22 Fevereiro 2019
As palavras de Jesus interpelam-nos profundamente. É preciso fazer o bem a todas as pessoas, perdoar os inimigos e dar sem esperar nada em troca. Em outras palavras, agir da mesma forma pela qual Deus age conosco: «Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso».
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 7º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo C (24 de fevereiro de 2018). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas:
1ª Leitura: “O Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e a sua fidelidade” (1 Samuel 26,2.7-9.12-13.22-23).
Salmo: Sl. 102(103) - R/ O Senhor é bondoso e compassivo.
2ª Leitura: “O segundo Adão é um espírito vivificante” (1 Coríntios 15,45-49).
Evangelho: “Não julgueis e não sereis julgados, perdoai e sereis perdoados” (Lucas 6, 27-38).
Isto é o que caracteriza a mensagem cristã, diferenciando-a de todo o resto: isto, junto com a fé na Ressurreição. A recomendação de amar os inimigos e a fé que temos na Vida são duas faces da mesma realidade. Mas, primeiro, devemos tomar consciência da enormidade do que aí está prescrito. E, sobretudo, reconhecer que não estamos de acordo com isto, mesmo se fingimos que sim, porque não ousamos contestar o Evangelho. Tanto que, em nossa boca, o «não resistas ao homem mau» e o «amai os vossos inimigos» se tornam mera «conversa fiada» ou um clichê repetido apenas por obediência.
Trata-se, em resumo, de uma palavra morta. E se por acaso acontecer-vos fazer algum bem a um inimigo sem que este venha saber, irão vos tomar por doente: por este motivo um de meus amigos, recentemente, se viu chamado de «masoquista». Nada para se espantar; reagimos conforme o «homem natural» da 2ª leitura, o Adão que veio da terra; já o Cristo nos propõe o homem espiritual, ou seja, aquele animado pelo Espírito. A nossa vida inteira é a história da passagem do primeiro ao segundo homem ou, melhor, somos o primeiro homem e estamos em vias de nos tornarmos o segundo, desde que aceitemos ouvir a Palavra.
Oferecer a outra face? E se alguém quisesse violar a vossa mulher, iríeis oferecer-lhe também a vossa filha? Atenção, pois não seria a vossa face que estaríeis oferecendo, mas a face de outra pessoa. Ora, em Mateus 23, Jesus defende os pobres e as vítimas; mais ainda em Lucas 11. Em João 18,22, esbofeteado numa das faces, Jesus não ofereceu a outra. No entanto, amou seu adversário até o fim: em vez de responder com violência, mesmo que verbal, convidou o guarda que o golpeava a entrar em si mesmo e julgar a sua própria conduta.
Tudo isto nos permite compreender que as palavras de Jesus não são comandos de ação, como se compusessem uma espécie de legislação ou, então, receitas de condutas; são sim palavras de sabedoria, isto é, parábolas («enigmas») que visam esclarecer a verdade mais profunda do homem. Não se trata de coisas a serem feitas, mas de uma mudança de olhar.
É verdade que houve homens - pensemos em São Francisco de Assis - que aplicaram concretamente as palavras de Cristo. Sem dúvida, de tempos em tempos, temos necessidade de ver estes testemunhos, para compreendermos para onde a humanidade deve caminhar.
Estamos diante do problema da violência. Nossas leituras (1ª e 3ª) dizem que a violência é uma resposta ilusória à violência. Uma vez que se trata de pôr fim à violência, uma segunda violência não pode ser a solução. Este sem dúvida é o vício escondido de todas as revoluções violentas e, finalmente, a causa de seu fracasso. Um primeiro regramento da violência é a lei, que detém a violência física por uma pressão autoritária. Esta pressão se exprime mais ou menos conforme a lei do talião: “olho por olho, dente por dente”, ou seja, não faças ao outro nenhum mal a mais do que o que ele te tenha feito. Que fique bem entendido, o corpo social, e não os indivíduos, é que se encarrega desta «justiça».
Notemos que Jesus muda a lei do talião: comparemo-la com o que ele diz, no versículo 31 do evangelho: «O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles». A lei, «pressão autoritária», é também uma forma de violência. Isto, portanto, deve ser superado. A lei é um expediente transitório que suportamos, enquanto estamos esperando o regime do amor. A frase de Cristo poderia ser traduzida assim: «O que desejas para ti, deseja-o também para o outro.» E deseja-o ao ponto de fazê-lo. Portanto, é o amor de si mesmo que se faz revogar.
A demonstração desta página do evangelho nos é dada por Cristo, no decorrer da sua Paixão. Aí nos é revelado «como Deus é». Ora, a verdade do «ser humano» é a sua semelhança com Deus, semelhança que nos torna filhos e filhas d’Ele, já que filhos e filhas assemelham-se ao pai.
O final da nossa leitura («não julgueis») nos mostra que é por aí que fazemos saltar o ferrolho da lei-violência e que, por conseguinte, escapamos do julgamento. Não nos foi dito que seremos «absolvidos», mas que não seremos julgados. Porque Deus não poderia ser julgado e seu filho também não. Mas, se permanecemos nas categorias do justo e do injusto para julgar nossos irmãos e pronunciar-nos sobre a sua maldade, estaríamos então obrigando Deus a nos seguir em terreno que é o nosso, e a servir-Se de nossa própria medida em relação a nós mesmos.
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Amor e perdão sem fronteiras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU