17º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Subsídios exegéticos

23 Julho 2021

 “O Quarto Evangelho resgata o método da comensalidade já apresentado nos Sinóticos. Esta comunidade que percebe melhor a pluralidade dentro de fora da comunidade de fé, e que conhece as agruras da divisão e da perseguição, enfatiza que a mesa da partilha, que é ao mesmo tempo concreta – alimentando a quem tem fome de pão – e simbólica – alimentando a quem tem fome do amor de Deus, é capaz de unir as pessoas em sua diversidade.”

O subsídio é elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF:

Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló
Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno

Leituras do dia

Primeira Leitura: 2Rs 4, 42-44
Salmo: 144, 10-11.15-16.17-18
Segunda Leitura: Ef 4, 1-6
Evangelho: Jo 6, 1-15

Eis o texto.

A comensalidade em João 6

O Quarto Evangelho, ou o Evangelho da Comunidade do Discípulo Amado tem algumas características contextuais que este autor resume em quatro fases:

a) é uma comunidade de pessoas que tinham sido expulsas das sinagogas e tinham testemunhado a destruição do Templo de Jerusalém em 70 d.C.;

b) ela busca, portanto uma identidade própria, gerando uma “cristologia mais alta” (da pré-existência da Palavra/Verbo/Logos), que busca dialogar com um mundo “pluralístico de crentes e não crentes”;

c) há uma divisão entre dois grupos de discípulos de João que estão interpretando o Evangelho de maneiras opostas no que se refere à cristologia, à ética, à escatologia, e à pneumatologia”

d) a incorporação da teologia da pré-existência do Logos, fez com que da “aceitação joanina da estrutura autoritária de ensino da Igreja, provavelmente porque (...) o princípio do Paráclito como mestre não ofereceu defesa suficiente contra os separatistas. A comensalidade se transforma, então em um método, onde Jesus constrói a relação de amizade e amor que permite a comunhão além das diferenças (João 15,13-15). Vejamos como isto acontece em João 6,1-15.

Estrutura do texto

6,1-4. Apresenta apenas Jesus – sem a comunidade de discipulado – e a “multidão” (um termo usado com frequência neste capítulo para se referia ao mundo “pluralístico” do entorno da comunidade), colocado no contexto da “Páscoa dos judeus” (com a qual a comunidade expulsa da sinagoga não mais se identifica, por isso “dos judeus”).

6,5-9. Jesus foca na “multidão” e envolve a comunidade através de Felipe, representando as controvérsias que dividam a comunidade (é de Betsaida, como André e Pedro e promove o diálogo/conversão do Fariseu Natanael, superando o preconceito em relação às pessoas da Galileia; cf. 1,44-48). Também Felipe, depois, participa na controvérsia cristológica quando diz “mostra-nos o Pai e isso nos basta” (14,8).

6.10-13. Jesus apresenta o método da comensalidade: a. cria um “foco” comum de ação pedindo para as pessoas sem diferenciar “mulheres e crianças” como em Mateus (antropos/seres humanos) se assentarem, lembrando do número, certamente referência dos Evangelhos Sinóticos (Mt 14,21; Mc 6,44; Lc 9,14); b. celebra a Eucaristia (“dando graças”, eucaristésas, mesmo termo usado em Mc 8,6 – para a mesma ação – e em 14,23 para o Sacramento; cf. Mt 26,27; Lc 22,17.19).

6.11-15. De novo fazendo referência às narrativas dos Sinóticos, indica que sobraram doze cestos (um número sempre simbólico) indicando que este método é capaz de reunir todas as comunidades de discípulas e discípulos (cf. Mc 6,43; Mt 14,20; Lc 9,17).

A contribuição da comunidade joanina ao método da comensalidade

O Quarto Evangelho resgata o método da comensalidade já apresentado nos Sinóticos. Esta comunidade que percebe melhor a pluralidade dentro e fora da comunidade de fé, e que conhece as agruras da divisão e da perseguição, enfatiza que a mesa da partilha, que é ao mesmo tempo concreta – alimentando a quem tem fome de pão – e simbólica – alimentando a quem tem fome do amor de Deus, é capaz de unir as pessoas em sua diversidade.

Relação com os outros textos do Domingo

A narrativa de 2 Rs 4,42-44, levanta o milagre da partilha através do profeta Eliseu, algo semelhante ao que acontece com Elias, viúva de Serepta e seu filho (1 Rs 17,9-14). Não se trata de magia, mas da confiança de que através da partilha pode se transformar o mundo onde as pessoas acumulam riqueza sozinhas e morrem de fome sozinhas.

Na leitura de Efésios se apresenta o princípio: “com toda humildade e mansidão, e com paciência, suportai-vos mutuamente em amor”, sendo que o termo “suportar” corresponde à palavra grega “anexo” que é a união de “ana” (entre) e “exo” (ter), o que seria “ter entre, ou ter mutuamente”. Portanto, não há como viver o amor sem partilhar o que temos, o que somos, em comunidade.

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