02 Dezembro 2011
"Acho que a corrupção é um fenômeno universal. Eu não acho crível a eliminação total, seria fantasioso". O comentário é de Dalmo Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP em entrevista para a BBC Brasil, 01-12-2011. O jurista foi entrevistado a partir do estudo da ONG Transparência Internacional, divulgado nessa quarta-feira, que coloca o país em 73º lugar em um ranking de percepção de corrupção, dentre 182 nações pesquisadas. Eis a entrevista. Assim como o governo fala em ter como objetivo erradicar a pobreza extrema, o senhor acha possível que o Brasil possa erradicar a corrupção, ou pelo menos transformar este fenômeno em algo insignificante? Acho que a corrupção é um fenômeno universal. Eu não acho crível a eliminação total, seria fantasioso. A experiência da humanidade mostra isso. Houve momentos em que se disse que a corrupção no setor público era característica do capitalismo. Depois, se verificou que o desmoronamento da URSS se deveu em grande parte ao altíssimo nível de corrupção. Há também um erro ao fazer a comparação entre países mais adiantados e mais atrasados, ou entre tipos de cultura. É necessário, sim, que haja um combate, que haja denúncias e que se procure reduzir ao mínimo, mas a possibilidade da eliminação total é fantasiosa. Qual seria a maneira mais eficaz de se combater a corrupção? Eu começaria pela conscientização das pessoas. As pessoas precisam estar conscientes de que o patrimônio público é de todos, de que os interesses comuns devem prevalecer. A corrupção em grande parte é reflexo de atitudes egoístas, de pessoas que vão buscar o seu interesse, a sua conveniência, ignorando o interesse comum, a responsabilidade comum. É uma questão de preparação para a cidadania. É preciso que desde a escola básica se comece a trabalhar a formação da consciência de cidadania. A busca da cidadania é mais eficaz porque infunde uma consciência de responsabilidade e da ética nas relações humanas e, mais importante, nas relações públicas. Temos que falar nos direitos da cidadania, mas também nas responsabilidades da cidadania. Claro que também é necessário pensar em métodos de controle, de denúncia e, mais do que isso, na punição efetiva dos corruptos. Importante também é pensar que a corrupção implica em corruptor e corrompido, embora a grande imprensa só mencione o corrompido, mantendo silêncio ou quase nada falando daqueles, inclusive grandes empresários, que são agentes da corrupção. No momento de punir, é preciso punir todos aqueles que de alguma forma participam do processo. O Brasil é hoje um país mais corrupto do que já foi antes? Eu não acredito nisso. Eu estive no combate à ditadura de 1964, e posso dizer que muitas das resistências à Comissão da Verdade e à revelação dos fatos daquela época se deve a isso - não só a denúncia e conhecimento de violências, mas ao fato de que havia muita corrupção, com a utilização do sistema ditatorial para se praticar a corrupção. Mas isso tivemos também anteriormente, como na ditadura (do ex-presidente Getúlio)Vargas ou depois de 1946, com a redemocratização. Ou seja, não é um fenômeno de forma alguma novo. Muitos desses sistemas são antigos, e agora apenas mudaram as pessoas que participam dele, mas não foram sistemas criados agora. Não tenho nenhuma vinculação partidária, nunca fui vinculado ao PT, mas acho que, em grande parte, as denúncias, o escândalo que se faz em torno disso tem motivação política. É uma forma de dar uma forma negativa ao atual sistema que governa o país. É possível dizer que o Brasil é mais corrupto que outros países? Acho que não. Isto não é privilégio do Brasil, nem da América Latina ou dos países africanos, é um fenômeno universal. Se nós quisermos, vamos facilmente localizar outros países que são mais corruptos que o Brasil. Eu lembraria inclusive países avançados, europeus, como a Itália, que está mergulhada na corrupção há muito tempo e continua assim. Lembro também que, há não muito tempo, a Grã-Bretanha viveu problemas de corrupção no governo do (ex-primeiro-ministro) Tony Blair. Como o senhor vê a corrupção em sua manifestação mais cotidiana, como, por exemplo, os pequenos subornos, praticados por pessoas comuns? Isso é extremamente importante e é, ao meu ver, o ponto de partida. É da pequena corrupção que decorre a grande corrupção. Muitos políticos, mandatários notoriamente corruptos, são eleitos e reeleitos com alto índice de votação. Ou seja, o próprio eleitor que fala contra a corrupção, fala contra os corruptos, vota em corruptos sabendo que são corruptos. Isso é falta de consciência política e de consciência de cidadania, e mesmo falta de consciência da responsabilidade ética implicada na vida social. Esse é o ponto de partida, é o despertar de consciência e de mentalidades que rejeitem a corrupção. Tudo deve começar por aí, mas, claro, tendo sequência no aperfeiçoamento de sistemas de controle e buscando a efetiva punição dos corruptos. Essa "pequena corrupção" tem algo de aceitável? Não creio nisso. É falta de consciência e falta de informação. São necessárias leis que prevejam punição em todos os casos, até para que haja caminhos institucionais para o controle e a punição, para que isso não dependa da vontade de um governante, de um agente, ou do capricho de alguém. É preciso que haja regras claras que tenham legitimidade e se apliquem. A impunidade da corrupção no âmbito político partidário, de alguma maneira, incentiva a corrupção no cotidiano? Há sem dúvida a exploração dessa inconsciência e da relativa facilidade de uso da corrupção. Então, nas práticas político-eleitorais, está a esperança ou a quase certeza de que se poderá usar da corrupção com fins políticos, para captar votos, e isso é um fator de alimentação da corrupção, então é preciso que se preveja essa hipótese, com meios de controle e punição. |
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Ética e Política: ''É da pequena corrupção que decorre a grande corrupção'', afirma Dalmo Dallari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU