13 Janeiro 2015
O Papa Francisco fortemente defendeu suas repetidas críticas à economia global de mercado numa nova entrevista publicada neste domingo, refutando os que o acusam de “pauperismo” ao afirmar que ele está apenas repetindo a mensagem de Jesus, uma mensagem de carinho aos pobres.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 11-01-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“Jesus afirma que não podemos servir a dois senhores, Deus e a riqueza”, Francisco diz na entrevista, perguntando-se sem rodeios: “Isso é pauperismo?”
“Jesus nos diz que este é o ‘protocolo’ na base do qual seremos julgados, é o que lemos no capítulo 25 de Mateus: Tive fome, tive sede, estive na prisão, estive doente, eu estava nu e o você me ajudou: me vestiu, me visitou, você cuidou de mim”, continua o pontífice.
“Esta é a pedra de toque”, diz ele, perguntando-se novamente: “Isso é pauperismo? Não, é o Evangelho”.
“A mensagem evangélica é uma mensagem aberta a todos”, continua o pontífice. “O Evangelho não condena o rico mas a idolatria da riqueza, aquela idolatria que nos torna insensíveis para com os gritos dos pobres”.
Francisco fez estas observações numa entrevista publicada neste domingo (11-01-2015) pelo jornal italiano La Stampa.
A mais recente de várias entrevistas explosivas dadas pelo pontífice desde a sua eleição, em março de 2013, esta entrevista de domingo apresenta o Papa Francisco respondendo a um amplo leque de perguntas concernentes a sua visão sobre o capitalismo e obliquamente respondendo a críticas – feitas especialmente por alguns conservadores dos EUA – de que ele não entende de economia.
A entrevista deste domingo é um excerto de um livro a ser publicado por dois vaticanistas do La Stampa: Andrea Tornielli e Giacomo Galeazzi.
O livro, intitulado “Pope Francis: This Economy Kills” [Papa Francisco: A economia mata, em tradução livre], será lançado na Itália na terça-feira. Ele relata e analisa os discursos, documentos e intervenções do papa sobre os temas pobreza, imigração, justiça social e salvaguarda da criação.
A obra conclui com uma entrevista dada por Francisco aos autores em outubro de 2014, da qual La Stampa publicou, em sua edição de domingo, um longo trecho.
A seguir apresentamos excertos da entrevista traduzida do italiano pelo National Catholic Reporter.
Respondendo a uma pergunta sobre se o progresso do capitalismo durante as últimas décadas é “irreversível”.
Reconheço que a globalização ajudou muitas pessoas a saírem da pobreza, mas ela condenou muitas outras à fome. É verdade que, em termos absolutos, a globalização fez crescer a riqueza mundial, mas ela também aumentou a disparidade e os novos tipos de pobreza.
O que eu noto é que este sistema está mantido com a cultura do desperdício, da qual eu já falei várias vezes. Há uma política, uma sociologia e também uma atitude de rejeição.
Quando no centro do sistema não já não está mais o homem e sim o dinheiro, quando o dinheiro se torna um ídolo, quando homens e mulheres são reduzidos a meros instrumentos de um sistema econômico e social caracterizado, [estamos] de fato dominados por profundos desequilíbrios.
É aquela atitude que rejeita as crianças e os idosos, e que hoje também afeta os jovens. Fiquei impressionado que, nos países desenvolvidos, há muitos milhões de jovens abaixo dos 25 anos que não têm trabalho. Chamei-os de “nem-nem”, pois eles não estudam nem trabalham: eles não estudam porque não têm nenhuma possibilidade de estudar, não trabalham porque não há trabalho.
Mas eu gostaria também de lembrar que a cultura do desperdício recusa também as crianças com o aborto. Afeta-me as taxas de natalidade aqui da Itália serem tão baixas: assim se perde a ligação com o futuro. (...)
Muitas vezes me pergunto: Qual será a próxima lacuna, o próximo a ser descartável? Precisamos parar este movimento. Vamos parar, por favor!
Então, tentando responder à sua pergunta, eu diria: não vamos considerar este estado de coisas como irreversível; não vamos nos resignar a ele. Tentemos construir uma sociedade e uma economia onde o homem e o seu próprio bem, e não o dinheiro, possam estar no centro.
Respondendo a uma pergunta sobre se o sistema capitalista precisa de uma orientação mais ética, ou uma completa restruturação.
