02 Abril 2021
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho desta Vigília Pascal, 3 de abril de 2021 (Mc 16,1-7). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há três dias, seguimos Jesus na sua paixão, morte e sepultamento, e agora somos postos diante do indizível, do humanamente impossível, de um evento que parece incrível ao mundo. Um evento diante do qual cada um de nós, na santa noite de Páscoa, sente o coração oscilar entre a adesão ao relato ouvido e a dúvida, entre fé e incredulidade. Mas essa nossa condição não é diferente da dos discípulos e das discípulas naquele terceiro dia após a morte de Jesus. Porque a morte é a morte, é o fim concreto da vida, das relações, dos olhares, dos afetos: quando alguém morre, morre inteiramente, e tudo morre com ele...
O Evangelho segundo Marcos, mais do que os outros, nos coloca diante da morte de Jesus como uma morte falimentar, enigma que até mesmo para Jesus se tornou fatigantemente mistério. A morte de Jesus pareceu a desmentida de tudo aquilo que ele havia dito e feito. Ele pregava a vinda do reino de Deus: e agora onde estava esse reino, onde aparecera? Ele havia curado e libertado algumas pessoas: mas agora doentes, prisioneiros, desafortunados continuavam como antes. Ele tinha amado homens e mulheres, havia-os tornado uma comunidade: e agora todos haviam fugido, e aquela barraca de comunidade parecia ter caído aos pedaços...
O dia depois do sábado foi para aqueles homens e para aquelas mulheres uma aporia, um vazio, um espaço em que não se encontravam mais os fios do sentido e do significado daquilo que tinham vivido. E, para alguns deles – Pedro, o discípulo amado, Maria de Magdala – ocorrera o fim de uma história de adesão, de convivência repleta de amor.
Aquele sábado, que nós chamamos de Sábado Santo, parecia ser para eles um inferno no qual a potência do mal, do daimónion e do diábolos parecia reinar ainda ou, melhor, parecia ter sido capaz de apagar toda esperança. Foi um sábado de silêncio extremo. Nada a dizer; para o evangelista, nada a contar: aquele evento da morte e do sepultamento de Jesus fazia com que uma vida terminasse? Não, a vida autêntica que eles tinham vivido, entre fadigas, contradições e inadimplências, havia sido uma vida compartilhada com Jesus, repleta de sentido: uma vida em que o amor vivido não podia se apagar!
Quando aquele sábado passou, nas horas depois do pôr-do-sol, Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago e Salomé, algumas mulheres discípulas vão comprar óleos, bálsamo, perfumes para ungir o corpo cadáver de Jesus deposto no túmulo. Maria de Magdala havia acompanhado o corpo morto de Jesus da cruz ao túmulo e havia observado bem aquele antro. Agora, de manhã cedo, as mulheres discípulas voltam ao túmulo quando o sol já se levantou. Que sol se levantou? O sol que havia surgido do alto e havia visitado o seu povo (cf. Lc 1, 78)? É “o sol da justiça” (Ml 3, 20) que já se levantou?
Os pensamentos dessas mulheres vão para a pedra, a grande pedra posta como porta, como proteção do antro, mas, já perto do túmulo, veem a pedra já removida. O túmulo, portanto, está aberto! Como? Por quem? E eis que as mulheres “viram um jovem, sentado do lado direito, vestido de branco. E ficaram muito assustadas” (Mc 16, 5).
Elas pensavam em ver o cadáver e, em vez disso, veem um jovem.
Elas pensavam em ver um lençol que envolvia o morto e, em vez disso, veem um vivente vestido de branco.
Elas pensavam em ver um morto estendido no chão e, em vez disso, veem um homem sentado à direita: à direita de quem? Alguém colocou esse jovem à sua direita, dizendo-lhe: “Senta-te à minha direita” (Sl 110, 1).
As mulheres ficam surpresas, literalmente: “São tomadas de estupor” (exethambéthesan). Marcos conhece um rico vocabulário para falar do susto: em poucos versículos, ele usa pelo menos quatro termos para descrevê-lo. Aqui, precisamente, registra susto-estupor.
Logo depois, o jovem fala às mulheres repetindo o mesmo verbo: “Não fiquem assustadas, assombradas!”. Depois continua: “Vocês estão procurando Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou! Não está aqui!” (Mc 16, 6). Eis a voz do intérprete que apareceu, a voz do mensageiro de Deus, a voz daquele que lê em voz alta aquilo que as mulheres veem sem saber expressar. É uma voz que vem de Deus, é a voz do Senhor sentado à direita de Deus, é a voz de quem já “foi tirado”, como em uma ascensão ao céu, pela mão de Deus que o tomou consigo e o tornou vivo para sempre.
