11 Março 2016
Impossível temer um olhar cheio de amor. Quantos pecadores sentiram-se amados por Jesus, quando expostos ao seu olhar! Jesus não ama o pecado, mas ama o pecador; faz com que se levante, oferecendo-lhe uma nova chance.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 5º Domingo da Quaresma, do Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: "Eis que farei coisas novas, darei de beber a meu povo" (Isaías 43,16-21)
Salmo: Sl 125(126) - R/ Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!
2ª leitura: "Por causa de Cristo, eu perdi tudo, tornando-me semelhante a ele na sua morte" (Filipenses 3,8-14)
Evangelho: "Quem dentre vós não tiver pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra" (João 8,1-11)
Esta expressão, retirada da primeira leitura, combina bem com as últimas linhas da segunda, em que Paulo diz: "Esquecendo o que fica para trás, (...) corro direto para a meta." O que Paulo havia deixado para trás? O que tinha vivido até ali, com certeza: como podemos ler no início desta passagem, uma vida centrada na "obediência à Lei de Moisés", mas que, dali em diante, foi substituída pela fé em Cristo e na justiça que ele nos traz. Justiça que nos torna conformes à Lei, mas que a ultrapassa.
Porque o que buscamos não é mais obedecer à sua letra, mas ao próprio Cristo. E isto se traduz no nosso amor, em resposta ao amor de Cristo por nós. Não se trata mais de um dever, mas de uma comunhão. De que forma, porém, tudo isto diz respeito à mulher adúltera?
É que no centro do relato, vemos Jesus inclinar-se para "escrever com o dedo sobre a terra" (tradução literal). Está tudo aí: Deus inclina-se sobre nós, sobre a terra de onde viemos e para onde haveremos de voltar. E escreve: “escreve com o dedo”. Ora, a expressão "escreve com o dedo" aparece somente três vezes nas Escrituras. A primeira, em Êxodo 31,18: o dedo de Deus escreveu a Lei sobre as tábuas de pedra. Deuteronômio 9,10 repete a mesma cena.
Por fim, Daniel 5 nos mostra a mão de Deus escrevendo no muro do palácio real as três palavras que significam a condenação do rei Baltazar, em nome da Lei de Deus. Agora, é Jesus quem escreve sobre a terra uma nova Lei, a última Lei: a Lei do amor. Lei que se inicia pelo perdão; perdão que chegará ao ponto de nos absolver do assassinato do Filho de Deus.
Eis aí a mulher adúltera. Sozinha! Enquanto a Lei de Moisés prescreve também ao homem a condução à morte (Levítico 20,10). Por que tanta severidade? Se para os Hebreus o adultério se mostra como passível de morte, é porque tem algo a ver com o assassinato: o marido e a mulher enganados são, de alguma forma, postos de lado, são esquecidos, eliminados. É um assassinato virtual, se podemos dizer assim.
Foi preciso estar diante do que há de pior, para que Jesus escrevesse sobre a terra a nova Lei, a Lei de um amor capaz de absolver todas as faltas de amor. Notemos que, no início do relato, ninguém se dirige à mulher: ela é apenas um pretexto para uma discussão a respeito da Lei. E Jesus, levantando-se, pronuncia as suas primeiras palavras para devolver os acusadores a si mesmos.
Assim, o foco passa da mulher aos que a querem lapidar. E são eles mesmos confrontados com a Lei de Moisés: "Quem dentre vós não tiver pecado seja o primeiro a lhe jogar uma pedra". A responsabilidade é pesada: ficam todos à espera desta pedra, para, também eles, por sua vez, iniciarem a lapidar. Ora, existe um homem apenas sobre a terra que é sem pecado: este que se inclinou novamente sobre o chão, para escrever a nova Lei, a lei do perdão por amor.
Os outros todos que a querem lapidar se encontram injustos, em conformidade com esta Lei, mesmo se fossem inocentes, o que não é o caso. Os mais velhos são certamente os mais culpados, ou os mais lúcidos. Escolham.
Na primeira Aliança, o povo inteiro é que muitas vezes é acusado de adultério: abandona Deus para voltar-se a outros deuses. A mulher do nosso evangelho, que não tem nome, representa, portanto, todo o seu povo. E mais: seu adultério é uma imagem de todas as nossas idolatrias: idolatria do sexo, mas também do dinheiro, do consumo, da notoriedade, do poder.
Idolatria da "justiça", no sentido de que desejamos e até mesmo exigimos que os culpados sejam punidos. O nosso sistema penal não procura somente a reeducação dos culpados e o retorno à ordem, mas uma revanche, do tipo “olho por olho, dente por dente”. Nesta exigência é que se apegam os acusadores da mulher adúltera. Além do mais, acusar o outro é um modo de afirmar-se a si mesmo como “um justo”. E é isto, precisamente, o que Jesus vai levá-los a questionar.
Terão de descobrir que não existe "justo nenhum, nem um só". Corrigindo: neste relato, há sim um justo: este mesmo que escreve sobre a terra. Para ele, sua justiça, em lugar de condenar, comunica-se aos injustos, tornando justos os que não o são. Pois este homem, precisamente, o único em quem a Lei não poderia encontrar qualquer defeito, é que será levado à morte.
Sua condenação não resultará de nenhuma infração à Lei: dará a sua vida gratuitamente. Saboreemos a ternura tranquila deste diálogo final entre Jesus e a mulher. Saímos aqui dos domínios do justo e do injusto, para penetrarmos no do amor verdadeiro. Saboreemos este diálogo final, que restitui àquela mulher a dignidade de pessoa humana.
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