Por repetidas vezes, vários chefes de Estado e líderes políticos que tive a chance de encontrar após a minha eleição como Bispo de Roma falaram comigo sobre este assunto. Eles diziam: vocês, líderes religiosos, têm que nos ajudar, nos dar orientações éticas.
Sim, o pastor pode fazer-se ouvir, porém estou convencido de que precisamos, como lembrou Bento XVI na encíclica “Caritas in Veritate”, de homens e mulheres com seus braços levantados para Deus para orar, cientes de que o amor e a partilha, a partir dos quais procede o desenvolvimento autêntico, não são o produto de nossas mãos, mas um presente a ser pedido.
E, ao mesmo tempo, estou convencido de que há uma necessidade de que estes homens e mulheres se comprometam – em todos os níveis, na sociedade, na política, nas instituições econômicas – a colocar no centro o bem comum.
Não podemos esperar mais tempo para resolver as causas estruturais da pobreza, para curar a nossa sociedade de uma doença que só pode levar a novas crises. Os mercados e a especulação financeira não podem gozar de autonomia absoluta.
Sem uma solução para os problemas dos pobres nós não podemos resolver os problemas do mundo. É preciso programas, mecanismos e processos orientados para uma melhor alocação dos recursos, para criação de postos de trabalho e uma promoção integral dos que estão excluídos.
Respondendo a uma pergunta sobre as acusações “perturbadoras” de pauperismo.
O pauperismo é uma caricatura do Evangelho e dessa mesma pobreza. São Francisco, por sua vez, nos ajudou a descobrir as relações profundas entre a pobreza e o trajeto evangélico.
Jesus afirma que não podemos servir a dois senhores, Deus e a riqueza. Isso é pauperismo? Jesus nos diz que este é o “protocolo” na base do qual seremos julgados, é o que lemos no capítulo 25 de Mateus: Tive fome, tive sede, estive na prisão, estive doente, eu estava nu e o você me ajudou: me vestiu, me visitou, você cuidou de mim.
Toda vez que fazemos isto aos nossos irmãos, fazemo-lo a Jesus. Cuidar do próximo: daquele que é pobre, que sofre no corpo, no espírito, que está necessitado. Esta é a pedra de toque. Isso é pauperismo? Não, é o Evangelho.
A pobreza está longe da idolatria, de se sentir autossuficiente. Zaqueu, após cruzar o olhar misericordioso de Jesus, doou metade de seus bens aos pobres. A mensagem evangélica é uma mensagem aberta a todos, o Evangelho não condena o rico mas a idolatria da riqueza, aquela idolatria que nos torna insensíveis para com os gritos dos pobres.
Jesus disse que, antes de oferecermos os nossos presentes em frente ao altar, devemos nos reconciliar com nossos irmãos para estarmos em paz com ele. Eu acredito que podemos, por analogia, estender este pedido também para estar em paz com estes irmãos pobres.
Respondendo a uma questão que pedia exemplos para ressaltar a sua continuidade com a tradição da Igreja.
Um mês antes da abertura do Concílio Vaticano II, o Papa João XXIII disse: “A Igreja se apresenta tal como é e quer ser: a Igreja de todos e, particularmente, a Igreja dos pobres”.
Nos anos seguintes, a escolha preferencial pelos pobres entrou nos documentos do magisterium. Poder-se-ia pensar que ela é nova, enquanto que ela é uma preocupação que tem suas origens no Evangelho e está documentada já nos primeiros séculos do cristianismo.
Se eu repetir-lhes algumas passagens das homilias dos primeiros pais da Igreja, do segundo ou terceiro século, sobre como deveríamos tratar os pobres, haverá alguém para apontar o dedo, dizendo ser homilias marxistas.
[Repetindo a encíclica “Popolorum Progressio” do Papa Paulo VI de 1967]: (…) A propriedade privada não constitui um direito incondicional e absoluto, e ninguém está autorizado a reservar para o seu uso exclusivo aquilo de que não necessita, quando falta o básico as demais. (...)
Como podemos ver, esta preocupação para com os pobres está no Evangelho e na tradição da Igreja. Não é uma invenção do comunismo, e não precisamos ideologizá-la, como às vezes aconteceu no curso da história.
Quando a Igreja nos convida a superar o que chamei de “globalização da indiferença”, está-se longe de interesses políticos ou de qualquer ideologia política: este convite vem apenas das palavras que Jesus quis oferecer; é o seu contributo para a construção de um mundo onde olhamos uns aos outros, onde cuidamos uns dos outros.
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Em nova entrevista, Francisco defende críticas ao capitalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU