15 Junho 2012
O Reino de Deus é irresistível, mas é preciso a participação das mulheres e dos homens para que esse Reino venha. O trabalho deles consiste em restabelecer a justiça lá onde ela está ameaçada, em devolver a dignidade àquelas e àqueles que a perderam, em reconhecer a igualdade de todos, e em restaurar a paz combatendo a violência.
A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 11º Domingo do Tempo Comum - Ciclo B. A tradução é de Susana Rocca.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Ez 17,22-24
Evangelho: Mc 4,26-34
Retomando os domingos do tempo comum, nós começamos por duas parábolas sobre o Reino de Deus. São Marcos o compara primeiro com a semente que cresce por si só e a um grão de mostarda que é a menor das sementes, porém ela se torna uma grande árvore onde os pássaros do céu vêm fazer seus ninhos. Após dois mil anos de cristianismo, poderíamos nos perguntar: O que é o Reino de Deus e qual é o sentido dessas comparações que São Marcos utiliza?
1. O Reino de Deus: O Reino ou o Reinado de Deus, uma expressão exagerada na história do mundo, é frequentemente mal compreendido e completamente deformado. No dicionário teológico da Bíblia, mostra-se a origem desse conceito do Reino de Deus e a sua evolução na história do povo de Israel até a chegada do cristianismo. O Reino de Deus é uma realidade misteriosa, revelada aos humildes e aos pequenos, e escondida aos sábios e aos prudentes deste mundo (Mt 11,25). O que quer dizer isso exatamente? Isso quer dizer que o Reino de Deus não é uma realidade material, um sistema político particular, como creem as Testemunhas de Jeová, que se estabelecerá no mundo algum dia. Não! O Reino de Deus está já aqui, nos dizem os evangelhos; está crescendo. E o seu crescimento é talvez difícil, mas é certo.
No fundo, seja qual for o sistema político no qual estejamos inseridos, o Reino de Deus está em pleno crescimento. E as parábolas para descrevê-lo nos mostram do que ele é feito e como se constrói. Uma coisa é certa: ele chegará à plenitude ao termo da história humana, quando todas as nações se unirão para festejar e celebrar a vida plena em plenitude, a Ressurreição, a Páscoa. É então que se realiza a profecia apocalíptica de São João: “Vi, então, um novo céu e uma nova terra. O primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar jánão existe” (Ap 21,1). São João continua: “Nisso, saiu do trono uma voz forte. E ouvi: «Esta é a tenda de Deus com os homens. Ele vai morar com eles. Eles serão o seu povo e ele, o Deus-com-eles, será o seu Deus. Ele vai enxugar toda lágrima dos olhos deles, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor.Sim! As coisas antigas desapareceram!” (Ap 21,3-4).
Contudo, há palavras que vão muito bem com o Reino de Deus: a justiça, a paz, a verdade, a conversão, o perdão, a igualdade, a dignidade, a misericórdia, a gratuidade, a generosidade, a confiança, a esperança, o Amor... Essas e outras palavras combinam muito bem com a ideia de Reino de Deus e podem nos ajudar a compreender as parábolas do Reino.
2. O grão que cresce sozinho: O Reino de Deus, nos diz o evangelho de Marcos, é comparável à atividade de Cristo no seu evangelho. Ele é ativo no início, enquanto semeador, e no final, enquanto ceifeiro da colheita. Entretanto, ele é inativo. É a terra que tem que trabalhar, isto é, nós, os crentes. O francês André Rebré escreve: “Em efeito, se o semeador-ceifeiro representa Jesus na sua atividade terrestre e na sua vinda para a colheita no fim dos tempos, a duração da sua inatividade é aquela da história humana. Pode parecer aos seres humanos que Deus está inativo porque ele não intervém com poder. Portanto, a semente da Boa Nova dada pelo seu Filho e confiada à Igreja faz o seu caminho no mundo e nos corações”. No fundo, esse tempo que nos é dado é o tempo em que se nos confia o campo do Reino. É o tempo do testemunho, do anúncio da Boa Nova. É também o tempo da confiança: o grão cresce sozinho, e é o tempo da paciência: ele cresce lentamente, mas certamente.
Quando olhamos para a Igreja atual, nós temos a impressão que nós estamos numa época de desânimo, de não confiança, e de indiferença. Primeiramente, nós não somos proprietários da terra, do Reino; nós estamos ao serviço. O grão cresce apesar de nós, mas nós podemos fertilizar a terra com o nosso testemunho e pelo anúncio da Boa Nova. E se não estamos num período de desânimo e de indiferença é, sem dúvida, porque a Boa Nova não é só uma! Se o discurso da Igreja é um discurso que não leva em conta a realidade vivida pelas mulheres e pelos homens da hoje, sobretudo não devemos nos surpreender que haja tanta indiferença. E se esse discurso condena, rejeita, julga e exclui a maioria das pessoas, o desânimo espreita todas aquelas e aqueles que acreditam ainda na justiça, na igualdade, na dignidade das pessoas, e que ousam dizer uma palavra de esperança, apesar da ameaça de exclusão que pesa sobre eles.
Vocês sabem que na Igreja, atualmente, nós perdemos pessoas de qualidade porque elas tentam simplesmente viver o Evangelho. Pessoalmente, eu não sei aonde tudo isso vai nos conduzir, mas eu gosto de escutar São Marcos nos dizer: “O Reino de Deus é como um homem que espalha asemente na terra. Depois ele dorme e acorda, noite e dia, e a semente vai brotando e crescendo, mas o homem não sabe como isso acontece” (Mc 4,26-27).
3. O minúsculo grão de mostarda: Essa segunda parábola opõe o começo e o fim. No início o grão de mostarda é o menor de todas as sementes e, no final, ele se torna a maior planta onde veem se aninhar todos os pássaros do céu. Isso quer dizer que a pequenez dos inícios da Boa nova semeada na terra da Palestina não deve nos fazer desesperar pelo resultado final. Ao longo da história, todos os povos serão alcançados pelo Evangelho. Os pássaros do céu são o símbolo dos povos da terra como em Ezequiel, na primeira leitura de hoje: “É nas alturas da montanha de Israel que vou plantá-lo. Vai soltarramos e produzir frutos, e se transformará num cedro gigante. Os passarinhos farão nele seus ninhos, e os pássaros seabrigarão à sombra de seus ramos” (Ez 17,23). A Boa Nova não está, então, reservada a um povo em particular; ela é uma boa nova para todo o mundo.
Então, nós temos que ter confiança de que esse pequeno grão se tornará uma grande árvore. O que significa que o Reino de Deus é irresistível, mas é preciso a participação das mulheres e dos homens para que esse Reino venha. O trabalho deles consiste em restabelecer a justiça lá onde ela está ameaçada, em devolver a dignidade àquelas e àqueles que a perderam, em reconhecer a igualdade de todos, e em restaurar a paz combatendo a violência. Mas, esse trabalho não pode fazer-se sem paciência, pois o tempo do amadurecimento é necessário, e somente Deus sabe a hora da colheita.
Concluindo, eu gostaria simplesmente partilhar com vocês esta prece do francês Eric Julien que diz: “Tenho problemas, Senhor. Eu não consigo mais dormir. Como faz teu semeador para ir dormir e deixar a terra à noite? Sim, é verdade, és tu que a fazes brotar. Sim, é verdade, eu tenho tendência a me achar um pouco indispensável, e a te considerar como um pouco demasiado facultativo. São estas as minhas inquietações: eu deixo-as com minha terra que cresce tão mal. Finalmente, é teu trabalho. Eu, eu vou dormir um pouco”.
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A crença é difícil mas certa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU