6º domingo do tempo comum – Ano C – Subsídio exegético

11 Fevereiro 2022

 

Segundo o Evangelho desse 6º domingo do tempo comum, "os 'bem-aventurados' são os pobres, os famintos, os aflitos, os perseguidos. Mas quem são estes? Segundo o termo bíblico, são os anawim, pessoas privadas de segurança material e social. É preciso repetir e salientar que tais pessoas não são “bem-aventuradas” por sua condição social precária, mas porque, com Jesus, Deus toma a defesa dos pobres, faz justiça a quem está privado dela, oferece uma esperança e um futuro a quem se acha sem futuro e sem esperança. Repetindo, os pobres são bem-aventurados, não porque são pobres, e sim porque deles é o Reino de Deus."

 

E "as 'bem-aventuranças' de Jesus não abençoam nem consagram a situação dos pobres, dos famintos ou dos aflitos como condição ideal para acolher o Reino de Deus. Isto é, a pobreza, aqui, não deve ser tomada como consequência da renúncia aos bens materiais. Ler o texto do evangelho desta forma equivale a tornar-se cúmplice da injustiça e da prepotência humana. Aliás, a continuação do trecho lido hoje vai exatamente na direção de desmascarar tudo o que é egoísmo e falta de solidariedade. Lucas (e somente ele) acrescenta o contrário das “bem-aventuranças”. É o assim chamado “ai”, que pode ser considerado uma “mal-aventurança”. Trata-se de outro tipo de declaração, também frequente na Bíblia, caracterizado pela denúncia de um comportamento contrário à vontade de Deus e, normalmente, seguido do castigo correspondente: ruína, derrota na guerra, empobrecimento etc."

 

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da ESTEF:

Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló
Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno

 

Leituras do dia

Primeira Leitura: Jr 17,5-8
Salmo: 1,1-2.3.4.6
Segunda Leitura: 1Cor 15,12.16-20
Evangelho: Lc 6,17.20-26

 

O Evangelho de hoje pertence ao assim chamado “Sermão da Planície” (Lc 6,17-49), que equivale ao “Sermão da Montanha” de Mt 5–7. No trecho que lemos na liturgia, temos a versão lucana das bem-aventuranças. A palavra grega para “bem-aventurança” é macarismo. Trata-se de um anúncio de felicitação no qual se afirma que um determinado modo de viver faz com que a pessoa mereça ser feliz.

 

A bem-aventurança é um gênero literário bem conhecido na Bíblia, muito usada pelos profetas e pelos sábios: Is 30,18; 56,2; Dn 12,12; Pr 3,13; 8,34; Ecl 10,17; Sl 1,2; 2,12 ;17,5; 32,1.2; 40,5.

 

dois tipos de bem-aventurança. O primeiro é a bem-aventurança breve: apenas elogia um tipo de comportamento. Assim em Sl 2,12 e Ap 19,9. O segundo é a bem-aventurança longa: após elogiar o comportamento, explica qual a alegria que aquele comportamento trará. As bem-aventuranças do evangelho de hoje são do segundo tipo: os pobres são felizes, não porque são pobres, mas porque “deles é o Reino de Deus”; os famintos são felizes, não porque são famintos, mas porque serão saciados, e assim por diante.

 

A expressão “Reino de Deus” (v. 20) refere-se à realidade totalmente nova que tem início com a comunidade dos discípulos e das discípulas de Jesus. Esta realidade nova se prolonga na história até o fim dos tempos e tem sua plenitude na eternidade. Portanto, o/as discípulo/as ou fiéis são declarados felizes pelo seu encontro com a salvação de Deus que se revelou em Jesus (Lc 10,23-24; 11,27-28). Assim, não se trata de felicitação abstrata nem de um desejo de piedade religiosa, mas de uma declaração solene, feita com a autoridade e a força do Deus que age na história para efetuar sua justiça.

 

No Evangelho, os “bem-aventurados” são os pobres, os famintos, os aflitos, os perseguidos. Mas quem são estes? Segundo o termo bíblico, são os anawim, pessoas privadas de segurança material e social. É preciso repetir e salientar que tais pessoas não são “bem-aventuradas” por sua condição social precária, mas porque, com Jesus, Deus toma a defesa dos pobres, faz justiça a quem está privado dela, oferece uma esperança e um futuro a quem se acha sem futuro e sem esperança. Repetindo, os pobres são bem-aventurados, não porque são pobres, e sim porque deles é o Reino de Deus...

 

Em outras palavras, as “bem-aventuranças” de Jesus não abençoam nem consagram a situação dos pobres, dos famintos ou dos aflitos como condição ideal para acolher o Reino de Deus. Isto é, a pobreza, aqui, não deve ser tomada como consequência da renúncia aos bens materiais. Ler o texto do evangelho desta forma equivale a tornar-se cúmplice da injustiça e da prepotência humana. Aliás, a continuação do trecho lido hoje vai exatamente na direção de desmascarar tudo o que é egoísmo e falta de solidariedade. Lucas (e somente ele) acrescenta o contrário das “bem-aventuranças”. É o assim chamado “ai”, que pode ser considerado uma “mal-aventurança”. Trata-se de outro tipo de declaração, também frequente na Bíblia, caracterizado pela denúncia de um comportamento contrário à vontade de Deus e, normalmente, seguido do castigo correspondente: ruína, derrota na guerra, empobrecimento etc.

 

O “ai” ou “mal-aventurança” tem suas raízes nos cantos fúnebres, para lamentar a morte de uma pessoa, principalmente se a morte foi trágica. Assim, por exemplo, em 1Rs 13,30. Nos profetas, o “ai” é o principal modo de decretar a condenação de uma pessoa, de um grupo de pessoas ou de toda uma nação. Em Isaías 5, temos seis “ais” contra vários grupos que promovem e enriquecem com as injustiças. Por exemplo, Is 5,8-9: “Ai dos que acrescentam casas a casas [...] suas muitas casas serão reduzidas a ruinas”.

 

No evangelho de hoje, nos vv. 24-26, lemos quatro “ais”. Devemos notar que esses “ais” são exatamente o reverso das “bem-aventuranças” dos vv. 20-22: “bem-aventurados vós, os pobres” X “ai de vós, os ricos” (vv. 20 e 24); “bem-aventurados vós, os que agora passais fome” X “ai de vós, os que agora estais saciados (vv. 21 e 25), e assim por diante.

 

Diferentes da bem-aventuranças de Mateus, que são dirigidas na terceira pessoa (“aqueles que”), as bem-aventuranças (bem como os ais) de Lucas são dirigidas na segunda pessoa (“vós”). Além disso, há outra grande diferença, que fica bem evidente quando fazemos o confronto com os “ais”. Mateus é mais espiritual: “os pobres em espírito”; “fome e sede de justiça”; Lucas é bem concreto: “vós, os pobres (de recursos financeiros)”, “vós, os que agora passais fome (de comida)”.

 

Por outro lado, as “mal-aventuranças” não são maldições! A melhor interpretação é que são lamentações que trazem embutidas acusações e o anúncio do castigo. Muitas vezes, elas funcionam como um convite à conversão ou à mudança radical. Por isso, na boca de Jesus, as “mal-aventuranças” de hoje são uma advertência para a comunidade cristã: que ninguém se iluda com o sucesso fácil, a fama, o prestígio e a vida sem compromisso.

 

Em resumo, tanto as “bem-aventuranças” como as “mal-aventuranças” são um convite urgente dirigido à comunidade dos discípulos e das discípulas, para que se confrontem seriamente com a alternativa proposta por Jesus: ou com os “pobres”, para o Reino de Deus; ou com os ricos, na ilusão que leva à falência. Depois das bem e das mal-aventuranças, não há mais lugar para uma neutralidade tranquila ou uma falsa consciência cristã.

 

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