04 Dezembro 2018
“O jogo estratégico dá-se entre o polo dominante e a capacidade de resposta dos países em desenvolvimento”.
O artigo é de Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, publicado por CartaCapital, 04-12-2018.
Em 2003 o Trade and Development Report da UNCTAD abrigou o tema Acumulação de capital, crescimento e mudança estrutural. O órgão das Nações Unidas empreendeu uma avaliação das transformações econômicas ocorridas até então na Ásia e na América Latina.
O estudo histórico-comparativo cuida de desvendar o desempenho dos países em desenvolvimento ao longo do movimento de transformação da economia global nas décadas de 1980 e 1990. A investigação arriscou-se a uma classificação dos países:
1. Os de industrialização madura, como a Coreia e Taiwan, que já atingiram um grau elevado de industrialização, produtividade e renda per capita, mas apresentam uma taxa declinante de crescimento industrial;
2. Os de industrialização rápida, como a China e, talvez, a Índia que – mediante políticas que favorecem elevadas taxas de investimento doméstico e graduação tecnológica – revelam uma crescente participação das manufaturas no produto, emprego e exportações;
3. Os de industrialização de enclave, como o México, que, a despeito de aumentar sua participação na exportação de manufaturados, têm desempenho pobre em termos de investimento, valor agregado manufatureiro e produtividade totais;
4. Finalmente, aqueles em vias de desindustrialização, que inclui a maioria dos países da América Latina.
A tipologia desenhada pela Unctad é o ponto de chegada do jogo complexo. Em todas as etapas de expansão do capitalismo este jogo envolve as transformações financeiras, tecnológicas, patrimoniais e espaciais que decorrem da interação de dois movimentos:
1. O processo de concorrência movido pela grande empresa, sob a tutela das instituições nucleares de “governança” do sistema: a finança e o Estado hegemônico;
2. As estratégias nacionais de “inserção” das regiões periféricas. As transformações que hoje observamos são impulsionadas pelo jogo estratégico entre o “polo dominante” – no caso a economia americana, sua capacidade tecnológica, a liquidez e profundidade de seu mercado financeiro, o poder de seignorage de sua moeda – e a capacidade de “resposta” dos países em desenvolvimento às alterações no ambiente internacional.
É desnecessário dizer que as economias periféricas dispõem de estruturas e trajetórias sociais, econômicas e políticas muito dessemelhantes, o que dificulta para umas e facilita para outras a chamada “integração competitiva” nas diversas etapas de evolução do capitalismo.
Assim, por exemplo, o sucesso do Brasil, até o início dos anos 1980, desencadeou a crise que iria provocar o seu reiterado “fracasso” na tentativa de se ajustar às novas condições internacionais. No polo oposto, o fracasso chinês até os anos 1980 propiciou condições iniciais mais favoráveis para o sucesso das reformas empreendidas a partir de então.
A “globalização americana”, ao operar nas órbitas financeira, patrimonial e produtiva, engendrou dois tipos de regiões: aquelas cuja inserção internacional se faz pela atração do investimento direto destinado aos setores produtivos afetados pelo comércio internacional; e aquelas, como Brasil e Argentina, que buscaram sua integração mediante a abertura comercial passiva e a flexibilização da conta de capitais.
A abertura da conta de capitais promoveu a “financeirização” das taxas de câmbio. Submetidas às expectativas curto-prazistas dos mercados financeiros, as taxas de câmbio mostraram forte tendência à valorização e, pior, à volatilidade, subordinando as políticas monetárias domésticas ao império do diferencial de juros entre moedas conversíveis e as periféricas, não conversíveis.
A redistribuição espacial da indústria manufatureira ampliou os desequilíbrios nos balanços de pagamentos entre os Estados Unidos, a Ásia e a Europa, bem como reforçou o avanço da chamada globalização financeira. Os americanos foram capazes de atrair capitais para financiar com sobras os déficits em conta corrente e, assim, mantiveram taxas de juros baixas, dólar valorizado, importações baratas e calmaria inflacionária.
O arranjo sino-americano que comandou o espetáculo de crescimento global nos últimos anos permitiu a excitação do consumo dos súditos de Tio Sam, produziu o déficit do balanço de pagamentos dos Estados Unidos e deslocou as decisões de investimento das empresas para os emergentes em rápida graduação industrial.
O economista do Banco para Compensações Internacionais, Cláudio Borio, rebateu os argumentos que celebram o regime de metas de inflação: "Nossas descobertas sugerem que os fatores globais se tornaram mais importantes do que os fatores domésticos". Diante da acelerada expansão da oferta de manufaturados chineses, a inflação desfalece.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Peripécias do globalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU