15 Outubro 2011
"Infelizmente, muitas vezes este texto de Mateus foi usado para justificar a separação entre a Igreja e o Estado, entre a religião e a política, como se se pudesse separar completamente a dimensão espiritual e a dimensão material da nossa realidade humana."
A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote do Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras deste domingo, 29º Domingo do Tempo Comum. A tradução é do Cepat.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
Segunda Leitura: 1Ts 1, 2-5b;
Evangelho: Mt 22, 15-21.
Às três parábolas do Reino dos três últimos domingos, se seguem, para as próximas duas semanas, duas controvérsias entre Jesus e seus adversários, os fariseus: a primeira (deste domingo) sobre o imposto pago a César e a segunda (domingo próximo) sobre o maior mandamento. Em Jerusalém, onde se aproxima a condenação e a morte de Jesus, vemos que os fariseus estão indispostos e procuram um meio para prender Jesus. Mas Jesus não permite e podemos dizer hoje que ele lhes devolve na mesma moeda: "Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22, 21). Não devemos esquecer que este texto de Mateus, assim como todos os outros, foi escrito depois da Páscoa, à luz da fé pascal, para uma comunidade cristã que certamente vivia em conflito com os romanos, mas especialmente com os judeus que consideravam o cristianismo uma seita temível e perigosa.
1. A controvérsia. Para compreender a controvérsia de hoje, temos que explicar o que é o imposto pago ao imperador, o tributo a César... Estamos na Judeia, uma província de Roma, no primeiro século da era cristã. As pessoas estavam sobrecarregadas com impostos. Havia um imposto que era cobrado para o rei Herodes, outro para o Templo de Jerusalém e os sacerdotes e um outro para o imperador de Roma, além de alfândegas, impostos e pedágios que todos os judeus tinham que pagar... E pior ainda, quando o imperador de Roma, César Augusto se divinizou a si mesmo, ele mandou inscrever na moeda: "O Divino César’, o que chocou alguns líderes judeus que se recusaram não apenas a pagar o tributo a César, mas até mesmo de usar sua moeda. No tempo de Jesus, havia os herodianos e os saduceus que mantinham boas relações com Roma; portanto, a moeda do império circulava pela Judeia. Por outro lado, os fariseus e os zelotes se opunham firmemente a isso... O que envenenava as relações entre Roma e a Judeia.
Esta situação nos permite compreender a cena do evangelista Mateus, onde vemos Jesus sendo questionado pelos discípulos dos fariseus, juntamente com os herodianos: "É permitido pagar o tributo a César, sim ou não?" (Mt 22, 17). A pergunta é realmente uma armadilha: quer Jesus responda sim ou não, ele se enrosca de uma ou de outra maneira. A fórmula: "É permitido...’, é a fórmula clássica para a observância da Lei de Moisés. Se Jesus responde que sim, isso significa que ele está em conluio com os romanos, que idolatram o imperador; mas se ele responde que não, isso significa que ele convida à desobediência e incentiva movimentos extremistas como os zelotes à revolta contra a ocupação romana.
Portanto, a resposta de Jesus é uma inversão da situação: ao pedir para ver uma moeda, ele arma uma armadilha, por sua vez, para os fariseus e os herodianos; ele desmascara sua hipocrisia, já que eles utilizam a moeda do imperador que eles carregam consigo, contra eles. Ele lhes disse: "De quem são esta efígie e esta inscrição?" (Mt 22, 20). Eles devem, portanto, responder à sua própria pergunta... E para mostrar que a política, o poder e o imperador não tinham nada a ver com Deus, Jesus acrescenta: "Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22, 21).
A mensagem é esta: se a imagem cunhada na moeda é do próprio César, isso significa que a moeda pertence a César. Mas se nós seres humanos somos à imagem de Deus, isso significa que nós somos de Deus... Somos rostos de Deus. Pela dupla sentença: "Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é Deus", Jesus desdiviniza o imperador e dessacraliza a sua moeda, e reconhecendo seu valor e devolvendo-o à sua própria responsabilidade. Ao mesmo tempo, Jesus afirma que o imperador não é contrário a Deus... O que pertence a Deus é de Deus e César não tem nenhum poder sobre isso.
2. Nossa dupla realidade humana. Infelizmente, muitas vezes este texto de Mateus foi usado para justificar a separação entre a Igreja e o Estado, entre a religião e a política, como se se pudesse separar completamente a dimensão espiritual e a dimensão material da nossa realidade humana. É verdade que as religiões não têm de impor seus pontos de vista às sociedades civis em sua visão sobre o mundo e sobre o modo de viver em sociedade. No entanto, as religiões podem dar as suas opiniões, interpelar as pessoas, propor um ideal evangélico... mas se o fizerem devem fazê-lo no respeito a cada um: sem julgamentos, sem condenações, com o cuidado da justiça, da equidade, da igualdade na dignidade em vista da Paz e da harmonia entre nós.
A este respeito, penso que a fé cristã influenciou muito as nossas sociedades ocidentais. É justamente esta influência religiosa que está na origem da Carta dos Direitos e das Liberdades, e que permite às minorias serem reconhecidas e respeitadas pela maioria. Entretanto, se as religiões se opõem à evolução dos povos e das sociedades e se elas julgam e condenam a novidade, isso significa que as religiões são contrárias ao ideal evangélico, proposto por Cristo que os líderes religiosos dizem representar. Neste caso, certamente não deveria surpreender o fato de que os religiosos sejam criticados, abandonados e até mesmo rejeitados pelos cristãos e cristãs de hoje.
Na segunda leitura, São Paulo, em sua primeira carta aos Tessalonicenses (por sinal, é o texto mais antigo do Novo Testamento escrito em Corinto aproximadamente no ano 51 d.C.), nos lembra que a vida cristã repousa sobre três pilares: a fé, a esperança e o amor. Ele diz: "Sem cessar, conservamos a lembrança de vossa fé ativa, de vosso amor sacrificado e de vossa perseverante esperança, que nos vêm de nosso Senhor Jesus Cristo, diante de Deus nosso Pai" (1Ts 1, 3). Se nós nos apoiarmos nestes três pilares da fé cristã, o Evangelho que proclamamos não será uma simples palavra, mas um poder, uma ação do Espírito Santo, uma certeza absoluta (1Ts 1, 5): ela é a Palavra de Deus.
Apoiar-se sobre estes três pilares da fé cristã é ver o mundo de forma diferente; isso dá uma qualidade de ser e de agir que promove a justiça e a paz. Isso humaniza a sociedade e as pessoas que a compõem, e possibilita a universalidade e a pluralidade em nosso mundo. Assim, a Palavra de Deus não é simplesmente um texto bíblico que podemos ler e reler todos os domingos; é uma Palavra que expressa a fé, a esperança e a caridade da Igreja na sua realidade histórica e teológica. O que era verdade para a comunidade de Tessalônica, também é verdade para as comunidades cristãs de hoje.
Concluindo, a laicidade não significa que um cristão não deva exercer uma função política na sociedade civil. Pelo contrário, ele pode fazê-lo, mas deve fazê-lo no respeito pelos outros que não compartilham a sua fé. Ser cristão não é impor uma fé aos outros. Ser cristão é dar testemunho de sua fé e esperança aos outros; é a única maneira de fazê-los querer crer e esperar. Sobre o Evangelho de hoje, Santo Agostinho dizia: "Do mesmo modo como César busca a sua imagem em uma moeda, Deus procura sua imagem na sua alma. Dai a César, diz o Salvador, o que pertence a César. O que César exigiu de ti? Sua imagem. O que o Senhor pede de ti? Sua imagem. Mas a imagem de César está em uma moeda, a imagem de Deus está em ti."
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