26 Agosto 2016
Domingo passado, a Boa Nova lembrou-nos que o Reino não está reservado somente para alguns. Hoje, a mensagem é a mesma: nada de privilégios nem de privilegiados na mesa do Reino.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 22º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo C (28 de agosto de 2016). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Ecl 3,19-21.30-31
2ª leitura: Hb 12,18-19.22-24
Evangelho: Lc 14,1.7-14
Eis o texto.
São pouco edificantes, as propostas de Jesus! Olhando superficialmente, elas de fato apresentam a aparência de estarem preconizando um cálculo tortuoso, para que alguém se faça destacar favoravelmente durante um banquete festivo. Fazer-se pequeno, humilhar-se é usado como meio para se obter o resultado contrário: o que secretamente se busca com esta manobra é ser honrado.
Jesus disse que as coisas se passam de fato deste modo, no domínio das nossas relações com Deus? Certamente não. Devemos compreender que aqui se trata de uma parábola e que o suporte material das parábolas é tomado com freqüência dos comportamentos humanos e que estes, às vezes, são discutíveis. É assim com o juiz injusto que acaba concedendo o direito à viúva, não para que seja feita a justiça, mas para deixar de ser assediado pela queixosa (Lucas 18,1-8; ver também o amigo importuno, em 11,5-8). O administrador sem escrúpulos, de Lucas 16,1-13, pode passar como o modelo do gênero.
Tudo isto nos ajuda a compreender que, se "o Reino de Deus é semelhante" às realidades da natureza e aos comportamentos humanos (tudo, de fato, é criado à imagem de Deus), esta semelhança transpõe um limite quando se passa do mundo humano para o Reino. Nesta parábola, a última frase (“quem se eleva será humilhado...”) vai ao encontro das fórmulas do Magnificat e do ensinamento constante de Jesus (o fariseu e o publicano, o pedido dos filhos de Zebedeu, etc.). Naquela noite derradeira, o Cristo se põe em situação de servo para lavar os pés dos apóstolos, o que ganhará todo o sentido quando ele for "elevado da terra"; elevado ao mesmo tempo para a morte e para a glória.
A corrida aos primeiros lugares, a fortunas colossais, ao pódio, ao recorde mundial, ao império econômico e também, para as nações, ao controle do mundo inteiro, tudo isso é o contrário da "loucura da cruz, sabedoria de Deus". A parábola que acabamos de ler anuncia o fracasso destas condutas de dominação. Não há nelas qualquer esperança de felicidade nem de realização, seja para os indivíduos e coletividades, seja para a humanidade inteira.
No caminho até aí e uma vez aí chegado, temos a violência: esta violência que não poderá nada contra aquele que, Senhor, fez-se servidor, fazendo morrer nele toda a vontade de poder. A "Sabedoria da cruz", nos dias de hoje como no tempo de Jesus e como sempre, vem infligir um desmentido às nossas pretensões, à nossa loucura de grandeza. É uma mensagem dura para se ouvir, até mesmo aos discípulos do Cristo: tarefa jamais terminada e a ser retomada sempre. É o humano que está em jogo, a verdade do homem que não é outra senão a verdade deste Deus que, em total despojamento, não retém para si sequer a sua condição divina.
Tocamos aqui no essencial da revelação de si próprio que Deus nos faz na pessoa do Cristo; revelação que, na cruz, encontra o seu acabamento insuperável. Manifestação de um amor tal que os homens não podiam imaginar: "o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu..." (1 Coríntios 2,9). O que, no entanto, nos é dado reproduzir para que nos tornemos imagem de Deus.
Sabemos que nos assemelharmos a Deus, fazer nosso este amor, "ser perfeitos como nosso Pai é perfeito" equivale a completar a nossa criação. Este empreendimento nos ultrapassa, uma vez que o ato criador, mesmo se a sua realização foi posta em nossas mãos, origina-se em Deus. Por isso recebemos o Espírito, amor criador, que vem nos habitar, nos esposar.
A nossa participação, assim como a de Maria em Lucas 1,38, consiste em dizer "sim" à irrupção divina. Mas o final da nossa leitura nos convida a tomarmos consciência do admirável paradoxo do amor manifesto na cruz. Trata-se com efeito do inaudito da justiça divina que, desqualificando tudo o que chamamos de justiça, nos justifica gratuitamente.
Podemos desde então falar de injustiça, uma vez que o perdão foi dado sem contrapartida, "sem pagar". Injustiça não por falta de justiça, mas por excesso de amor. É este exatamente o caso dos convidados sem dinheiro, que não têm como retribuir. Convidados para as núpcias do Cordeiro consumadas sobre o leito da cruz. Convidados e esposados a uma só vez (outro paradoxo), temos que fazer nossos os comportamentos do esposo. Agora é a nossa vez de convidar "os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos". Então, como não têm como retribuir, participaremos da injustiça do Amor; e é o Deus-Amor em si mesmo que, "na Ressurreição dos justos", compensará o desequilíbrio.
Que lugar ocupar na festa de casamento?
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