15º domingo do tempo comum – Ano C – Subsídio exegético

08 Julho 2022

 

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF:

 

Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló

 

Leituras do dia

 

Primeira Leitura: Dt 30,10-14
Salmo: 68,14.17.30-31.33-34.36ab.37
Segunda Leitura: Cl 1,15-20
Evangelho: Lc 10,25-37

 


O amor de Deus que se traduz no amor ao próximo (v. 25-37) é condição essencial para herdar a vida eterna. Esta seção lucana representa uma pequena catequese centrada no duplo mandamento do amor, que constitui o coração do ensino de Jesus. À controvérsia com um doutor da Lei (v.25-28), Lc faz seguir como exemplo a parábola do bom samaritano (v.29-37). O verbo poieó, “fazer” (v.25,28,37bis), é um termo chave que confere unidade literária à composição, centrada na prática cristã.

 

Lc faz uso deste diálogo entre Jesus e um doutor da Lei para apresentar a parábola do samaritano. Em Mt (22,34-40) e Mc (12,28- 34), o episódio é relatado no final da vida de Jesus.

 

v.25. “Levantou-se um doutor da Lei e, para testá-lo, perguntou...” No relato de Mc, o escriba parece bem-intencionado, pede esclarecimentos sobre um problema profundamente sentido no judaísmo, dado o exorbitante número de mandamentos classificados pelos rabinos: eram 613. Em Mt e Lc o doutor da Lei faz a pergunta com uma intenção capciosa para com Jesus, (ekpeirazó) “para colocá-lo à prova”. O diálogo didático de Mc se transforma em Mt e Lc em uma polêmica, denotando a tensão entre a igreja e a sinagoga. No entanto, o episódio demonstra a concordância entre o ensino de Jesus e as Escrituras. Em Lc, a questão do escriba não é tanto sobre o conhecimento do mandamento mais importante, mas sim o procedimento a ser seguido a fim de obter a vida eterna: um problema de casuística farisaica é transferido para o nível da vida concreta dos seguidores de Jesus.

 

v.27. O escriba menciona o início do Shemá (Dt 6,5), que todo israelita piedoso recitava de manhã e à noite; então segue imediatamente o mandamento de amar o próximo, embora derivado de outro texto (Lv 19,18). Os dois preceitos, combinados em uma única frase, resultam mais intimamente ligados. Para Lc eles são inseparáveis, porque a verdadeira religiosidade deve se materializar nas relações interpessoais da vida diária. Não é relevante para o evangelista se foi Jesus quem os associou, porque ao contrário de Mt e Mc, ele apresenta a resposta na boca do doutor da Lei.

 

v.28. “Respondeste bem. Faze isso e viverás.” Jesus aprova a resposta do escriba: não basta teoria, é preciso prática. O acento recai sobre “fazer”, que será repetido na conclusão da parábola de bom samaritano (v.37), formando uma inclusão.

 

A parábola está ligada ao mandamento do amor ao próximo. Não era fácil estabelecer no ambiente judaico quem deveria ser considerado “próximo”: certamente cada membro de Israel o era, mas também o estrangeiro que vivia entre os judeus (Lv 19,34), mais tarde também o prosélito pagão. O âmbito do preceito constituía um problema controverso nas escolas rabínicas. Em nenhum caso um judeu devia se preocupar em salvar um samaritano.

 

Jesus, ao invés de insistir em questões teóricas, prefere dar um exemplo concreto, para ilustrar em que consiste o verdadeiro amor ao próximo. O conto é um exemplo parabólico, que constitui uma verdadeira joia do evangelho e tem inspirado muitas pessoas a fazerem o máximo pelos necessitados, acima de qualquer discriminação.

 

v.30. O cenário da narrativa tem um alto grau de verossimilhança, o suficiente para dar a impressão de que Jesus se refere a um fato que realmente aconteceu. Quem vai para a Cidade Santa “sobe”, quem volta de lá “desce”. A estrada de Jerusalém (cerca de 750m acima do nível do mar) desce para Jericó (300m sob o nível do mar Mediterrâneo), tinha 27 km de extensão e cruzava a área desértica da Judeia com uma série de serpentinas entre ravinas e barrancos íngremes: um lugar ideal não só para rebeldes políticos, mas também para malfeitores, saqueadores, que atacavam os viajantes, despojando-os de tudo e espancando-os descontroladamente.

 

v.31-32. Em Jericó viviam muitos sacerdotes e levitas que iam a Jerusalém todos os anos para sua semana de turno no serviço litúrgico. Talvez Jesus especialmente escolha um sacerdote e um levita, homens religiosos, ao contrário de um samaritano, que era odiado e desprezado porque considerado herege. O amor não precisa conhecer barreiras raciais ou mesmo religiosas. Segundo outros comentadores, a escolha é motivada pela condenação de um ritualismo vazio e inútil, porque desprovido de amor. Para não se contaminar, era preciso evitar o contato com cadáveres ou “homem meio morto” (cf. Lv 21,1). Os dois, entre o amor ao próximo e pureza legal para o serviço do culto, não hesitam. Por isso, não se aproximam do homem ferido.

 

v.33-35. O samaritano se aproxima do infeliz, independentemente da nacionalidade a que pertença; provavelmente era um judeu, porque vinha de Jerusalém. É conhecido o ódio antigo que dividiu os samaritanos dos judeus, que os consideravam da mesma maneira que os pagãos. O bom samaritano não se importa com rancores nacionalistas ou desacordos religiosos, mas ele teve compaixão (esplanchnisthē, um verbo que na Bíblia indica frequentemente a compaixão de Deus) do homem ferido e que precisa de ajuda. Ele faz o possível por ele, trata de suas feridas, cuida dele e o transporta para uma hospedaria. Ele oferece ao hoteleiro duas moedas de prata, o que correspondia aproximadamente a dois dias de trabalho. O sentimento de compaixão prevaleceu sobre o preconceito, fazendo triunfar o amor. Nos personagens opostos, a preocupação com a pureza ritual extinguiu a caridade nos corações de dois homens que deviam encarnar o mandamento do amor de Deus.

 

v.36. “Na tua opinião, quem destes três se tornou próximo?...” Jesus não responde à pergunta do seu interlocutor sobre quem deve ser considerado próximo, mas pergunta a ele qual dos três se comportou como tal para o infeliz viajante. Ele elude as sutis discussões rabínicas sobre quem é o próximo, nem mesmo teoricamente afirma que este é toda pessoa necessitada de ajuda, mas responde com um exemplo prático, para mostrar como é preciso se comportar para se tornar verdadeiramente próximo, ou seja, cumprir o mandamento do amor. Jesus não está interessado na definição exata de “próximo”, mas sim a prática do amor relacionada a quem precisa de ajuda, independentemente de qualquer distinção cultural, racial, social, religiosa.

 

v.37. Quem ouviu a palavra deve passar para a ação: “Vai e faze tu o mesmo.” O centro doutrinal do discurso da planície, expresso no mandamento de amor, vertia sobre a imitação da misericórdia do Pai celestial. Com o exemplo do bom samaritano, Jesus ensina como o preceito do amor deve ser traduzido na vida cotidiana. Só quem escuta suas palavras e “as faz” constrói a casa espiritual na rocha.

 

A liturgia, ao associar a 1ª. Leitura ao Evangelho, põe em situação de proximidade a palavra de Deus e o amor fraterno.

 

 

 

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