Por: André | 19 Setembro 2013
O 40º aniversário do “outro 11 de setembro” não foi grande coisa para os meios de comunicação estadunidenses, com exceção daqueles mais abertos, como o Democracy Now. Certamente, os ataques terroristas do 11 de setembro nos Estados Unidos, há 12 anos, mudaram o mundo; talvez mais do que os próprios autores dos ataques haviam imaginado. Mas a mudança não se deu diretamente através das mortes ou da destruição que estes ataques provocaram. E sim pelo pretexto que serviu para que surgisse uma organização de yihadistas mais violenta, conhecida como o governo dos Estados Unidos, o qual lançou duas guerras que resultaram na morte de mais de um milhão de pessoas e contribuiu para a instabilidade e a violência que persistem ainda hoje e que parecem não ter fim. Os ataques do 11 de setembro também serviram como desculpa para lançar um ataque, em casa, contra as liberdades civis e, como sabemos agora, para que houvesse um nível sem precedentes de vigilância.
A reportagem é de Mark Weibrot e publicada no sítio Rebelión, 17-09-2013. A tradução é de André Langer.
O governo estadunidense foi um dos principais organizadores e autores do golpe militar de 11 de setembro de 1973 no Chile, e os autores desse golpe também mudaram o mundo – mudança que claramente foi para o mal. O golpe acabou com a experiência da democracia social latino-americana, estabeleceu uma ditadura militar que resultou no assassinato, tortura e desaparecimento de dezenas de milhares de pessoas e, durante um quarto de século, foi um grande impedimento para que os latino-americanos melhorassem suas condições de vida e governassem seus respectivos países através das urnas.
O presidente Richard Nixon foi claro, ao menos em conversas privadas, sobre as razões pelas quais queria que se desse o golpe que destruiu uma das democracias mais longas no hemisfério, segundo seu ponto de vista: “A principal preocupação no Chile é que [o presidente Salvador Allende] possa consolidar-se, e caso se projetar essa imagem para o mundo seria uma vitória para ele... Se deixarmos que os possíveis líderes da América do Sul pensem que podem agir como o Chile e avançar em suas propostas, teremos problemas”.
O irônico, e algo que o mundo pode celebrar agora, 40 anos depois, é que a “teoria do efeito dominó” de Nixon sobre a América Latina estava correta. Quando os Estados Unidos tentaram e fracassaram na derrubada do governo democraticamente eleito da Venezuela, em 2002, acabaram perdendo o controle sobre a maior parte da região, especialmente da América do Sul. Allende morreu no golpe, mas seu sonho perdurou e grande parte desse sonho tornou-se realidade.
Quando se trata da política exterior, a região é agora independente dos Estados Unidos. Dos 35 países que assinaram a declaração sobre a Síria do presidente Obama, nenhum deles é da América do Sul. Em relação à Síria, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) publicou esta semana uma declaração com um apelo para que houvesse uma “solução política negociada” e indicava que qualquer ação contra a Síria deve ser aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU.
Diferentemente de 1973, a maioria da população Latino-Americana e do Caribe tem agora o direito de escolher governos de esquerda sem que esses governos sejam derrubados por uma aliança entre as elites tradicionais e Washington, e o fez continuamente desde 1998 na Venezuela, Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Uruguai, Paraguai, Honduras, Nicarágua, El Salvador e Haiti. Infelizmente, alguns dos países mais fracos, e especialmente aqueles que estão “muito longe de Deus e muito perto dos Estados Unidos”, ainda não têm essa liberdade. Washington foi capaz de se desfazer de governos de esquerda eleitos democraticamente em Honduras, com um golpe militar (2009), no Paraguai (onde colaborou para um “golpe parlamentar” no ano passado) e no Haiti (cujo governo eleito foi derrubado por Washington e seus aliados em plena luz do dia em 2004).
Mas a maior parte do sonho de Allende de uma América Latina independente se realizou. Atualmente, tomar a via eleitoral para a democracia social (que ele, assim como os atuais líderes do Equador, Bolívia e Venezuela, por exemplo, chamava de “socialismo”) é uma possibilidade.
Esta é uma conquista enorme não somente para a região, mas para o mundo inteiro, como Allende sabia que seria. Os novos líderes democráticos de esquerda tomaram muitas ações para se assegurar de que estas mudanças fossem permanentes, criando novas organizações regionais como a Unasul e a Celac (a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos). Esta última inclui todos os países do hemisfério, exceto os Estados Unidos e o Canadá, e esperamos que, pouco a pouco, substitua a Organização de Estados Americanos (OEA). A OEA está muito corrompida por Washington, que se apoderou da organização, por exemplo, durante a queda do governo do Haiti e depois quando revogou os resultados eleitorais nesse país, e a usou para manter os governos golpistas de Honduras e do Paraguai.
O sonho de Allende de uma democracia social que beneficie os trabalhadores e os pobres também teve grandes conquistas durante a era da “segunda independência” da América Latina, que abriu mais espaços para a implementação de políticas. Desde que a Argentina se libertou do FMI, a pobreza e a extrema pobreza diminuíram em mais de 70%, os investimentos sociais reais quase triplicaram e o país conseguiu níveis recordes de emprego. O Brasil, apesar da sua recente desaceleração, teve um dos seus melhores crescimentos e maior inclusão em décadas, conseguindo uma redução da pobreza de 45% e alcançando baixos níveis recordes de desemprego durante a última década de governo sob o comando do Partido dos Trabalhadores. A Venezuela conseguiu uma redução da pobreza de quase 50% e da extrema pobreza de mais de 70% desde que o governo obteve o controle sobre sua indústria petroleira há mais de 10 anos. O Equador também conseguiu baixos níveis recordes de desemprego, controlou e criou impostos no setor financeiro e aumentou significativamente o acesso à moradia e à saúde. Outros governos de esquerda tiveram avanços similares.
Salvador Allende e o movimento que o apoiou em 1973 mostraram grande valor e integridade, mas o governo estadunidense ainda era muito poderoso para permitir opções democráticas na América do Sul. Mas, 40 anos depois, o mundo mudou, e seus sonhos estão se tornando cada vez mais realidade.
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Quarenta anos depois do “outro 11 de setembro”, grande parte do sonho de Allende se realizou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU