24º domingo do tempo comum – Ano B – Subsídio exegético

Foto: Tiago Pires

11 Setembro 2021

"Jesus anuncia o genuíno logos do Evangelho. Pedro, que deve ser visto novamente junto com os discípulos e discípulas, se rebela contra o caminho da paixão. Por isso o seu “ser-discípulo”, correu sério perigo e é reprovado e tratado como Satanás; isso significa que o/a discípulo/a deve reconhecer o caminho de Jesus rumo à paixão e aceitá-lo como seu. Jesus só pode ser totalmente compreendido depois de concluído o seu caminho. À época de Mc, quando esplêndidas figuras de redentores eram esperadas, a pregação do Filho da Humanidade rejeitado e morto era indesejável e escandalosa. Mas esta mensagem toca intimamente os crentes, se observarmos que eles são colocados no mesmo plano de Jesus. A profissão de fé externa pode ser fácil, mas sua implementação é difícil. O Evangelho pode ajudar a garantir que a profissão de fé expressa com os lábios amadureça na fé autêntica."

O subsídio é elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF:

Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló
Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno

Leituras do dia

Primeira Leitura: Is 50,5-9a
Salmo: 114, 1-2.3-4.5-6.8-9
Segunda Leitura: Tg 2,14-18
Evangelho: Mc 8,27-35

Eis o texto

O Evangelho

A perícope evangélica pode ser definida como um diálogo com os discípulos. A primeira parte (vv. 27-30) é uma unidade narrativa fechada em si mesma, na qual são colocadas em contraste as opiniões das pessoas sobre Jesus e a profissão de fé dos discípulos. Estilisticamente, as duas perguntas de Jesus nos vv. 27b e 29a são semelhantes. Há concordância substancial entre as opiniões populares dos v. 28 e aquelas de 6,14b.15.

O v. 28 surpreende pela concisão das informações prestadas pelos discípulos. O loghion sobre o Filho da Humanidade que sofre e ressuscita (v.31) tem analogias nos dois anúncios subsequentes da paixão (9,31; 10,33s.) e devem ser comparados com as fórmulas curtas do anúncio da paixão em 9,12; 14,21.41 (cf. o anúncio da ressurreição em 9,9). Todas as passagens citadas concordam no uso do título “Filho da Humanidade”.

As três predições em 8,12; 9,31; 10,33s. concordam em mencionar a morte e ressurreição após três dias. A expressão de 8,31 difere dos outros dois anúncios da paixão porque considera o caminho de Jesus para a morte como uma necessidade (dei) e, ao contrário dos outros dois, evita a ideia de entrega (paradidonai). O uso do verbo dei, “é necessário” no v. 31, mostra nitidamente que o sofrimento do Filho da Humanidade ocupa um lugar de relevo nos acontecimentos escatológicos. Não é um destino cego, mas plano salvífico de Deus.

O caminho do Messias Jesus é o caminho do Servo do Senhor

A cena acontece na rua. Tudo acontece na rua. Um novo grupo de oponentes entra em cena. Se até agora os oponentes eram principalmente os fariseus e escribas, ouvimos pela primeira vez sobre o destino da morte que começa a ser preparado pelos anciãos, os principais sacerdotes e os escribas. Parte daqui um arco que se estenderá até a paixão. A perícope é caracterizada pelos verbos do diálogo. O questionar, o falar, o responder, o comandar, o ensinar e repreender tornam vivo esse diálogo. Deve-se notar que a confissão de Pedro - apenas aqui nesta seção - é caracterizada como uma resposta. O diálogo vivaz entre Jesus e Pedro constitui o clímax dramático da história.

A morte e ressurreição de Jesus são interpretadas cristologicamente e não soteriologicamente no primeiro anúncio da paixão. A relevância do anúncio da paixão é sublinhada pela constatação de que Jesus falou a palavra com franqueza. A parresia não está em contradição com a proibição de falar. Essa se refere ao falar com aqueles de fora. A franqueza do discurso de Jesus é direcionada ao grupo de discípulos. A parresia é a franqueza no falar, aquela franqueza de que nada fica em silêncio ou se esconde. Em 4,33, foi dito que Jesus falava ao povo em parábolas, agora ele fala livremente aos discípulos. A evolução do pensamento reside no fato de que a palavra da pregação recebe um conteúdo cristológico nítido graças ao anúncio da Paixão e da Ressurreição. Os discípulos e discípulas, que um dia terão que espalhar o evangelho, devem ver em Jesus a fonte de palavra que deve ser levada a outros.

No curto episódio que se segue, Pedro, que pouco antes havia reconhecido Jesus como o Cristo, agora protesta contra a ideia da paixão. Visto que Jesus já está decidido em seu caminho, ele se volta para os discípulos e para Pedro. Segundo Mc também os discípulos, atingidos pelo olhar de Jesus, recebem sua reprovação. A ordem “para trás mim” (cf. 1,17.20; 8,34) quer chamar o discípulo de volta ao seguimento e, portanto, a seguir o caminho que Jesus já está percorrendo. O discípulo ameaça se desviar. O fato de Satanás ser reprovado indica que estamos nos referindo à tentação que existe na objeção de Pedro. Certamente o Filho da Humanidade não pode mais ser desviado de seu caminho. Satanás indica o oponente que pode estar presente em muitos. Ele é aquele que distorce a verdade e conta a mentira. Já no início da era cristã, os hereges são considerados instrumentos e filhos do diabo (Rm 16,17-20; 2Cor 11,13-15; At 13,10).

O perigo mais grave para os discípulos e a comunidade é rejeitar o Crucificado

Jesus anuncia o genuíno logos do Evangelho. Pedro, que deve ser visto novamente junto com os discípulos e discípulas, se rebela contra o caminho da paixão. Por isso o seu “ser-discípulo”, correu sério perigo e é reprovado e tratado como Satanás; isso significa que o/a discípulo/a deve reconhecer o caminho de Jesus rumo à paixão e aceitá-lo como seu. Jesus só pode ser totalmente compreendido depois de concluído o seu caminho. À época de Mc, quando esplêndidas figuras de redentores eram esperadas, a pregação do Filho da Humanidade rejeitado e morto era indesejável e escandalosa. Mas esta mensagem toca intimamente os crentes, se observarmos que eles são colocados no mesmo plano de Jesus. A profissão de fé externa pode ser fácil, mas sua implementação é difícil. O Evangelho pode ajudar a garantir que a profissão de fé expressa com os lábios amadureça na fé autêntica.

Jesus ordena que a multidão venha até ele com os discípulos. A reunião da multidão e dos discípulos prepara 9,14: mais concretamente significa que depois do protesto de Pedro, os/as discípulos/as foram confrontados com uma nova decisão. Depois do anúncio da paixão do Filho da Humanidade, podemos entender o que significa ser discípulo e discípula. Quem se decide a segui-lo, deve satisfazer duas condições. A primeira condição é negar-se, renunciar-se, colocar a existência de discípulo/a acima dos próprios desejos e projetos. A segunda condição é a disposição de aceitar a cruz. O “siga-me” (opisō mou) está ligado à reprovação de Pedro (8,33) e ao primeiro chamado ao seguimento (1,17).

O “tomar a sua cruz” expande a necessidade de prontidão para morrer a fim de seguir Jesus e inclui todas as tribulações e tentações que podem acontecer com o/a discípulo/a. A palavra de Jesus avança na ideia de que a salvação da vida agora depende da união com ele. Assim, o seguimento da cruz aparece sob uma nova luz. O fato de Mc introduzir o acréscimo do Evangelho como critério de decisão manifesta a situação de vida das comunidades. De agora em diante, o Jesus terreno está acessível a nós por meio do Evangelho.

A leitura do Cântico do Servo em Isaias ajuda a perceber o pano de fundo veterotestamentário da serenidade de Jesus em afrontar sua missão e torna nítida a identificação que Jesus faz, em sua pessoa, do Filho da Humanidade e do Servo.

 

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