Acima de tudo, a voz convida a não se assustar, a não ter medo. Nós temos medo ou, melhor, somos tentados pelo medo: de fato, a maioria dos medos é inventada por nós e nasce da nossa imaginação, nutrida por nós mesmos. É significativo que o nosso primeiro sentimento, testemunhado e confessado pela Bíblia “no princípio”, é o medo de Deus. À pergunta de Deus: “Adão, onde estás?”, o homem responde: “Ouvi teus passos no jardim e tive medo” (cf. Gn 3, 9-10). Medo de Deus, e pensem em quantos esforços para pregar um Deus que incutisse medo; quantas ações, até mesmo por parte da Igreja, para impor um Deus que desse medo aos homens e às mulheres...
Depois, há o medo uns dos outros, começando pela vida familiar, na qual medos aparecem, nascem e depois crescem, enxertando-se para sempre: às vezes motivados, às vezes criados por nós mesmos para justificar as nossas covardias, as nossas incapacidades de sermos responsáveis. Não nos esqueçamos: o medo é sempre contra a responsabilidade e nasce da falta do exercício da consciência, da vida interior. E, assim, medo da vida, do futuro, da terra...
É preciso lembrar, a esse respeito, uma passagem decisiva da Carta aos Hebreus, aquele em que o autor diz que “por medo da morte, nós, homens e mulheres, somos alienados, sujeitos à escravidão por toda a vida” (cf. Hb 2,15), portanto, induzidos ao mal, ao pecado. E muitas vezes esses medos levam à arrogância que busca apenas escondê-los. Eis porque a voz do intérprete do túmulo vazio diz às mulheres: “Não tenham medo!”. É a condição necessária para viver, para viver com os outros discípulos e discípulas; e assim, vivendo juntos, poder crer e esperar.
Poder crer no indizível: o crucificado na vergonha e na infâmia está à direita do Pai, está vivo, foi levantado novamente da morte! O lugar da deposição, que já é um não lugar, dá testemunho disso. Justamente Maria de Magdala, que, na noite de sexta-feira, “ficou olhando onde Jesus tinha sido colocado” (cf. Mc 15,47), agora vê o vazio. Sim, chegou a hora em que o Noivo foi tirado (cf. Mc 2,20), como Jesus tinha dito. Chegou a hora em que o Nazareno, o Crucificado, foi novamente levantado do túmulo, foi ressuscitado por Deus e já vive em Deus como ressuscitado da morte. Chegou a hora, para Maria e as outras mulheres, de ir ao encontro dos discípulos, especialmente de Pedro, para lhes dizer que Jesus os precede na Galileia; lá, todos o verão, as discípulas e os discípulos, como Jesus havia prometido (cf. Mc 16,7).
Todos devem simplesmente ir atrás de Jesus (opíso mou: Mc 1,17; 8,33.34), todos devem seguir Jesus (cf. Mc 1,18; 2,14-15 etc.), porque ele caminha na frente, abre o caminho. Basta ficar atrás dele: até à cruz, mas também até à direita do Pai!
E eis a conclusão do Evangelho segundo Marcos: um final decepcionante, tanto que, talvez, mais tarde, se pensou em acrescentar pelo menos três finais diferentes, em três manuscritos diferentes (cf. Mc 16,9-20). Mas a conclusão original é a seguinte: as mulheres “saíram do túmulo correndo, porque estavam com medo e assustadas. E não disseram nada a ninguém, porque tinham medo” (ephoboûnto gár)” (Mc 16,8). Medo, tremor, ékstasis, estupor! É difícil explicar esse final e constatar o medo? Sim, podemos dizer pouco...
Mas esse versículo é mais para nós do que para as mulheres discípulas: nós temos medo da ressurreição de Jesus? Estamos estupefatos com ela? Temos temor, o santo temor de Deus, ao anunciá-la? Se temos esse temor, certamente não caímos na arrogância de quem supre a própria fraqueza de fé gritando a ressurreição de Jesus... Pensemos em nós, na nossa Igreja: há quem tem muito medo de não dizer o que é, um discípulo de Jesus; e há quem é arrogante e gostaria de impor aos outros uma fé que ele não sabe carregar.
Interroguemo-nos, portanto, sobre a nossa fé na ressurreição de Jesus e acolhamos a palavra: “Não temam, não tenham medo! Jesus, o Nazareno, o Crucificado, ressuscitou!”
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Primeiro às discípulas, depois a Pedro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU