01 Dezembro 2017
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 1º Domingo do Advento, 3 de dezembro (Mc 13, 33-37). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Terminamos o Ano Litúrgico A, no qual nos foi proposto, como lectio cursiva dominical, o Evangelho segundo Mateus. Com este domingo, primeiro do tempo das vindas de Cristo (Advento), iniciamos a leitura do Evangelho segundo Marcos, que nos acompanhará neste novo Ano Litúrgico (B).
Se Mateus, no último domingo, nos propunha o afresco da vinda do Filho do homem e do seu juízo sobre toda a humanidade (cf. Mt 25, 31-46), hoje Marcos coloca novamente diante dos nossos olhos a vinda do Filho do homem no fim dos tempos e nos instrui sobre como esperar aquele dia.
De acordo com o evangelista mais antigo, a manifestação gloriosa do Filho do homem acontecerá depois de uma tribulação na qual a configuração atual do mundo será abalada e terminará (cf. Mc 13, 3-5). Então, toda a humanidade será posta diante da visão do Filho do homem que vem nas nuvens com grande poder e glória (cf. Mc 13, 24-27; Dn 7, 13-14). Será um evento extrínseco à história e à vontade humana, que realizará um decreto do Pai: o Filho do homem instaurará para sempre o seu Reino e, por meio dos seus mensageiros, reunirá os chamados por ele. Visão apocalíptica, reveladora, cujas imagens devem evocar a inenarrável ação de Deus, que é e sempre será ação de salvação e de libertação.
A parusia, a vinda gloriosa, coincidirá com o fim da atual criação e o advento da nova, um evento que certamente ocorrerá, mas cuja hora não é conhecida por ninguém, exceto por Deus, como Jesus afirma logo antes do nosso trecho litúrgico: “Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém sabe nada, nem os anjos no céu, nem o Filho. Somente o Pai é quem sabe” (Mc 13, 32; trad. Bíblia Pastoral). Nem mesmo Jesus os conhece, ele que, na condição de verdadeiro homem, em tudo semelhante a nós, exceto o pecado (cf. Hb 4, 15), ignora e, portanto, não pode declarar aquela hora que virá de repente, quer os seres humanos a esperem, quer não o esperem.
Certamente, existem sinais que podem advertir, sinais que requerem um discernimento atento: assim como, observando os botões da figueira, quando eles incham, pode-se entrever que o verão se aproxima, assim também os crentes, lendo em profundidade os eventos da história, podem compreender que “o dia do Senhor” (jom ‘Adonaj) está próximo, e que o Filho do homem está às portas (cf. Mc 13, 28-31). E justamente para que os discípulos esperem aquele dia e para que ele não os pegue de repente, Jesus lhes faz uma admoestação na qual está contido também o esboço de uma parábola.
Ele começa dizendo: “Cuidado! Ficai atentos”. No início do discurso escatológico e depois duas vezes antes desta, Jesus repete: “Cuidado” (blépete: Mc 13, 9.5.23). Aqui, ele o reafirma pela quarta vez, de modo urgente, portanto, unindo essa advertência à outra: “Ficai atentos” (agrypneîte; de modo análogo ao martelante verbo gregoréo aos versículos 34, 35 e 37). Ficar atento e vigiar, cuidar é uma atitude absolutamente necessária na luta, e a vida cristã é uma luta, um combate contra o atordoamento espiritual, a letargia da consciência, a sonolência da convicção na fé, o resfriamento da caridade (cf. Mt 24, 12).
Outras vezes, no Evangelho segundo Marcos, Jesus chama os discípulos a essa vigilância para escutar a Palavra de Deus (cf. Mc 4, 24), para não serem influenciados pelo fermento dos fariseus (cf. Mc 8, 15), pela hipocrisia dos escribas (cf. Mc 12, 38), pelo engano daqueles que predizem o futuro como se o conhecessem (cf. Mc 13, 23).
Ele quer que os discípulos estejam convencidos da vinda gloriosa do Filho do homem, porque este já é o único evento que importa real e definitivamente na história. O apóstolo Paulo também pedirá à comunidade cristã essa vigilância, essa capacidade de ficar acordados, despertando-se do sono, porque o dia do Senhor está próximo (cf. Rm 13, 11). O momento não é conhecido, portanto, é preciso esperá-lo para estar pronto para acolher Aquele que vem, o próprio Senhor!
Eis, então, em seguida, a breve parábola. Um homem parte para uma viagem longe da sua casa e, ao deixá-la, dá poder aos seus servos e ordena ao porteiro que vigie. Dito isso, Jesus se dirige diretamente aos discípulos, porque está claro que essa parábola lhes diz respeito diretamente: ele logo partirá – de fato, ele será capturado, condenado e morto –, e os seus discípulos permanecerão sem ele. Haverá, portanto, um tempo marcado pela sua ausência, mas cada um dos discípulos recebeu uma missão, uma tarefa, e há também alguns que, como o porteiro, é chamado a vigiar sobre a comunidade inteira. As responsabilidades confiadas são diferentes, e certamente o porteiro (figura sob a qual também se pode captar uma alusão a Pedro, que muitas vezes Marcos distingue dos outros 11) tem uma tarefa superior à dos outros: a ele foi dado muito e será pedido muito mais (cf. Lc 12, 48), por isso, sobretudo ele deve ficar de guarda sobre a casa e sobre os servos deixados nela.
Portanto, trata-se de vigiar, porque aquele homem, o Senhor da casa, virá. Atenção, não se diz que “retornará”, porque, nos Evangelhos, nunca se fala de “retorno”, mas sim de “vinda” do Senhor. Ele é Aquele que vem (ho erchómenos), que sempre pode vir: à noite, à meia-noite, ao canto do galo ou de manhã... as horas do sono ou do primeiro despertar! Poderá chegar de noite, a hora em que justamente os três discípulos mais próximos de Jesus – Pedro, Tiago e João –, chamados a vigiar em oração para sofrer junto com Jesus tentado na iminência da sua paixão e morte, dormiam (cf. Mc 14, 32-42). Poderá vir na hora do canto do galo, quando Jesus está diante do sumo sacerdote e é processado, enquanto Pedro o renega, dizendo que nunca o conhecera, como o Senhor lhe havia antecipado (cf. Mc 14, 66-72). Poderá vir ao amanhecer, quando o túmulo de Jesus se apresenta vazio, porque ele ressuscitou da morte, mas os discípulos permanecem incrédulos mesmo diante do anúncio pascal das mulheres discípulas (cf. Mc 16, 1-11).
São horas de revelação de Jesus, horas da sua vinda, mas os discípulos, os Doze, desertaram todas elas, e significativamente Marcos traz à tona esses fracassos, essa não vigilância. Por isso, serão as mulheres que receberão o anúncio pascal e a ordem de ir proclamar aos seus discípulos e a Pedro que Jesus ressuscitou e os precede a todos na Galileia, lá onde ele os chamara e onde vivera com eles: é um chamado a recomeçar...
Vigiar na noite, vigiar, ficar atentos e de guarda são todas expressões que indicam o que compete a cada discípulo, especialmente a quem é chamado a vigiar de modo particular, sendo posto como sentinela na casa e na comunidade do Senhor. Essas sentinelas também têm a tarefa de manter os outros despertos, de impedir que eles adormeçam e durmam. “Sentinela, quanto falta para acabar a noite?” (Is 21, 11) é a pergunta que os cristãos dirigem aos seus pastores, mas, infelizmente, às vezes, até mesmo os pastores não vigiam e dormem, incapazes de responder às expectativas daqueles que lhes foram confiados.
E aquilo que Jesus disse aos quatro discípulos no Monte das Oliveiras (os três mencionados acima, mais André: cf. Mc 13, 3), ele também dirige a todos os outros: “O que vos digo, digo a todos: Vigiai!”. Pois bem, perguntemo-nos: nós, cristãos, que queremos ser discípulos de Jesus, ainda esperamos realmente a sua vinda? Somos aqueles que Paulo definia como “à espera da manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo” (cf. 1Co 1, 7)?
O grande Basílio de Cesareia advertia: “O que é específico do cristão? ‘Vigiar todos os dias e a toda hora, e estar pronto para cumprir plenamente a vontade de Deus, sabendo que, na hora não pensamos, o Senhor vem (cf. Mt 24, 44; Lc 12, 40)” (Regole morali 80, 22).
E os Padres do deserto, por sua vez, chegavam a dizer: “Não precisamos de nada mais do que de um espírito vigilante” (Detti dei padri, collezione alfabetica, Poemen 135), porque sabiam e experimentaram que a vigilância é a matriz de todas as virtudes cristãs.
O cristão deveria viver a vigilância também vigiando na noite, vivendo a espera no seu corpo, na sua carne e não a deixando relegada a pensamentos piedosos. Mas, em todo o caso, a finalidade de vigiar, mesmo subtraindo horas de sono, é a aquisição da consciência daquilo que somos e da responsabilidade que temos na companhia dos homens e na comunidade do Senhor. Vigiar é viver com os sentidos despertos, resistindo ao entorpecimento espiritual, ao desaparecimento do supraconhecimento que nos foi dado pela fé.
Vigiar é aderir à realidade e ser fiel à terra, sabendo e afirmando que estamos sempre na presença de Deus, “templo do Espírito Santo” (1Co 6, 19) e corpo do Cristo ressuscitado na história. Vigiar é resistir ao espírito dominante e conservar a capacidade de crítica, para não nos curvar ao “così fan tutti!” [todos fazem assim].
Na Igreja, que o bispo, aquele que vigia (epískopos), não se esqueça não só de ficar desperto, mas também de despertar aqueles que lhe são confiados. Sim, faz parte do ministério episcopal despertar os sonolentos, para que a sua fé seja fortalecida e toda a Igreja espere o Senhor que vem, unindo a sua oração à invocação do Espírito, porque “o Espírito e a Esposa dizem: ‘Vem!’” (Ap 22, 17). Que o leitor das Sagradas Escrituras, portanto, participe dessa invocação e a repita sem trégua, entrando com todas as suas forças naquele diálogo que encerra a Bíblia inteira e envolve a nossa vida inteira:
“‘Sim! Venho muito em breve.’ Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22, 20).
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