O subsídio é elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF:
1ª Leitura - Sb 2,12.17-20
Salmo - Sl 53,3-4.5.6.8 (R. 6b)
2ª Leitura - Tg 3,16-4,3
Evangelho - Mc 9,30-37
A seleção do Evangelho segundo a comunidade de Marcos traz dois elementos: o anúncio da Paixão (v. 30-32) e a comunidade dos discípulos (9.33-37), sendo que este segundo tema é novamente tratado em 10,36-45. Nos paralelos do anúncio da paixão (Mt 17,22-23; Lc 9,43b-45) percebemos que somente neste Evangelho se anuncia simultaneamente a morte e ressurreição. Já em relação à questão sobre “maior/primeiro” tendo a criança como mediação, os paralelos encontram-se em Mt 18,-5 e Lc 9,46-48. No entanto, a frase, ou “máxima”, apresentada em Mc 9.35 (“qualquer que queira ser o primeiro deverá ser o último de todos e servir a todos), e no caso de Lucas não inclui os termos “primeiro” e “servo” (protos/diáconos), colocando no lugar “menor” e “grande” não citando o serviço. Mateus trata do “primeiro/último” e “servo” no marco da discussão provocada por Tiago e João. Marcos, na narrativa da discussão entre Tiago e João, repetirá: “quem quiser ser o primeiro seja o servo de todos” (10.44). Já Lucas apresentará a máxima dentro da metáfora da “porta estreita” (Lc 13.22-30) concluindo: “contudo, há últimos que virão ser os primeiros que serão últimos”. Estas observações levantam questões como: por que o anúncio da morte não estava completo sem o anúncio da ressurreição, e por que Mc reafirma o serviço com vínculo de autoridade na proclamação de Jesus?
O primeiro texto, que aqui devemos chamar de “anúncio da paixão e ressurreição” (9.30-32) começa dizendo que Jesus estava indo secretamente para a Galileia, como um “fugitivo”, situação vivida por esta comunidade após a perseguição promovida por Nero em Roma (aprox.64 d.C.), coisa que não aparece em nenhum dos paralelos sinóticos. Assim devemos entender a denúncia das forças de morte, de perseguição e violência, quando o “Filho do Ser Humano” e estregue nas mãos dos “homens”, isto é, aquelas pessoas que sendo feitas irmãs em Cristo negam sua própria humanidade oprimindo, matando, discriminando, excluindo, outras pessoas. Desta forma a ressurreição é essencial para, no meio da perseguição e morte, manter a esperança do surgimento ou ressurgimento de uma humanidade de irmãs e irmãos.
O poder do serviço à luz da presença das crianças (9,33-37)
v.33 - O questionamento: A segunda parte começa com dizendo que Jesus “interrogou/perguntou” (eperóta). A interrogação é um conhecido método de mestres da antiguidade, que nenhum Evangelho menciona mais do que este. A pergunta de Jesus é a pergunta da comunidade (representada pelos discípulos) é sobre qual seria a liderança adequada diante de uma situação de morte e violência, dentro de um sistema opressor, excludente e desigual?
v.34 – O silêncio: Ao questionamento lhe segue o “silêncio”, porque haviam “discutido” (dilektesan) pelo “caminho”. O “caminho” é outra característica desta narrativa, que não aparece nos outros sinóticos, de novo marca de uma comunidade à caminho, entre a dor da violência e da morte e o horizonte de um mundo novo e melhor.
v. 35 – Jesus ouve e orienta a comunidade perseguida: Jesus, que caminha junto a comunidade perseguida, consegue ouvir aquilo que é comentado com receio, aquilo que não é possível discutir abertamente, e então apresenta o princípio orientador: “Quem quiser ser o primeiro seja o último de todos e servo de todos” (v.35b, do grego). O poder da vida, o anti-poder da morte, é aquele que emerge das pessoas que no sistema desigual e excludente são as últimas e que se constrói no serviço, diaconia, na ação compassiva e solidária.
v.36 – A criança, imagem da nova humanidade: As crianças, que são apresentadas de diversas formas no Segundo Testamento, desde crianças de colo até jovens, aqui são chamadas “paidon”(crianças muito novas, nenéns). A criança é o símbolo do esperançar (da qual falava Paulo Freire), totalmente indefesa e dependente, na mesma situação das pessoas perseguidas, excluídas, querendo o colo da segurança, da proteção, da partilha do pão e do afeto.
v. 37 – Acolhimento solidário, espaço de resistência e superação: O poder do serviço se exerce no acolhimento. As comunidades perseguidas devem ser comunidades que abraçam todas as pessoas vulneráveis, todas a vítimas da violência, todas as excluídas e discriminadas, e proclamam a igualdade de acesso a tudo, inclusive ao amor.
A leitura do Livro de Sabedoria reflete a época do domínio grego, início do domínio romano, descrevendo como as forças de morte querem a morte da pessoa justa que lhes incomoda, que lhes faz lembrar da necessidade de justiça e igualdade (Sb 2,12), Já a Carta de Tiago nos traz outra máxima para o caminho de resistência contra os poderes de morte e para o exercício do poder do serviço: “é em paz que se semeia o fruto da justiça, para quem promove a paz” (Tg 3,18). A diaconia e a opção pelas pessoas últimas são ação de semear a verdadeira e douradora paz, a paz que não exclui, mas acolhe.