Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF: Dr. Bruno Glaab, Me. Carlos Rodrigo Dutra, Dr. Humberto Maiztegui e Me. Rita de Cácia Ló. Edição: Dr. Vanildo Luiz Zugno.
1ª leitura - Os 6,3-6
Salmo - Sl 49(50),1.8.12-13.14-15 (R. 23b)
2ª leitura - Rm 4,18-25
Evangelho - Mt 9,9-13
Se, por detrás das curas efetuadas por Jesus, está sua autoridade de remir os pecados, então cura dos enfermos e perdão dos pecadores são estreitamente associados. Por isso vemos que Mt estabelece uma linha de continuidade entre a cura de um paralítico (9,1-8) e a vocação de um cobrador de impostos (9,9-13), episódio que introduz a missão de Jesus junto aos pecadores.
“Mateus” não é nome deste cobrador de impostos no Evangelho segundo Marcos (2,14), que o chama “Levi, filho de Alfeu”. Aqui, o primeiro Evangelho canônico, segue uma tradição própria, atribuindo ao cobrador de impostos o nome do apóstolo Mateus (10,3), nome que deriva da forma hebraica abreviada Mathai: dom de Iahweh. Em todo o Evangelho de Mateus, esta é a única mudança de nome em relação ao evangelho de Marcos. O autor, que desse modo “assina”, por um lado pretende possuir a autoridade apostólica de Mateus, mas de outro considera-se a si mesmo nada mais que um pecador perdoado.
A perícope do chamado de Mateus é ainda mais resumida do que aquela dos primeiros quatro apóstolos (4,19s). “… e disse-lhe: Segue-me! E ele se levantou e o seguiu” (v.9).
Porém, todo o interesse recai sobre a refeição que acontece imediatamente, em companhia de “muitos publicanos (telônai) e pecadores (amartoloì)” que comem com Jesus e seus discípulos, na sua casa, ou seja, de Levi, segundo Mc 2,15; “em casa”, ou seja na de Jesus, segundo Mt 9,10.
A atitude de Jesus que perdoou pecadores (9,9) e até os admite à sua mesa, provoca uma reação por parte dos fariseus: “Por que vosso mestre come com os publicanos e pecadores?” (v.11).
“Publicanos e pecadores” são dois termos quase sinônimos, na tradição judaica e evangélica. Não significa, como amiúde se pressupõe, que os telônai fossem considerados impuros, mas sim que seu trabalho possuía má fama.
Normalmente seguindo a Vulgata, traduzimos por “publicanos” este nome da profissão, mas tal tradução é discutível do ponto de vista histórico. “Publicanos”, a rigor, seriam somente os grandes funcionários do fisco romano, não os seus agentes judeus. Esses publicanos romanos estabeleciam o imposto em uma soma fixa, que os coletores locais deviam cobrar dos contribuintes, com a liberdade de obter seu lucro. E esses métodos arbitrários, associados à colaboração com as forças de ocupação, traziam a eles péssima reputação ao seu trabalho.
Os fariseus, portanto, se escandalizam que Jesus sente-se à mesa com eles. Jesus, respondendo, se apresenta como um “médico” (iatrós) do qual hão necessidade os enfermos, e não os “fortes”, os sãos.
Mas Mt parte o dito de Jesus, o qual se lê em Mc 2,17, com uma citação que lhe é própria, de Os 6,6: “Misericórdia eu quero, não sacrifícios”. A passagem é citada duas vezes, aqui e em Mt 12,7, e desta vez introduzida com uma fórmula: “Ide aprender o que significa” (poreuthéntes de máthete tí estin…).
Parece que estamos diante de um argumento ad hominem: também vós (fariseus) sustentam a superioridade da misericórdia sobre o “culto”, as obrigações rituais, as regras alimentares etc., e, portanto, por que ficais espantados?
O texto não é citado no sentido do texto hebraico original que exigia hesed, isto é, “dedicação”, “amor” em relação a Iahweh, mas segundo a tradução grega Septuaginta, que traduziu o termo hesed por éleos: “misericórdia”, dando ao texto um sentido horizontal de misericórdia no relacionamento humano.
O relato da disputa termina com a afirmação de Jesus: ou gàr elthon kalésai dikaíous allà amartoloús, “não vim chamar justos, mas pecadores”. “Justos … pecadores” não quer dizer que Jesus enxergasse o mundo em chave dualística; mas assume o ponto de vista dos seus interlocutores para virá-lo ao contrário. O convite para o banquete no Reino de Deus é justamente dirigido àqueles que se sentiam excluídos. Os “justos” conheciam o convite de Deus, mas em sua autojustificação, corriam o risco de fechar-se a esse convite.
No texto do profeta Oseias, somos convidados/as à cura da enfermidade espiritual e inconsistente conversão. O v, 6 é a célebre formulação do anúncio central profético sobre o nexo íntimo entre culto e vida, religião e justiça, fé e moral. A Segunda Leitura sublinha a fé sólida de Abraão imitada por cada cristão que crê em Cristo morto e ressuscitado.