Por: André | 04 Julho 2014
Na vida, é preciso ter fome para compreender os famintos; é preciso ter sede para apreciar a água que sacia. É preciso ter sofrido injustiça para desejar justiça; e é preciso ter vivido a rejeição, a condenação e a exclusão para acolher o outro, respeitá-lo em sua dignidade e caminhar com ele.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 14º Domingo do Tempo Comum – Ciclo A do Ano Litúrgico (06 de julho de 2014). A tradução é de André Langer.
Referência bíblica:
Evangelho: Mt 11,25-30.
Eis o texto.
No início das férias de verão [no Hemisfério Norte], é bom ouvir as palavras do Jesus de Mateus: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso” (Mt 11,28). Após um ano bem ocupado. Depois de limpar todos os tipos de críticas em relação ao nosso compromisso em nome do Evangelho, faz bem saber-se compreendido pelo Cristo ressuscitado que nos convida a tomar o seu jugo, porque o seu jugo é fácil de carregar e seu fardo é leve (Mt 11,30). O jugo faz parte da junta de bois que puxam uma carga. Pessoalmente, gosto da interpretação do padre francês Leon Paillot que diz que a palavra jugo está na origem da palavra conjugal, como uma união conjugal em que o homem e a mulher olham e vão juntos na mesma direção. É mais fácil em dois do que sozinho. É, portanto, para uma relação conjugal que o Cristo do Evangelho nos convida; propõe-nos um amor conjugal, com ele e entre nós. Para isso, precisamos praticar a mansidão e a humildade de coração: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso” (Mt 11,29).
1. Quem pode compreender?
O convite é dirigido a todos, sem exceção, mas somente os pequeninos o compreendem e o acolhem verdadeiramente: “Ó Pai... escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25). Por quê? Os pequeninos não são as crianças, mas os pobres, os humildes, os marginalizados e os abandonados. Eles são os primeiros que podem acolher uma mensagem de libertação e esperança, simplesmente, porque eles têm necessidade dela. Na vida, é preciso ter fome para compreender os famintos; é preciso ter sede para apreciar a água que sacia. É preciso ter sofrido injustiça para desejar justiça; e é preciso ter vivido a rejeição, a condenação e a exclusão para acolher o outro, respeitá-lo em sua dignidade e caminhar com ele.
É mais difícil para os sábios e entendidos que não têm necessidade de liberdade: eles sabem tudo e eles pensam que são superiores aos outros. Eles não precisam dos outros. Além disso, eles impõem aos outros suas doutrinas e verdades, fardos que eles mesmos não levantam nem com a ponta do dedo. Eles estão trancados em seu conhecimento e na sua moral, e não se preocupam com a misericórdia, o perdão e o amor. No tempo do evangelho, os sábios e entendidos eram os escribas, os fariseus, os sacerdotes e os doutores da Lei que controlavam Deus e exploravam os pobres. Infelizmente, ainda encontramos muitos, em nossos dias, na nossa Igreja, que se parecem com eles.
Mas atenção! O Cristo de Mateus não nos convida à ignorância e à mediocridade. Um jovem Testemunha de Jeová que eu convidei para fazer um curso de exegese bíblica na Universidade de Montreal, respondeu-me: Não! Eu não preciso disso; a Bíblia é suficiente para mim, e me citou este versículo de Mateus: “Ó Pai... escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25). Infelizmente, ele não tinha compreendido o evangelho de Mateus! Uma interpretação semelhante alimentou a crítica ao cristianismo no século passado. O filósofo alemão Nietzsche escreveu: “A visão cristã do homem é uma moral de escravos que exalta o que beneficia os mais fracos, os doentes e os fracassados. A consciência do pecado danifica no homem tudo o que saudável, bonito e nobre. Ao proteger os indivíduos enfermos ou desnaturados, o cristianismo contribui para manter a espécie humana em seu nível mais baixo”.
É difícil de aceitar, mas é o culto da ignorância e da mediocridade propagado por alguns crentes fundamentalistas que atiça essas críticas. Penso que devemos distinguir determinadas realidades: devemos diferenciar entre aqueles que ignoram uma coisa porque não tiveram a oportunidade de aprender e aqueles que ignoram uma coisa porque se recusam a aprender... assim como devemos distinguir a humildade da humilhação: a humildade é uma virtude e a humilhação, uma abominação. A pobreza evangélica não é sinônimo de mediocridade, de relativismo ou de desleixo. É exatamente o contrário: a pobreza evangélica é a característica daqueles e daquelas que não se acham os detentores da verdade, que estão abertos à alteridade e estão ávidos para aprender e conhecer. Esses pobres têm o favor de Deus, porque são muitas vezes oprimidos, rejeitados e explorados pelos ricos e os poderosos que pensam que possuem o conhecimento e o poder.
2. Onde nós nos encaixamos?
O Cristo do Evangelho de Mateus volta-se para aqueles e aquelas que são oprimidos pelo fardo do legalismo religioso: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso” (Mt 11,28). O jugo, no evangelho, é a lei oral e escrita e o peso do jugo designa a observância estrita e rigorosa desta lei. Basicamente, a regra, a lei foi inventada pelo homem para ajudá-lo a viver, para se libertar. Por outro lado, se a lei é muito restritiva, opressiva e serviliza, então ela não liberta mais; devemos nos afastar dela e aboli-la. A lei deve estar a serviço da pessoa humana e não a pessoa humana a serviço da lei.
É o que o Cristo do Evangelho veio nos ensinar. No lugar do legalismo religioso do seu tempo, ele nos propõe uma interpretação libertadora da lei, centrada no amor: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso” (Mt 11,29). No capítulo seguinte, Mt 12,1-8, Jesus mostra que a pessoa humana é mais importante do que a lei e inclusive a lei do sábado: ele defende seus discípulos que ousaram arrancar espigas de trigo no sábado, porque estavam com fome; citando o profeta Oséias, ele acrescenta: “É misericórdia que eu quero e não sacrifício” (Os 6,6).
Tornar-se discípulos de Cristo é encontrar repouso, porque o único fardo, o único jugo que Cristo coloca sobre seus discípulos, é o do Amor. Mas quando você realmente ama, tudo se torna fácil de transportar. E aqui temos um belo exemplo: “Um certo jesuíta contou que em Ruanda, durante a guerra civil, viu uma menina ao longe que escalava dolorosamente uma montanha, carregando um pacote pesado e desajeitado. Quando chegou perto dela, ele percebeu com emoção que ela transportava o corpo de um menino gravemente ferido. O jesuíta disse à menina: é um fardo muito pesado que você carrega! E a menina respondeu: Não, senhor, não é um fardo, é meu irmãozinho”.
Concluindo, para os sábios e entendidos de hoje, que têm facilidade para julgar e são rápidos para condenar, mas que são incapazes de viver o Evangelho de hoje que nos convida a um Amor conjugal com Cristo e entre nós, eu proponho esta reflexão do século V, Santo Astério de Amasya, que disse: “Vós que sois tão duros e incapazes de docilidade, aprendei a bondade com o vosso Criador e não sejais para os vossos companheiros de jornada juízes amargos e árbitros, esperando que venha aquele que revelará a dureza do coração e vos concederá, o mestre todo-poderoso, a cada um o seu lugar no além. Não façais julgamentos severos para não serdes julgados do mesmo modo e transpassados pelas palavras da vossa própria boca, como dentes afiados...”.
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