21 Fevereiro 2020
Neste espaço se entrelaçam poesia e mística. Por meio de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG.
Cena de "O Segredo das Águas". (Foto: Divulgação)
É preciso ficar submerso
É preciso aprender a ficar submerso
por algum tempo. É preciso aprender.
Há dias de sol por cima da prancha,
há outros, em que tudo é caixote, vaca,
caldo. É preciso aprender a ficar submerso
por algum tempo, é preciso aprender
a persistir, a não desistir, é preciso,
é preciso aprender a ficar submerso,
é preciso aprender a ficar lá embaixo,
no círculo sem luz, no furacão de água
que o arremessa ainda mais para baixo,
onde estão os desafiadores dos limites
humanos. É preciso aprender a ficar submerso
por algum tempo, a persistir, a não desistir,
a não achar que o pulmão vai estourar,
a não achar que o estômago vai estourar,
que as veias salgadas como charque
vão estourar, que um coral vai estourar
os miolos – os seus miolos -, que você
nunca mais verá o sol por cima da água.
É preciso aprender a ficar submerso, a não
falar, a não gritar, a não querer gritar
quando a areia cuspir navalhas em seu rosto,
quando a rocha soltar britadeiras
em sua cabeça, quando seu corpo
se retorcer feito meia em máquina de lavar,
é preciso ser duro, é preciso aguentar,
é preciso persistir, é preciso não desistir.
É preciso aprender a ficar submerso
por algum tempo, é preciso aprender
a aguentar, é preciso aguentar
esperar, é preciso aguentar esperar
até se esquecer do tempo, até se esquecer
do que se espera, até se esquecer da espera,
é preciso aguentar ficar submerso
até se esquecer de que está aguentando,
é preciso aguentar ficar submerso
até que o voluntarioso vulcão de água
arremesse você de volta para fora dele.
Fonte: Alberto Pucheu. Mais cotidiano que o cotidiano. Rio de Janeiro: Azougue, 2013, p. 9
Alberto Pucheu (Foto: Reprodução de frame do YouTube)
Nascido em 1966, Alberto Pucheu é poeta, ensaísta, professor de Teoria Literária da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Cientista, pela Faperj, e pesquisador do CNPq. Seu livro de ensaios Pelo colorido, para além do cinzento; a literatura e seus entornos interventivos recebeu o Prêmio Mário de Andrade de Ensaio Literário, da Fundação Biblioteca Nacional. Além de ter mantido o blog “O cuidado da poesia; poemas do e para o nosso tempo” durante meses no site da Revista Cult e de ter preparado um dossiê sobre poesia contemporânea para a mesma revista, Alberto Pucheu também tem publicado poemas e ensaios em diversos livros, periódicos acadêmicos brasileiros e em portais nacionais e internacionais de literatura, bem como em vários jornais do país e em sites específicos. Em 2011, sob a curadoria de Alberto Saraiva, realizou a instalação Palavras, na Oi Futuro de Ipanema.
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É preciso ficar submerso. Alberto Pucheu na oração inter-religiosa desta semana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU