre os protegidos, 90% são pessoas ligadas à questão da luta por territórios: indígenas, quilombolas, pescadores de comunidades tradicionais. O programa precisa ter seu escopo ampliado, já que ainda há quem esteja aguardando ser inserido. O que nos preocupa é que, no Congresso, tramita a PEC 215, que pode vulnerabilizar ainda mais essas populações — afirma Sandra, referindo-se à proposta que inclui entre as competências exclusivas do Congresso a aprovação de demarcação das terras ocupadas por indígenas, além da ratificação de demarcações já homologadas. Hoje, a atribuição é do Poder Executivo.
Sobre Honduras, líder em mortes de ativistas per capita, o relatório afirma que muitos dos assassinatos no país e em outras nações da América Central “são resultado da luta contra as represas hidrelétricas e seus impactos sobre as comunidades locais”. Segundo a ONG, o país tem “leis atrasadas” e está perto da “total impunidade”. O texto destaca “uma alarmante tendência” observada em alguns governos de usar “legislação antiterrorista contra ativistas, descrevendo-os como inimigos do Estado”.
A falta de dados é considerada um problema para a ONG, que acredita que os números publicados no relatório sobre os casos de corrupção e exploração de recursos podem ser, na realidade, muito maiores.
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‘A hostilidade enfraquece a mobilização’, diz especialista sobre liderança do Brasil em ranking de violência contra ambientalistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU