15 Julho 2014
O trabalho de reforma da Cúria Romana não é nada fácil, mas está indo bem, segundo o cardeal hondurenho Oscar Rodriguez Maradiaga, presidente do Conselho de Cardeais nomeado pelo Papa Francisco para assessorá-lo nas reformas. Rodriguez espera que o Conselho tenha uma nova constituição para a Cúria já em dezembro, a qual irá substituir a Pastor Bonus, constituição apostólica de 1988 do Papa João Paulo II.
A reportagem é de Thomas Reese, jesuíta e jornalista, publicada por National Catholic Reporter, 11-07-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Entrevistei os cardeais Rodriguez Maradiaga e Oswald Gracias, de Mumbai, Índia, no começo de junho.
O trabalho do Conselho de Cardeais começou com cada um dos oito membros recolhendo as sugestões de suas respectivas regiões. Por exemplo, a maioria das conferências episcopais da Ásia perguntaram ao cardeal Gracias por quais razões as traduções litúrgicas não puderam ser feitas no nível das conferências, especialmente nos idiomas em que Roma não tem nenhuma experiência.
O cardeal Gracias reconheceu a ironia desta sugestão, pois é membro do Vox Clara, grupo nomeado pelo Vaticano para supervisionar a recente tradução inglesa dos textos litúrgicos.
“Estou por dentro deste assunto”, falou. “Creio que eles tenham um motivo. Mas eu também me preocupo com uma tradução mal feita que conduza a incompreensões e erros dogmáticos a daqui 50, 100 anos. Assim, há que haver um equilíbrio”.
Ele igualmente notou que “algumas Conferências são pequenas demais para realizar este serviço. Por outro lado, talvez as conferências fizessem um trabalho melhor caso soubessem que elas iriam se responsabilizar, agora que sabem que alguém em Roma iriam conferi-las. Mas não tenho certeza sobre isso”.
Gracias ainda mencionou outras coisas que poderiam se decidir no nível local, como liberar dos votos os religiosos que querem deixar a vida religiosa. Ele também disse que poderia haver um papel para as conferências episcopais na supervisão das finanças diocesanas.
Após reunir sugestões de todo o mundo, o Conselho se encontrou com o Papa Francisco. No primeiro encontro, os cardeais compareceram ao palácio apostólico vestidos a caráter para fotos. Os encontros seguintes, porém, aconteceram na Casa Santa Marta em traje simples. O Conselho não tem especialistas como funcionários; ele se encontrou a sós com o papa e com o secretário de Estado do Vaticano, o qual se tornou um membro do grupo. Um bispo é escolhido para fazer a função de secretaria, tomando nota nos encontros.
“Nenhum de nós sabia muito sobre Cúria visto que numca tínhamos trabalho aqui”, disse o cardeal Gracias. “Passamos um bom tempo apenas para compreender como ela funciona. Lemos por completo a [constituição apostólica] Pastor Bonus e em seguida estudamos cada uma das congregações, conselhos e escritórios”. Cada cardeal precisou pesquisar sobre um dicastério e então relatar ao grupo sobre o que leu”.
Os dois cardeais informaram que o Conselho se centrou sobre a reforma financeira da Cúria em primeiro lugar porque esta questão estava premente. Este fator levou à criação de uma secretaria para as finanças, chefiada pelo cardeal australiano George Pell. “Essa iniciativa irá nos conduzir para uma coordenação muito boa de todas as finanças”, falou Rodriguez.
A seguir veio o Instituto para as Obras de Religião, ou o Banco do Vaticano.
“Havia muitas sugestões para que fechássemos este instituto e começássemos algo novo”, disse o cardeal Rodriguez. “Após uma avaliação de todos os aspectos positivos e negativos, decidiu-se que era mais prudente reformá-lo, pois a maioria dos fundos que estão nesta instituição são das congregações religiosas e um fechamento poderia significar uma grande perda para todas elas”.
Rodriguez reconheceu que houve alguma resistência, dizendo, por outro lado, que o novo sistema será transparente. “Hoje tudo tem que ser muito claro. Ninguém poderá se esconder ou ajudar o antigo sistema a voltar no intuito de contribuir para a lavagem de dinheiro ou algo assim”, disse.
Rodriguez e Gracias informam que o Conselho está considerando a possiblidade de criar uma nova Congregação para os Leigos que absorveria as responsabilidades dos pontifícios conselhos que lidam com os leigos, com a família e, talvez, com alguns outros escritórios.
“Os bispos têm os seus próprios dicastérios”, afirma Rodriguez. “Os religiosos e o clero têm os dicastérios deles próprios, mas os leigos são a maioria da Igreja e apenas têm um conselho.
As conversas sobre as reformas e o fechamento de alguns escritórios fizeram com que alguns na Cúria se preocupassem com a possibilidade de perderem seus empregos como resultante das mudanças, falou Gracias.
O mesmo acontece com a ideia, que ambos os cardeais apoiam, de limitar o serviço dos padres na Cúria em cinco anos em vez de poderem permanecer aí indefinidamente.
“O papa decidiu que esta não é a forma de servir”, declarou Rodriguez. “Aqueles que se colocam ao serviço deveriam trabalhar em seus países, trabalhar no Vaticano e voltar para sua terra de origem”. Gracias acredita que os bispos iriam desejar mandar os seus melhores homens a Roma caso soubessem que eles iriam retornar em cinco anos.
“Na Cúria, uns querem fazer carreira”, disse Rodriguez. “Este padre está aqui há tantos anos, agora chegou a vez de ele ser subsecretário; depois, secretário, em seguida prefeito e então cardeal. Mas isso acabou. Essa não é a forma como deve ser”.
Rodriguez também se queixou da nomeação de um “cardeal como prefeito de um escritório, sendo que ele não tem preparação. Não, nós não precisamos mais disso. É necessário não procurar um cargo para alguém, mas alguém para um cargo. Talvez isso demora um pouco ainda, mas um dia será assim”.
Ambos os cardeais se perguntaram sobre fazer das autoridades vaticanas bispos e cardeais.
“O papel de um bispo é bem diferente”, disse Rodriguez. “Seu papel é ser pastor de um rebanho, não um burocrata dentro de um escritório”. No entanto, acha que pode ser necessário “ter um cardeal como prefeito de um dicastério, mas o resto não é necessário”.
“Eles poderiam ser até mesmo leigos e mulheres, por que não? Sonho em ter no escritório para a família um casal, quem sabe. Isso seria maravilhoso”, falou.
Gracias concorda que deveria haver menos bispos e cardeais na Cúria. Os que não têm uma diocese não deveriam ser feitos bispos, disse, embora faria uma exceção para o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que deveria ser cardeal.
O cardeal Rodriguez também tem pensado sobre a composição dos comitês de prelados que supervisionam as equipes das congregações e dos conselhos. Sugeriu-se que haja mais bispos diocesanos e menos membros da Cúria. Por exemplo, a Congregação para o Culto Divino poderia contar com cadeiras para os comitês litúrgicos das conferências episcopais. “Esta seria a melhor forma”, declarou Rodriguez. “Fizemos assim no CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano)”.
A entrevista aconteceu antes que o Conselho se encontrasse em julho para discutir a Secretaria de Estado e o seu papel coordenador no Vaticano, mas claramente os cardeais estavam pensando sobre o assunto.
“Há um grande movimento para a reforma da Secretaria de Estado”, disse Rodriguez. O secretário de Estado atualmente age como um primeiro-ministro, mas inúmeras histórias na mídia relatam que muitos não gostavam da forma como o escritório era usado pelo ex-secretário, o cardeal Tarcisio Bertone. A forma como a secretaria poderia ser não está clara. Há propostas para que seja um moderador dentro da Cúria, que desempenharia um papel de coordenação, função que era feita no passado pelo “sostituto” na Secretaria de Estado.
O Conselho de Cardeais ainda terá bastante trabalho pela frente se quiser cumprir o prazo de dezembro deste ano, quando deverá apresentar propostas de reformas. Está claro, porém, que o Conselho está considerando reformas amplas como limitar do tempo de trabalho no Vaticano para até cinco anos, trazer mais leigos para dentro da Cúria, não fazer bispos e cardeais autoridades vaticanas e nomear mais bispos diocesanos experientes para servir nas congregações e nos conselhos. Estas seriam reformas realmente significativas no Vaticano.
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Os cardeais Rodriguez e Gracias se mostram abertos para a reforma da Cúria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU