06 Outubro 2018
Foto: Editrice Missionaria Italiana
Está sendo lançado hoje nas livrarias “Alla radice della libertà. I paradossi del cristianismo” (Na raiz da liberdade. Os paradoxos do cristianismo - em tradução livre -, EMI, 160 páginas,€15), o novo livro de Timothy Radcliffe, do qual antecipamos um trecho. O autor está na Itália para uma série de palestras por ocasião da publicação do livro.
O texto é de Timothy Radcliffe, publicado por Avvenire, 04-10-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Acredito que a busca da verdade é uma espécie de história de amor. O amor pela verdade. Amor, se você for um professor, pela matéria que você ensina. Talvez até amor por seus alunos. E, finalmente, a coisa mais difícil: amor por aqueles com quem você discorda.
Esse tema está na origem da minha vocação dominicana. Depois da escola eu fiz minhas primeiras amizades com pessoas que não eram cristãs. Uma delas me perguntou se eu realmente acreditava em todas as doutrinas católicas: são realmente verdadeiras? Aquela pergunta começou a me atormentar. É tudo verdadeiro? Se for, então deve certamente ser extremamente importante; mas, se não for? Eu sabia que havia uma ordem religiosa que tinha o lema Veritas, mas eu não conseguia lembrar qual era. Comecei a pensar que poderia ser o lugar certo para mim. Entrei em contato com meu professor beneditino, perguntei-lhe de quem fosse aquele lema e disse: "É dos dominicanos". Assim, na prática, eu decidi juntar-me aos dominicanos antes mesmo de ter conhecido um. Isso me lembra a história daquele homem que estava voando em um balão sobre o sul da Inglaterra. Ele perdeu a orientação e, por fim, pousou sobre uma grande árvore. Ele viu dois homens passar e gritou: "Socorro, socorro, onde estou?". Eles responderam: “Você está em cima de uma árvore". Ele então exclamou: "Vocês dois devem ser dominicanos, porque o que vocês dizem é verdade, mas completamente desnecessário".
No Concílio Vaticano I, a igreja declarou formalmente que a nossa busca da verdade inclui a razão. A fé pode nos levar para além da razão, mas não pode ser contra a razão. De acordo com Tomás de Aquino, somos animais pensantes, que buscam a verdade. Quando eu era um jovem frade, o arcebispo de Westminster era o cardeal Heenan, um homem famoso por sua inteligência. Ele foi chamado para testemunhar em um processo e um advogado lhe perguntou: "Eminência, é verdade que hoje o senhor é uma das pessoas mais inteligentes na Grã-Bretanha?". E ele respondeu: "Sim, é verdade. Mas eu digo isso somente porque aqui eu jurei dizer a verdade". Vivemos hoje, infelizmente, na era da pós-verdade. Depois da campanha pelo Brexit na Inglaterra e a eleição de Donald Trump nos EUA, a preocupação que está diante de nós é a evaporação da verdade. Trump acusa a imprensa de espalhar fake news, notícias falsas, mas ele nada mais faz que confirmá-las, uma após a outra. Na Inglaterra, os políticos são apanhados em flagrante enquanto mentem sobre seus gastos; a polícia mente em tribunal; os jornalistas mentem. Quando são descobertos, admitem ter cometido um "erro de avaliação".
Suponho que o erro foi pensar que eles teriam se safado. O problema não é tanto que as pessoas mintam, mas o fato de que a própria ideia de verdade tenha se desvanecido. Vivemos em um mundo de truthiness, aquela verdade aparente que Stephen Colbert definiu como "a expressão de sensações ou opiniões 'de instinto’, como se fossem válidas afirmações objetivas". No Twitter e nos blogs são feitas constantemente afirmações selvagens sem se preocupar constantemente se elas são verdadeiras. Certa vez li em um blog que durante o período em que fui Mestre da Ordem, eu teria dado permissão a um prior provincial para viver com sua amante, uma freira, num vagão de trem. Ridículo! Aquela mulher não era uma freira! Só estou brincando. Quando Lance Armstrong, o ciclista olímpico, foi acusado em um talk show norte-americano de não ter dito a verdade sobre o uso de doping, ele respondeu: "Eu queria controlar a narrativa." O problema para ele não era mentir, mas perder o controle de sua história. Mas nem mesmo a igreja foi sempre muito verdadeira, como confirmou a Comissão real australiana.
Convido aqueles que têm tempo a assistir a um ótimo documentário na BBC iPlayer, Hypernormalisation, de Adam Curtis. Ele descreve o afastamento global da complexidade. Nos jornais, na política, em todos os lugares, estamos assistindo a um afastamento das questões complexas, enquanto as pessoas se satisfazem com slogans e tweets: "Brexit significa Brexit"; "Vamos tornar a América grande novamente".
O filme Negação conta como o escritor britânico David Irving, que negava o Holocausto, foi condenado em um tribunal na Grã-Bretanha. É interessante notar como a questão tenha sido resolvida no âmbito da lei.
Pertencemos a uma sociedade litigiosa. Mas o problema mais profundo é essa cegueira cultural para a verdade, que nem sempre pode ser resolvida levando as pessoas para o tribunal. Devemos ensinar a amar a verdade por si mesma. É por isso que, neste mundo da pós-verdade, eu não consigo imaginar uma vocação mais importante do que aquela de professor. Jesus disse a seus discípulos: "Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou" (Jo 13:13). Temos uma desesperada necessidade de mestres. Não só para comunicar a nossa fé, mas para ensinar os alunos a amar todos os tipos de verdade e procurá-la com toda a sua mente, com todo o coração e com toda a sua imaginação. As constituições da Ordem dominicana afirmam que temos um propensio ad veritatem, uma inclinação natural para a verdade. Se nós sufocarmos esse instinto para a verdade em todas as suas formas, a nossa humanidade será fatalmente danificada. Um famoso dominicano, Yves Congar, disse: "Eu amei a verdade como se ama uma pessoa".
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Amar a verdade acima de tudo, segundo Timothy Radcliffe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU