Por: Cesar Sanson | 03 Junho 2013
"Sempre é bom fazermos a memória perigosa passear pelas nossas lutas e veias. São 13 anos de muita luta pelos direitos, especialmente a terra. O brutal assassinato de Oziel, dia 30, fez a luta desse povo repercutir pelo Brasil e mundo, com muita indignação e solidariedade. É lamentável que o Estado brasileiro não dê nenhum sinal de decisão política em resolver o gravíssimo problema da demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul", escreve Egon Heck, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Eis o artigo.
Gildo Terena avança, resoluto diante do batalhão de choque, que com suas armas antimotins tenta impedir a marcha indígena, que se dirigia a Porto Seguro, onde a invasão começou. Era 22 de abril do ano 2000.
Como Terena e pensando na luta de todos os povos indígenas do país se ajoelha e abre os braços em forma de cruz. Suplica as policiais que não matem os índios. Vendo que os enfurecidos policiais continuavam sua marcha violenta contra os eles, se deita no asfalto e a tropa passa por cima. O fato e a foto correram o mundo. Os povos indígenas do Brasil fizeram a grande marcha de retomada da esperança, de seus sonhos, de suas lutas.
Um grupo familiar de seu povo haviam saído da Terra Indígena Buriti, na década de 80, pela impossibilidade de continuarem sobrevivendo em reduzido espaço de terra. Em busca de um pedaço de terra, já haviam perambulado por vários lugares, sem que o governo se dignasse lhes garantir um pedaço de chão para trabalhar e viver em paz.
Manhã do dia de Corpus Christi. Um batalhão da polícia federal e militar do Mato Grosso do Sul chega atirando contra uma multidão de índios Terena da Terra Indígena Buriti, na retomada da fazenda Buriti. Um tiro atinge mortalmente Oziel. A violência e insanidade com que o Estado brasileiro trata seus primeiros habitantes é revoltante. Os Terena assim como os Kaiowá Guarani estão submetidos ao terror da violência, por exigirem seus direitos às suas terras.
Desde 2003, quando retornaram pela primeira vez ao pedaço de seu território tradicional, foram violentamente expulsos pelos jagunços e polícia. O mesmo se repetiu em 2010. E o processo legal foi se arrastando, o relatório antropológico de regularização confirmando a terra indígena. Outra decisão judicial embarga a conclusão do processo de regularização. Poderosos interesses políticos e econômicos, articulados no governo do Estado e com a conivência do governo federal e da justiça.
Um grupo Terena continua sua longa peregrinação por esse país do latifúndio e agronegócio, que continua negando terra e paz para os primeiros habitantes. Estão quase na divisa do Mato Grosso com o Pará. Onde irão parar? Talvez fora do país, ou no mar, pois os males tomaram conta desse Brasil. Ao ser informado sobre o brutal assassinato de Oziel, Gildo deve ter chorado é indignado lembrou aquela cena violenta do início dos outros 500 anos de invasão.
Oziel, mártir e herói do povo Terena na luta por seus direitos e território é plantado no coração do Território e memória deste povo e dos povos do Mato Grosso do Sul e do Brasil.
Cartas e manifestações de solidariedade ao povo Terena e repúdio à brutalidade genocida com que os povos indígenas estão sendo tratados, chegam de todos os cantos do país e exterior. Os povos indígenas estão mobilizados, tanto no canteiro de obras de Belo Monte quando nas retomadas dos Terena. Até quando os interesses do agronegócio e os discursos do Conselho Nacional da Agricultura contra os direitos dos povos indígenas irão prevalecer semeando violência pelo país afora?
Na declaração da Marcha e Conferência Indígena, os 3.500 indígenas afirmam: Apesar do peso da velha história, inscrita nas classes dominantes deste país, na sua cultura, nas suas práticas políticas e econômicas e nas suas instituições de Estado, já lançamos o nosso grito de guerra e fundamos o início de uma nova história, a grande história dos "Outros 500". (Coroa Vermelha, Bahia, 21 de abril de 2000.)
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Terena e os "outros 500" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU