A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 10,46-52 que corresponde ao 30° Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Naquele tempo, Jesus saiu de Jericó, junto com seus discípulos e uma grande multidão. O filho de Timeu, Bartimeu, cego e mendigo, estava sentado à beira do caminho. Quando ouviu dizer que Jesus, o Nazareno, estava passando, começou a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava mais ainda: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”. Eles o chamaram e disseram: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. Então Jesus lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja!” Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho.
Jesus saiu de Jericó, junto com seus discípulos e uma grande multidão. Mais uma vez, Jesus continua sua jornada e passa por diferentes vilarejos e lugares. Em sua peregrinação, ele vê realidades, aceita situações e se permite ser desafiado pelos apelos que encontra em seu caminho. O texto deste domingo nos apresenta a um homem: Bartimeu, filho de Timeu, cego e mendigo. De acordo com a história, tanto ele quanto seu pai são conhecidos, pois ele os chama pelo nome. Bartimeu, além de ser cego e mendigo, “estava sentado à beira do caminho”. A doença, considerada um castigo divino por algum pecado, fez com que a pessoa fosse expulsa do espaço habitável e ficasse na periferia dos vilarejos ou das cidades. Eles são marginalizados da sociedade, considerados impuros e precisam viver longe das pessoas para não contaminá-las.
Atualmente, em alguns ambientes populares, quando certas doenças são confirmadas, ressoa o boato: “deve ser por causa de alguma coisa”, “é culpa de algum parente”, ou expressões que tentam justificar a deficiência de uma pessoa. A doença congênita, o aparecimento de uma doença que não tem cura, pelo menos até agora descoberta, a deficiência, as dificuldades motoras ou outras, levam à busca das causas, dos responsáveis, tentando encontrar respostas para essas situações de limitação, fragilidade, sofrimento. No fim, trata-se de uma pergunta sobre o mistério da dor humana, um mistério que sempre acompanhou a história da humanidade. Como disse Roberto Mela: “A Bíblia conhece a existência da dor do ser humano frágil, limitado, mortal. Tenta dar respostas ligando o sofrimento ao pecado. O fato é que a dor manifesta a natureza transitória do ser humano e o fato de ele estar destinado a um ‘algo mais’ que, nesta vida, não conseguimos experimentar plenamente”. (Disponível em: Palavras sobre a dor)
O relato evangélico nos diz: Quando ouviu dizer que Jesus, o Nazareno, estava passando, começou a gritar: "Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!" Bartimeu ouviu falar de Jesus, talvez tenha ouvido falar dos milagres que Ele havia feito, das curas, e talvez estivesse alimentando a esperança de encontrá-Lo, de sentir Sua voz, de receber Sua bênção e de ser curado. Bartimeu, com um ouvido atento, ouve que Jesus está próximo, “passando”. Sem hesitar, começa a chamá-Lo. Mas a multidão tenta silenciar seu grito, “muitos o repreendiam para que se calasse” e a única coisa que ele consegue é gritar mais alto: “Filho de Davi, tem piedade de mim!"
Recompondo a cena, vemos Bartimeu, que é cego e mendigo e está sentado na beira do caminho. Está longe da estrada que é ocupada por aqueles que “vêm”, aqueles que podem se mover por seus próprios meios. Ele ouve que há um movimento importante, que esse Jesus, de quem talvez ele também tenha ouvido falar, está passando por aquele lugar e, sem hesitar, começa a chamá-lo. Mas há um grupo de pessoas que tenta abafar seu grito e elas o repreendem. Estão chateados com seu clamor e parecem se considerar com autoridade para decidir quais gritos devem chegar até Jesus e quais devem permanecer silenciados. São eles que “organizam”, selecionam e controlam os clamores e as reclamações das pessoas pobres e simples. É um grupo que, talvez, esteja ao lado de Jesus ou acompanhando-o de longe, mas filtra os protestos, as queixas e clamores, como neste caso acontece com Bartimeu. Mas ele exalta ainda mais sua voz e clama com mais intensidade, porque sua intenção é chegar aos ouvidos de Jesus. Ele sabe que Jesus o ouvirá.
Então Jesus parou e disse: "Chamai-o".
Ao contrário do grupo que tentou silenciá-lo, Jesus interrompe sua marcha e manda chamá-lo. Mais uma vez, Jesus se permite ser desafiado pelo que cruza seu caminho. Ele não é surdo à voz da dor, ao grito que vem do fundo do coração. Ele sabe como distinguir a súplica de Bartimeu dos gritos que podem tê-lo acompanhado ao longo da estrada. Há uma diferença e sua sensibilidade a distingue, e é por isso que ele o manda buscar. Jesus derruba o muro daqueles que tentaram silenciá-lo.
“Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus.
Ter coragem, levantar-se e ouvir o chamado de Jesus são três anúncios que Bartimeu recebe e que o levam imediatamente a três outras ações: jogar o manto, pular e ir até Jesus. É uma sequência de ações que se torna a matriz fundamental sobre a qual se baseia o encontro de diálogo que ele tem mais tarde com Jesus. Bartimeu não vai timidamente ou com a culpa da doença que tem, mas se aproxima com determinação, com o espírito de esperança de estar com Jesus. Para se levantar, ele joga fora sua capa, deixando de lado tudo o que era seu, e nessa capa também está sua história, seu passado, aquilo que lhe deu a identidade de estar sentado à beira da estrada como cego e mendigo. Ele joga tudo fora e salta através de sua dor. Ele para de sentar e fica de pé! A partir desse momento, ele pode ir até Jesus. Três movimentos quase simultâneos que descrevem sua participação e resposta ao chamado de Jesus.
Então Jesus lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja!”
Em várias ocasiões, os evangelhos nos apresentam essa pergunta de Jesus: “O que você quer que eu faça?” É necessário que o cego expresse sua necessidade. Embora isso possa parecer óbvio para alguns, não é assim para Jesus. O grito feito palavra tem de chegar aos ouvidos de Jesus: que eu veja. Não basta se aproximar de Jesus; o cego precisa dizer a Jesus o que ele quer: ver! Nesse encontro por meio do diálogo com Jesus, ele recebe o bálsamo de suas palavras tão esperadas: “Vai, a tua fé te curou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho.
Relendo os diferentes momentos dessa história, nós nos perguntamos: de que lado estamos?
Somos como o cego que, cheio de coragem e bravura, clama a Jesus, clama pela vida, pela justiça, pela paz, ignorando aqueles que tentam silenciá-lo? Ou fazemos parte do grupo que tenta extinguir esse grito? Somos a voz que recolhe os gritos silenciados ou somos aqueles que silenciam os gritos, porque são desagradáveis, porque questionam e porque, no fim, perturbam um bem-estar sereno e aparentemente religioso, deixando centenas de pessoas descartadas na beira da estrada. Fazemos da pergunta do Papa Francisco a nossa própria pergunta: "Como é que permitimos a cultura descartável – na qual milhões de homens e mulheres não valem nada em comparação com os bens econômicos – como é que permitimos que esta cultura domine as nossas vidas, as nossas cidades, o nosso modo de vida?” A sociedade caiu numa cultura de indiferença tão difundida que “os nossos pescoços vão ficar rígidos” por nos afastarmos constantemente do sofrimento das pessoas marginalizadas. O Papa adverte sobre o risco de ficarmos com torcicolo de tanto desviar o olhar das pessoas que vivem à margem.
Neste domingo, somos convidados a ser como Jesus, que para e ouve o clamor do cego, para em seu caminho e manda chamá-lo. Aqueles de nós que querem seguir Jesus não podem ser surdos ou cegos para os milhares de pessoas que vivem à beira de nossas estradas, deixando que as calçadas, as portas dos prédios ou os espaços desabitados sejam seus dormitórios públicos, os lugares onde moram e caminham ao seu lado com indiferença ou hábito. Do coração da nossa sociedade, pedimos:
Preciso de Ti!
Sem merecê-lo,
sem ter nada para te oferecer.
Mas preciso de Ti!
Não é pelo que eu fiz
nem pelo que tenho amado
porque nada te compra.
Mas, Senhor,
eu necessito de ti!
Como uma pobre mendiga:
Tem compaixão de mim!